Como um fissurado por jogos de fazendinha e simuladores que imitam a vida real – na medida do possível -, Little Dragon’s Café conquistou meu coração e foi amor ao primeiro trailer. Tendo como seu criador Yasuhiro Wada – designer original da franquia Harvest Moon – e uma proposta que mistura elementos de games de fazenda pelos quais sou completamente apaixonado, Little Dragon’s Café resgata um teor da fórmula “fazendística” e adiciona uma duas missões muito importantes que podem mudar o destino da vida de sua mãe: gerenciar um café e criar um dragão. Uma fantasia aparentemente encantadora e empolgante, mas provavelmente sua beleza conquiste mais do que o conteúdo de fato.
Desenvolvimento: One More Level, 3D Realms e Slipgate Ironworks
Distribuição: Aksys Games, TOYBOX, Picola
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Simulador, Aventura
Classificação: Livre
Português: Não
Plataformas: PS4, PC e Switch
Duração: 33.5 horas (campanha)/100 horas (100%)
Era uma vez
Little Dragon’s Café é um jogo belíssimo em termos gráficos, com imagens que lembram desenhos feitos à mão e uma direção de arte bastante caprichada. O estilo certamente é um grande fator para atrair seus possíveis jogadores, e confesso que foi um dos elementos que me chamaram a atenção antes de colocar as mãos no jogo em si. A trilha sonora é bastante repetitiva e serve apenas para dar uma ambientação decente, mas posso afirmar que é o tipo de experiência que vai maravilhosamente bem – diria que até melhor – enquanto ouve-se um podcast. Como não existem tantos diálogos assim, é possível entender o que se passa sem precisar prestar 100% de atenção no que está acontecendo.
O enredo trata da história de uma mulher e seus dois filhos gêmeos – não idênticos, aliás -, os quais a ajudam a cuidar de seu pequeno estabelecimento que serve bons pratos aos moradores locais. Tudo parecia bem na vida desta família feliz e colaborativa. Os filhos auxiliavam a mãe na cozinha, coletando ingredientes e aprendendo a cozinhar com a valente moça que cria os filhos aparentemente sozinha. Isso acontece de forma contextual, tanto que sua primeira tarefa no jogo é justamente sair do café em busca de ovos e cebolas para sua mamãe querida a fim de aprender a cozinhar seu primeiro prato. Porém, num dado momento a moça começa a passar mal e os filhos notam a palidez em sua pele e ficam preocupados, mas a mesma diz que está tudo bem e pede para os dois irem às suas devidas camas.
Entretanto, no dia seguinte as crianças acordam e estranham o fato do café da manhã ainda não ter sido preparado e se deparam com um terrível acontecimento: sua mãe não quer acordar. A moça está em um sono profundo e não reage aos pedidos dos dois. Em seguida, uma estranha figura idosa surge no quarto, se apresentando como um mago… digo, um velhote e grande amigo da mãe das crianças. Ele então revela que a mulher possui algo diferente em seu corpo: sangue de dragão. Para conseguirem a difícil tarefa de acordar sua mãe, os dois tem uma tarefa bastante complicada daí para frente: cuidar e criar um dragão bebê. Isso mesmo, o objetivo de Little Dragon’s Café é não só criar um dragão, como também alimentá-lo cozinhando pratos bem preparados. Só assim a paz e felicidade daquela família seria restaurada. A história é tão absurda que a curiosidade vem à tona para saber qual a próxima loucura que está por vir – pelo menos pra mim.
A rotina de um café
Em Little Dragon’s Café é possível iniciar a história escolhendo o sexo do seu personagem. Caso escolha o masculino, a outra personagem (garota) será sua ajudante ou vice-versa. A principal mecânica por aqui, não é pra menos, cozinhar especiarias para os clientes locais e o dragão de estimação que trará sua mãe de volta à consciência. Seu personagem pode coletar itens com as próprias mãos, pescar sem a necessidade de criar uma vara e até mesmo pedir para o dragãozinho explorar locais pequenos e apertados que recompensam você com ingredientes.
Além da coleta em geral, podemos aprender novas receitas de pratos únicos coletando pedaços das mesmas ao redor da ilha. São necessárias 4 partes de uma receita para conseguir a instrução completa, para assim ser possível de prepará-la. A forma como Little Dragon’s Café trata o processo de cozimento é bem divertido, tornando tudo num jogo de ritmo onde é necessário apertar os direcionais do controle no momento certo acompanhado da música. A qualidade dos ingredientes e o número de acertos por parte do jogador podem resultar em pratos de qualidade que vão do 1 ao 5. Porém, depois de alguns pratos preparados, confesso que me senti bem cansado e com preguiça de fazer qualquer outro item do cardápio novamente.
É o ciclo sem fim
Depois de várias horas com Little Dragon’s Café, é com decepção que digo que o jogo é uma fórmula bastante simplificada de Harvest Moon. É como se retirassem todos os elementos de fazenda e missões secundárias. Tudo acontece de uma forma bem superficial em que animais similares à patos-galinhas são simplesmente capturados e surgem em seu quintal, botando ovo todos os dias garantindo um estoque gigantesco de ovos, além de que sua plantação de legumes e verduras cresce naturalmente sem esforço. Ingredientes também são facilmente encontrados e não é preciso se preocupar com a escassez em momento algum. Por fim, a mecânica principal fica sendo “cuidar” do café de sua mãe, cujo trabalho se resume meramente em pegar pedidos, entregar para o cozinheiro, trazer o prato à mesa e limpar tudo quando o cliente tiver acabado. E isso também é opcional, já que os NPCs existentes no local podem fazer todo o trabalho por você, resultando numa diferença quase nula em relação às consequências.
Tudo isso é feito com o intuito de fazer o pequeno dragãozinho crescer e dar acesso à locais antes inalcançáveis apenas com esforço humano. Uma vez que a criatura passa da fase infantil para a adulta, é possível montá-lo e sair voando pela ilha em busca de ingredientes para preparar novos pratos, como também usá-lo de máquina de batalha para eliminar animais exóticos e conseguir sua carne. Então o ciclo se repete: dormir, acordar, buscar ingredientes, preparar pratos para o almoço, ocupar seu tempo buscando mais ingredientes, preparar pratos para o jantar, dormir novamente e recomeçar tudo no outro dia. A história é bastante linear e exige muitas vezes a preparação de certos itens do cardápio para progredir, portanto, em resumo, Little Dragon’s Café é um simulador de cafeteria bastante superficial.
O dragão basicamente nos serve como uma ferramenta para liberar passagens que ficam obstruindo nosso caminho na incrível jornada em busca de ingredientes. Não existe nenhuma preocupação real do jogador que não seja manter um estoque grande de legumes, carnes, peixes e similares na dispensa para suprir os pedidos dos clientes no dia seguinte – o que não é nada difícil de se fazer. Com o passar do enredo, novos personagens com um plano de fundo levemente interessante vão sendo apresentados e até mesmo entram para a equipe do café. Como se não bastasse, você precisa constantemente conversar com eles para que se sintam felizes como seus empregados, ao mesmo tempo que isso consequentemente aumentará a reputação do estabelecimento com o público. Porém, mais uma vez essas mecânicas são simplistas ao extremo e sem um impacto real.
Raso em sua essência
Little Dragon’s Café é um jogo bonito e carismático – com problemas sérios de draw distance e sombras se formando na sua frente -, mas nem de longe estes dois elementos são o suficiente para segurar a jogabilidade fraca que as mecânicas centrais oferecem. Gerenciar um café precisava ser mais divertido, como também a preparação de pratos não deveria exigir um mini game musical todas as vezes. O maior pecado de Little Dragon’s Café com certeza é seu ciclo repetitivo que não oferece quase nenhuma variação no dia-a-dia além de buscar novas receitas e tentar aumentar a reputação do estabelecimento, enquanto que o dragão serve como uma mera ferramenta sem graça para abrir caminhos e destruir obstáculos. Talvez houvesse uma chance maior de diversão se a fórmula implementada aqui não fosse simplista demais, resumindo em interagir com objetos e alguns NPC, sem exigir estratégia ou gerenciamento de tempo para resultar em alguma evolução. Aliás, alguém se lembra que a mãe ainda existe após alguns dias sem entrar em seu quarto?
Esta review foi feita com uma cópia de Switch cedida pelos produtores
Revisão: Bia Bock