The Flower Collectors

Review The Flower Collectors (PC) – A Janela Indiscreta de Blacksad

Em 1954 o cinema recebia o 46º título da filmografia de Alfred Hitchcock. Com quatro indicações ao Oscar e críticas absurdamente positivas, A Janela Indiscreta foi um marco incontestável que obviamente inspiraria muitos projetos depois dele. Na trama acompanhamos L. B. “Jeff” Jefferies, um fotógrafo profissional confinado à sua casa após quebrar a perna e sua saga para combater o tédio observando seus vizinhos.

Em Blacksad, o mundo é ocupado por animais antropomórficos e o suspense policial que toda boa história de detetive merece. O protagonista que nomeia a obra é pavio-curto e brilhante, e passa sua jornada lidando com os mistérios e os males do mundo que o cerca.

 “E o que isso tem a ver com o jogo?” Absolutamente tudo.

Ano: 2020
Jogadores: 1
Gênero: Aventura, Investigação
Classificação indicativa:
12 anos
Português: Não
Plataformas: PC
Duração: 3.5 (campanha)/ 4h (100%)

Política refletida nas ruas

Depois da morte de Francisco Franco em 1975, a Espanha estava aos poucos se recuperando da ditadura que vinha desde os anos 30. É no meio dos anos brutais da mudança política que o jogador se vê na pele de um ex-policial cadeirante, preso em seu pequeno apartamento no meio da Barcelona de 1977.

Como Jeff de A Janela Indiscreta, Jorge se equipa de um binóculo e passa os dias observando seus vizinhos para combater o tédio do isolamento. Da varanda Jorge pode ver uma pequena porcentagem de lugares interessantes: um cabaret, uma praça, uma mecânica, um café, um prédio residencial e uma igreja. 

É numa manhã aparentemente como outra qualquer, acompanhando Jorge em suas observações usuais, que o jogador é apresentado aos lugares e moradores desta pequena rua em L. E de noite, para a surpresa de Jorge e nossa, um tiro ressoa pela até então pacata praça e da varanda podemos ver um corpo já caído e imóvel. Como se já não fosse uma mudança grande o suficiente entra no apartamento uma garota pedindo refúgio, respirando pesadamente e claramente assustada. E é aí que o jogo realmente começa.

O espaço confinado menos confinado de Barcelona

Os 10 capítulos do jogo seguem mais ou menos o mesmo formato: observar, guiar (ou não) alguém pela rua e arrumar as pistas e fotos no mural. A duração dos capítulos é inconstante, indo de 6 min a 1h de duração dependendo da sessão que está. Apesar de ser um jogo relativamente rápido (de 3h a 5h de gameplay), a grande maioria das ações levam o “tempo real” que levariam no nosso mundo para acontecer, então momentos de espera são bem comuns. O salvamento do progresso é automático e acontece ao final de cada capítulo – então as sessões maiores podem ser um problema se precisar terminar logo pra fazer outra coisa.

Durante o jogo Jorge se junta a Melinda – a garota antes citada – para desvendar o caso de assassinato e investigar os moradores e trabalhadores da rua. Com o uso de um walkie talkie, dos binóculos e de uma câmera, Jorge vai guiando Melinda pela rua – ajudando-a a não ser vista, encontrar pistas ou fazer perguntas por aí.

O jogo deixa claro quando um evento importante vai acontecer com “…!” aparecendo na tela se Jorge focar em um local ou personagem específico. E aí é só esperar um pouco e o evento e/ou os comentários dos protagonistas com relação ao que está focado acontecerão.

Em alguns momentos nos é proposta uma mecânica de ter que realizar x ações em um tempo fixo. Podemos ver a contagem regressiva na parte superior da tela e nesses momentos Jorge guia outro personagem para achar objetos/pistas, se esgueirar sem ser visto ou questionar suspeitos dentro do tempo determinado.

As fotos necessárias são mostradas com o foco da câmera se tornando vermelho e são usadas ao final do capítulo para o mural de evidências. Nomes e rostos aprendidos aparecem sempre que focar no personagem em questão a partir de quando o jogador toma conhecimento deles. Outras ações, como usar o telefone para causar uma distração, são liberadas apenas quando o jogo precisa que sejam realizadas e Jorge às comenta de forma bem explícita pro jogador saber o que fazer.

A exploração do apartamento e o pouco que Jorge pode ver de sua varanda é mais do que o suficiente para resolver todo o jogo sem maiores problemas e a vista de cima o permite dar direções precisas do quadro geral da rua. Tudo que precisa ser visto pode ser focado da varanda e todas as conversas importantes serão passadas por Melinda pelo walkie talkie, então Jorge estar preso em casa acaba ajudando mais do que atrapalhando nessa jornada.

Tudo bem, vai? A dublagem é boa

Com gráficos e animações bem simples o brilho do jogo fica por conta do trabalho excelente de dublagem, trilha sonora e da narrativa.

As modelagens e texturas não são super elaboradas, mas conversam muito bem e acredito que estão na medida certa pro jogo. As animações, por outro lado, são mais simples do que poderiam ser. Os personagens giram no próprio eixo para se virar e tem erros ao andar como passos cortados pela metade ou deslizadas. As movimentações de expressão corporais exageradas dos personagens longe são bem vindas, mas quando em personagens perto – como a Melinda no apartamento de Jorge – a simplicidade pode ser quase cômica.

Me atrevo a dizer que conheci os personagens – e o que sentiam nas cenas – não pela animação, mas sim pela dublagem e entonação dos atores. A impressão de que a animação foi feita apenas o necessário para passar uma ideia foi balanceada pelas falas com emoção crível que se juntaram a trilha sonora e criaram uma atmosfera gostosa apesar do clima tenso. Eu acreditei nos personagens e nas suas emoções apenas com as vozes: e acho importante exaltar isso.

Outro aspecto técnico que já citei mas julgo importante revisitar é o sistema de salvamento automático das fases. Durante uma fase acabei perdendo uma pista (deveria focar em um objeto antes de ir rever as evidências) e me vi em um looping onde não podia sair do foco do mural, mas como não tinha todas as pistas certas também não podia terminar a sessão direito. Fui obrigada a reiniciar o capítulo inteiro e começar do zero para chegar ao final da forma certa. E apesar de ter acontecido apenas uma vez, foi um incômodo não ter nenhum checkpoint no meio do capítulo.

Além disso, o jogo vai de não dizer nada a deixar o que precisa ser feito escancarado, então a dificuldade vai de “se vira” pra “segura minha mão e vem”. E em alguns momentos essa dificuldade flutuante foi um pouco incômoda.

Mas e aí?!

The Flower Collectors é um jogo curto e linear de investigação com segredos do passado a serem revelados, uma forte base política e personagens interessantes. Com uma narrativa que poderia acontecer nas páginas de Blacksad ou nos frames de A Janela Indiscreta.

Na pele de Jorge temos apenas a quantidade necessária de ações disponíveis e precisamos aprender a observar o quadro geral pra descobrir os pormenores. Escolhemos em quem confiar e como responder algumas perguntas, quem ajudar e como organizar as evidências capítulo após capítulo até descobrir não só o mistério como quem nosso personagem é.

No geral, The Flower Collectors foi uma grata surpresa que tem, sim, alguns problemas importantes – mas que acabaram por não prejudicar realmente a experiência.

The Flower Collectors foi desenvolvido e distribuído pela Mi’pu’mi Games, inspirado em Firewatch e está disponível para compra na plataforma de PC Steam.

Obs.: O jogo foi finalizado em cerca de 5h.

Esta review foi feita com uma cópia de PC cedida pelos produtores

Revisão: Samuel Leão

The Flower Collectors

9

NOTA FINAL

9.0/10

Prós

  • Dublagem excelente com emoção crível
  • Personagens interessantes
  • Narrativa de mistério bem feita
  • Trilha e efeitos sonoros
  • Visual simples e agradável

Contras

  • Capítulos com duração inconstante
  • Controles repetitivos incômodos
  • Salvamento apenas no final dos capítulos
  • Dificuldade flutuante