Wartales capa

Review Wartales (Xbox Series X) – Poeira, Sangue e Histórias

Wartales chega como um RPG tático de mundo aberto com fortes elementos de sobrevivência, colocando o jogador à frente de um bando de mercenários que precisa sobreviver, prosperar e traçar seus próprios objetivos em um cenário medieval sombrio e repleto de oportunidades.

Desenvolvimento: Shiro Games
Distribuição: Shiro Games
Jogadores: 1 (local) e 1-4 (online)
Gênero: RPG, Estratégia
Classificação: 14 anos (violência, drogas lícitas, linguagem imprópria)
Português: Interface e legendas
Plataformas: PC, Xbox One, Xbox Series X|S
Duração: 42 horas (campanha)/146 horas (100%)

A mesa de jogo ganha vida

Seu acampamento é seu lar na estrada

Se você já se sentou em volta de uma mesa de RPG, vai reconhecer a sensação: personagens com vícios, rivalidades internas, decisões que viram piada ou brigas sérias. Em Wartales, o bando funciona como um grupo de jogadores de mesa que ganhou carne e osso. Cada mercenário tem traços, fraquezas e necessidades; ninguém é só “dano por segundo”. Um arqueiro pode ser covarde, um espadachim pode cobrar mais por missões perigosas, e as consequências dessas características aparecem em diálogos, moral e comportamento em batalha. A dinâmica lembra aquelas campanhas longas onde a história é construída por acasos e discussões, não por roteiros prontos. É comum terminar uma sessão e ter histórias reais para contar, com momentos de descanso e tragédia que soariam plausíveis num sábado à noite com amigos.

Na essência, Wartales mistura combate tático por turnos, exploração em mundo aberto e gestão de um pequeno “ecossistema” humano. O combate pede leitura do terreno, controle de espaço e uso estratégico de habilidades. Não é raro você perder uma luta por posicionamento errado, o que traz uma sensação legítima de culpa quando olha para a fogueira depois. A exploração é feita de encruzilhadas e sinais: escolher um caminho errado pode significar encontrar um tesouro ou cair numa armadilha que desmonta semanas de planejamento. A gestão do grupo tem presença constante: comida, ferimentos e moral são lembranças cheias de pontas que fazem você pensar duas vezes antes de saquear uma pequena aldeia. A progressão, via especializações e árvores de habilidades, permite moldar com algum capricho cada personagem, mas há um porém: certos caminhos acabam tão dominantes que, depois de um tempo, parecem quase inevitáveis. Ainda assim, o ciclo de comandar, arriscar e se reunir é viciante; há um prazer quase físico em ver seu grupo melhorar após uma campanha bem-sucedida.

Passos pela estrada

Interaja com NPCs, aceite contratos e recrute novos mercenários

A maneira como o jogo responde às suas ordens é, em grande parte, satisfatória. Sendo parte do modelo “Play Anywhere”, comprando o jogo no ecossistema do Xbox, você também recebe uma cópia para PC, onde o esquema usado para o mouse e teclado é fluido, com seleção clara de ações e movimento preciso. Em controle, a experiência é aceitável, embora exija alguns ajustes nos menus. A interface é rica em dados, exibindo informações táticas, estados, equipamentos. Porém, essa riqueza pode se sobrepor à clareza. No início, a sensação para quem chega de jogos mais casuais é de afogamento em planilhas, pois o tutorial existe, mas muitas descobertas são feitas na base de “aprender na marra”. Há uma curva de entrada que se paga com histórias boas, mas o preço inicial pode ser caro para jogadores que preferem mergulhos mais suaves.

Porém, nem tudo reluz ao redor da fogueira. O balanceamento peca em alguns pontos: certas builds se destacam demais e tiram um pouco da diversidade estratégica. A microgestão de suprimentos pode se transformar em obrigação chata, especialmente quando erros logísticos viram castigo severo. A inteligência artificial, em combate, às vezes age de maneira estranha, o que diminui a satisfação tática. O aprendizado poderia ser mais gentil: falta uma mão guiando o jogador pelos sistemas mais complexos, deixando muita gente perdida nas primeiras horas. Essas falhas não são fatais, mas soam como nota de rodapé em uma carta que podia ser perfeita.

O combate tático é característico a esses tipos de jogos

Ao comparar Wartales com outros jogos, é impossível não lembrar de Mount & Blade pela sensação de comandar um grupo num mundo aberto e também de Banner Saga pelo tom melancólico e pelo combate tático que exige escolhas duras. Em relação a XCOM, a semelhança fica apenas no gênero tático; Wartales prefere histórias pessoais e sujeira na bota a campanhas militares impecáveis. A afinidade com jogos de mesa é talvez o diferencial mais forte: o título captura a aleatoriedade, as pequenas tragédias e as vitórias de uma sessão de RPG ao vivo.

O brilho da fogueira

Percorra o mundo em busca de tesouros e glória

Visualmente, Wartales não tenta ofuscar com brilho, mas escolhe bem suas cores. A direção de arte é sóbria, com paleta terrosa e detalhes que conferem personalidade aos cenários: aldeias com chaminés que fumegam, estradas enlameadas, campos que balançam sob vento pesado. Os modelos dos personagens têm marcas de uso, cicatrizes e roupas que contam histórias sem precisar de texto. Em movimento, algumas animações se repetem demais, como canções antigas que o bardo insiste em cantar toda noite, e isso cansa depois de longas sessões. Em máquinas menos potentes que o Series X, o desempenho pode ser sofrível, o que atrapalha a imersão: travadinhas e tempos de carregamento lembram que as engrenagens por trás da pintura nem sempre giram lisas. Ainda assim, o conjunto funciona: a estética serve ao clima e ajuda você a acreditar que existe vida naquele mapa.

O áudio é discreto quando precisa e incisivo na hora certa. A trilha sonora acompanha o ritmo do jogo, sumindo para permitir que os ruídos naturais tomem conta e crescendo quando a tensão sobe. Os efeitos, como o crepitar das fogueiras, o chocalhar de uma armadura e o baque de uma espada que encontra carne, dão textura às cenas. Não espere temas épicos que grudam na cabeça por dias; a música aqui é mais como um cobertor surrado que te mantém aquecido enquanto você caminha. Esse perfil funciona, e a sonoridade consegue sustentar a ambientação sem disputar holofotes com o jogador.

Últimas palavras à volta da fogueira

Wartales é um RPG tático que brilha quando o jogador busca contar histórias por meio de escolhas duras, planejamento e administração de um grupo de mercenários. Seus pontos fortes estão na liberdade de ação, na construção de narrativas emergentes e na combinação de gêneros que oferecem profundidade estratégica. As falhas no balanceamento, na integração e no desempenho em computadores mais fracos são relevantes, mas não chegam a apagar o talento da proposta. Um bom investimento para jogadores que apreciam RPGs de mesa traduzidos em videogame, aqueles que gostam de gerenciar um grupo com personalidades distintas e quem valoriza progressão por decisões táticas ao invés de um power-leveling acelerado. Para quem prefere campanhas lineares e ação frenética, pode não ser a melhor escolha.

Cópia de Xbox Series X cedida pelos produtores

Revisão: Júlio Pinheiro

Wartales

8

Nota Final

8.0/10

Prós

  • Liberdade narrativa
  • Rejogabilidade alta
  • Identidade dos personagens

Contras

  • Balanceamento desigual
  • Microgestão excessiva
  • Interface densa