Vindo como uma atualização gratuita, Dandara: Trials of Fear Edition trouxe novidades para jogadores antigos e atrativos diferentes para quem ainda não jogou. Mas será que o DLC justifica uma revisita ou uma primeira experiência? É o que veremos aqui.
Desenvolvimento: Long Hat House
Distribuição: Raw Fury
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Plataforma, Ação, Puzzle, Aventura
Classificação indicativa: 10 anos
Português: Legendas e interface
Plataformas: PC, PS4, Switch, Xbox One, Android e iOS
Duração: 6 horas (campanha) / 9 horas (100%)
Mais do que uma história
Geralmente, nossos gostos, nossos pensamentos e convicções são muito mais afetados por coisas que temos identificação. Seja um filme, um livro, uma série, amizades, músicas e, por fim, um jogo.
Quando conseguimos nos relacionar com algo que nos identificamos, aquilo acaba nos tocando de uma forma muito maior por causa dessa correlação entre a pessoa e a arte.
Os jogos, mais do que filmes e livros, tem um poder imenso de identificação, pois eles nos tornam participantes ativos do que está acontecendo.
Claro, isso ocorre de fato quando é possível se identificar com vários de seus elementos ao mesmo tempo, como história, músicas e jogabilidade. Então, para concluir que um jogo é bom, ele deve ter aspectos positivos nos elementos que julgamos cruciais para uma experiência profunda. E assim posso começar a falar de Dandara.
Dandara é muito mais do que a história da esposa de Zumbi dos Palmares. Os desenvolvedores – brasileiros, diga-se de passagem – pensaram na importância de sua figura e dos mistérios que a envolvem. Assim, criaram um mundo totalmente novo para contar uma história com a personagem, falando sobre tudo que ela fez na vida real ao mesmo tempo em que não falam nada disso.
Antes de continuar divagando sobre a história, é necessário conhecê-la um pouco. Basicamente, em um mundo fictício em que as leis da natureza do mundo real não se aplicam, espíritos livres foram oprimidos por uma entidade ditatorial. Sem um motivo aparente, o único objetivo dessa entidade é prender aqueles que possuem liberdade e usa de diversos meios para isso, seja utilizando prisões físicas ou alienando o povo.
Desta forma, Dandara surge nesse mundo para acabar com a opressão que o povo livre está sofrendo, com capacidade de ser ouvida, ajudar, atacar, locomover-se entre o mundo gravitacionalmente confuso e, principalmente, ser ajudada.
Sua história pode parecer meio clichê por ser, basicamente, a perpetuação da dicotomia entre bem e mal, cada um alinhado a um personagem central e principalmente uma ideia. Mas é assim que dos maiores clichês surgem as melhores histórias, pois o caminho é muito mais importante que o destino.
Então a história acontece e o jogador se depara com discussões profundas e filosóficas, que envolvem principalmente liberdade de expressão e arte. Suas particularidades podem se relacionar a vários momentos da história da humanidade, quando alguém, achando-se mais poderoso, acredita que tem poder sobre as outras pessoas.
Assim, eu encontro uma relação, talvez não tão clara, em algumas afirmações de Nietzsche sobre a capacidade de manipular as pessoas.
Friedrich Nietzsche, um filósofo alemão, pode ter falado coisas maravilhosas sobre a arte e suas capacidades na vida das pessoas, mas, ao mesmo tempo, ele fez afirmações que deram início a alguns movimentos negativos, principalmente o nazismo.
Seu pensamento mais problemático é sobre a necessidade que as pessoas devem ter de se tornarem superiores a si mesmos, mas de forma a ter possibilidade de oprimir os inferiores por ter alcançado um estado de conhecimento da verdade. Usando termos mais filosóficos, a eugenia do ser humano deve ocorrer para ser alcançado o Super-homem de Nietzsche, o nível mais elevado de seus conceitos.
Dandara é também sobre isso, um ser que acredita ter encontrado a Verdade e acha que tem a capacidade de oprimir aqueles que são inferiores, simplesmente pelo prazer em trazer sofrimento para compensar o sofrimento que passou a fim de chegar ao seu suposto estado. E então o jogo utiliza de metáforas, implícitas ou não, para falar sobre opressão. E fala-se profundamente sobre opressão.
Mas, ele não é tão negativo. Dandara também é sobre a alegria de fazer parte de um povo, a felicidade em ajudar e ser ajudado e, principalmente, sobre a liberdade.
Mas sabem como o jogo se torna tão profundo assim? A DLC Trials of Fear aprofunda a história, alonga os diálogos e dá mais personalidade aos personagens. Toda essa minha divagação foi possível por causa do aprofundamento que ocorre na DLC.
Trials of Fear adiciona um novo boss, uma nova habilidade e algumas novas áreas ao jogo, justificando uma compra para quem ainda não jogou, que é o meu caso, e uma revisita para quem experimentou anteriormente, confirmando a máxima “O novo é sempre melhor”.
Jogabilidade
Mais acima falei sobre um mundo que não segue as mesmas leis da natureza que o nosso, correto? Essa questão impacta diretamente na jogabilidade. Pois a lei natural de que falo é a gravidade.
Não imaginem algo como Super Mario Galaxy, mas um pouco mais complexo. É como se cada pequeno pedaço de terra tivesse sua própria gravidade e, para se movimentar, Dandara dá saltos entre eles. Sem andar. O próximo movimento possível nunca é para frente, mas sempre para as diagonais em direção a algo mais abaixo ou mais acima.
É algo que, se imaginarmos e pensarmos muito, parece difícil e anti-intuitivo. Mas, quando se começa a jogar e percebe-se a fluidez da movimentação, não demora mais do que poucos segundos para se acostumar com ela.
Da mesma maneira que em Dandara, a gravidade também afeta as outras criaturas, que obedecem rotas e padrões mais confusos ainda. Isso leva a uma necessidade de pensamento rápido e ótimos reflexos para o próximo movimento, como se fosse um desafio de plataformas rápidas. Mas, como disse, isso ocorre de uma maneira muito mais intuitiva do que dá para descrever. Assim, toda a questão de batalhas é divertida e fluida.
Bom, mas não só de matar inimigos vive um bom Metroidvania. Aqui temos também muita exploração, que é crucial para encontrar novas rotas para um lugar que era aparentemente inalcançável. E a exploração é premiada com um pontos necessários para evoluir as habilidades da personagem, bem como matar monstros também dá alguns pontos para isso.
Veredito
Se a primeira edição de Dandara já valia uma compra, sua atualização, a Dandara: Trials of Fear Edition, vale muito mais. A história ganhou mais profundidade, os NPCs ganharam mais personalidade, os diálogos foram melhorados, além da inclusão de uma nova área, um novo boss e uma nova jogabilidade.
O jogo mostra uma grande preocupação não só em entregar algo de qualidade, mas também em mostrar a relevância de personagens históricos do Brasil. Além disso, existem modos de dificuldade mais acessíveis para quem quer apenas usufruir a história.
Recomendo Dandara: Trials of Fear Edition para quem gosta de Metroidvanias e jogos de plataforma, para quem quer experimentar uma história profunda e para quem quer desafios. Aliás, todo gamer brasileiro deve jogar o jogo.
Esta review foi feita com uma cópia de Switch cedida pelos produtores