Entendo que o título assuste e “ler um jogo” pode soar muito estranho. Mas, Pentiment é um RPG com foco em conversas e suas consequências, onde você monta a história a partir das escolhas. Naturalmente, títulos assim demandam leitura e andam em uma corda bamba quase sempre pendendo para o tédio absoluto.
Pentiment, pelo contrário, é uma história criada pela Obsidian, desenvolvedora do memorável Fallout New Vegas. Portanto, temos aqui um RPG sobre uma história intrigante e impactante, que lhe fará questionar suas escolhas e irá lhe instigar a saber os seus muitos desfechos. Antes de iniciar, tenha em mente que Pentiment é quase um livro, mas que vale muito a pena ser jogado, então, dê uma chance.
Desenvolvimento: Obsidian Entertainment
Distribuição: Xbox Game Studios
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Aventura
Classificação: 16 anos
Português: Legendas e interface
Plataformas: PC, Xbox One, Xbox Series S/X
Arte, intrigas secretas e assassinatos
Pentiment se passa na Europa do século dezesseis, um período muito conhecido pelas fortes mudanças econômicas, políticas e religiosas. É importante apontar isso logo de cara, pois é algo que afeta a narrativa e a torna crível. Há uma moral religiosa muito rigorosa, mas que está em ruínas pelas 95 teses de Martinho Lutero.
Embora seja uma cidade pequena na Bavária, Tassing tem sentido os pesares dessa dominância gananciosa da Abadia de Kiersau. Impostos altos e a impossibilidade de questionar fazem com que os moradores da cidade lentamente sintam descontentamento e até puro ódio da igreja. Como ela possui o trabalho de escrever e fazer xilogravuras para livros, muitos deles não podem ser acessados por civis, caso saibam ler.
Andreas Maler é um artista hospedado em Tassing que trabalha para a abadia, mas que também está ali para terminar sua obra de arte. O seu objetivo é finalizá-la, voltar para sua terra natal e abrir uma oficina, sem tormentos ou memórias ruins. No entanto, é em um dos seus dias normais de trabalho que tudo muda: um grande assassinato ocorre dentro da igreja.
Tal acontecimento, que afirmo ser muito surpreendente, é o suficiente para estremecer o enredo de Pentiment. Todos da pequena cidadezinha tinham ótimos motivos para cometer o terrível crime. Desta forma, a população fica aliviada pela morte, mas também horrorizada. Isso traz à tona a incrível quantidade de intrigas secretas e chocantes existentes através de muitas fofocas. Porém, há tantas e todas são como um poço de estrume: quanto mais fundo você vai, pior o cheiro fica.
De fofoca todo mundo entende
Se tem algo que move o enredo de Pentiment e o leva a diferentes direções são os relatos que precisamos investigar. A grande maioria deles é descoberta durante muitas conversas simples, desde um belo bom dia durante uma caminhada na cidade até uma refeição durante a tarde. São nestes momentos que, apesar de ser um pecado, algumas fofocas acontecem e nos dão conhecimento sobre muito do que ocorre ou ocorreu na cidade. No entanto, aqui também começam nossas escolhas primordiais.
Assim como na vida, temos um limite de tempo que é informado por um Ciclo Circadiano. Ele marca os horários entre os afazeres de Andreas como acordar, comer, ir ao trabalho, cear e por aí vai. Entretanto, iniciar uma investigação sempre toma uma quantidade de tempo – e muita leitura, portanto, temos um limite de ações no dia. Pode parecer um aspecto problemático em um primeiro momento, mas isso faz de Pentiment um triunfo.
Todas as histórias e relatos lhe deixam curioso e trazem informações cruciais para investigar o assassinato. Escolher não só o que fazer, mas como nos comportamos nesses momentos, modifica tudo. Porém, é quando as consequências são aplicadas que vemos como Pentiment se molda bem com nossas decisões. Notícias voam em uma cidadezinha como Tassing, e as pessoas lembram bem do que fazemos. Por outro lado, há escolhas próprias para o Andreas que são fundamentais para como avançamos na trama.
Criação social, cultural e intelectual
Em Pentiment, Andreas não é apenas o meu protagonista, mas também é o seu. Logo na primeira caminhada do jogo vamos construindo as bases sociais, culturais e intelectuais dele. Você pode ter morado por um período na França, por isso, estudou e sabe falar francês. Ou então era um garoto fascinado pelos livros, logo, é um rato de biblioteca. Ou, por fim, sua passagem na universidade de medicina o faz ter conhecimentos sobre o assunto.
Essa criação nos dá acesso a novos caminhos de diálogo e do enredo. Porém, há um limite e não dá para saber tudo, por isso, muitas vezes podemos encontrar detalhes ou conversas em que não temos o conhecimento necessário. E, no momento que fazemos a escolha pode parecer um detalhe qualquer, mas, no futuro, demonstra ser algo crucial. Consequentemente, você desejará saber de coisas que deixou passar em uma primeira jogatina, levando a uma segunda e até terceira.
Um livro jogável
Desde o princípio desta análise eu deixei bem claro de que Pentiment é um jogo de leitura e escolhas. Portanto, não é surpresa que ele tenha o design de um livro. Com o passar da história e de nossas conversas, as palavras vão sendo escritas e as páginas viradas, ampliando a sensação de escritor dessa narrativa.
Como meras ilustrações não são o suficiente, os sons que são feitos das escritas ou passagem de páginas é uma jogada simples, mas que reforça a sensação já citada. Porém, o único grande pesar é um som feito quando o personagem fala algo com raiva. Ele é um pouco arranhado, como se estivesse sendo escrito em um papel kraft e incomoda demais os ouvidos. Ao contrário dele, a musicalidade medieval é ressona bem com toda a jornada, e é fantástica.
Jogar e ler podem combinar
Pentiment é surreal de bom. Embora seja um jogo totalmente focado em conversas e detalhes importantes, sua história tem um ímpeto impossível de ignorar. Conforme pistas vão sendo encontradas e relatos são escutados, suspeitas são sempre elencadas, assim como a curiosidade. Sabendo que existe um limite de ações por dia, é inevitável não ser sufocado pela dúvida do que seguir. Investigações sempre trazem relatos positivos para a narrativa, mas nem sempre te levarão ao caminho da história que almeja.
Eu darei a maior nota para Pentiment, mesmo odiando títulos com muitas conversas, afinal, elas são fundamentais a todo momento aqui. No entanto, é compreensível aqueles que fecharam a cara para ele, visto que é pura conversa e leitura. Por isso, reconheço que a falta de outros atos mais ativos e desafios podem fazer falta. Independentemente de qualquer coisa, aconselho que tente finalizar, pelo menos, o primeiro ato de Pentiment para entender a imensidão de sua história.
Cópia de Switch cedida pelos produtores
Revisão: Ailton Bueno