Sempre que chego na minha saída da Marginal do Tietê (cidade de São Paulo) para casa, olho o medidor de gasolina e faço uma conta rápida para saber se posso seguir adiante, cair na rodovia e dirigir sem rumo. Cogito, mas nunca perco a minha saída. Road to Guangdong era minha chance de fazer isso que eu nunca fiz porque, afinal, a vida real se impõe.
Mal sabia eu, quando aceitei o desafio da Sunny, que essa conta da gasolina teria que ser feita a cada dois minutos, dirigindo a 20km por hora, ouvindo músicas tradicionais chinesas (ignorei a rádio de música eletrônica). Você encararia?
Desenvolvimento: Just Add Oil Games
Distribuição: Excalibur Games
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Aventura, Simulação
Classificação Indicativa: Livre
Português: Legendas e interface
Plataformas: Switch, PC, Xbox One e PS4
Duração: Não disponível
Guangdong, Guu Ma, Gung Gung, Guu Guu…?
Sunny é a personagem principal que acabou de perder os pais e herdou o restaurante da família Tong. Sua tia paterna mais velha (Guu Ma), Grace, entregou as chaves de uma relíquia da família: Sandy, o pior carro da história dos videogames. Nunca um veículo bebeu tanta gasolina, nem o Interceptor V6 ou o carro vermelho do Top Gear!
Em Road to Guangdong, o ponto da história é visitar seus parentes, ajudá-los a resolver problemas, conferir se eles estão de acordo com que você assuma o restaurante e convidá-los para o jantar de primavera. Sunny viaja com sua Guu Ma e Sandy, mas também com um poodle peludo e um frango congelado.
Nessa viagem é importante que você consiga receitas novas para o restaurante. Mas a história pode dar errado: se o seu dinheiro acabar ou se você fizer escolhas erradas na visita, o parente pode decidir não ir. Pior ainda: pode nem te dar a receita. E isso influencia na cena final do seu jogo.
Histórias de viagem
A história, aliás, é vendida como o ponto alto do game na campanha de marketing – na maior parte dos materiais promocionais aparece o nome de Yen Ooi, autora literária e pesquisadora acadêmica. A história de Road to Guangdong é contada em texto, algo que faz sentido, já que o jogo é tido como um romance visual.
O botão Y para avançar o texto causou estranheza, mas com tudo a gente se acostuma – até às expressões chinesas utilizadas para designar parentesco. Essas deram um pouco de trabalho para decifrar, mas foi uma boa escolha mantê-las sem tradução.
Eu achei o desenvolvimento da história simpático e gostei, mas me pareceu apressado. Tem o mérito de não ter remetido, em nenhum momento, a qualquer questão política. Até porque seria estranho: Road to Guangdong é um jogo de gerenciamento de recursos. Você passa tanto tempo dirigindo a menos de 60km por hora que a história acaba sendo só um pedacinho entre uma estrada e outra. E eu não creio que isso seja algo necessariamente bom porque dirigir a Sandy não é exatamente uma alegria.
Mecânico Simulator
Em viagem você vai abastecer gasolina e repor óleo diversas vezes, não apenas nos postos. Trocar ou ajustar a correia do motor, trocar filtros de óleo e de ar, trocar pneus e até retificar o motor são coisas que você vai fazer aos montes. Mesmo.
Sandy consegue ser pior que a saudosa Caravan 77 que meu pai teve nos anos 90 – mesma década em que se passa a road trip de Sunny e Guu Ma na China. Elas ficaram duas vezes no meio do caminho no meu jogo, assim como eu também já fiquei pelo caminho com a Caravan do meu Baa Baa. Muitas semelhanças!
Dirigir a Sandy não é difícil: acelerar (pouco), frear (o tempo todo), acender os faróis à noite, trocar a estação de rádio e ouvir sua tia reclamar, desligar o carro, abrir a porta e fazer você mesmo a manutenção com todas as peças do seu inventário – menos o motor. Motor só é trocado ou retificado nos postos de serviços. O problema é que isso se torna repetitivo demais.
Dirigir, conversar e o que mais?
Road to Guangdon não é um jogo de direção: é um jogo de paciência e de gerenciamento de recursos. Você recebe um capital inicial irrisório no início de tudo. Não adianta tentar fazê-lo render evitando ao máximo trocar partes do carro e contar com a boa vontade dos parentes. É preciso catar e vender peças sucateadas, de correias arrebentadas até motores em condições razoáveis – você vai encontrar de tudo pelo caminho e precisa gerenciar a capacidade e a variedade do seu inventário. Calma, não é nada que requeira uma planilha (infelizmente).
Não tem como progredir de outra forma, eu tentei. O resultado é acabar sem gasolina ou sem alguma manutenção importante e ficar pelo meio do caminho. Chamar o guincho custa praticamente um quarto dos 400 dinheiros que você recebeu lá no começo e, se você zerar em dinheiro, é game over.
Os gráficos são bem coloridos. Apesar de anunciado pelos produtores que são várias paisagens da China, depois de um tempo a estrada parece ser sempre a mesma, com pequenas variações. O mesmo acontece com as músicas – mesmo trocando de rádio, tenho a impressão que são apenas 4 canções. São todos bonitas, e uma delas, inclusive, não sai da minha cabeça enquanto estou escrevendo esse texto.
Não percebi nenhum bug no jogo, mas dirigir nele é uma coisa estranha: os outros carros não colidem, só que empurram seu carro e podem até causar um capotamento muito esquisito. Sua Guu Ma, que reclama até se você troca a estação de rádio, nem comenta o acidente.
Último pedágio
Joguei Road to Guangdong todas as noites antes de dormir. Apesar de repetitiva, a trilha sonora combina com o jogo. Ajuda a relaxar (veja o vídeo). Os gráficos das estradas também se repetem com frequência, mas são coloridos e bonitos. Dá para interagir com a Tia Grace, só que ela conta sempre as mesmas histórias… e isso na verdade é bem realista, mas cansa. A combinação dos gráficos e da trilha sonora, com o barulhinho do motor da Sandy, me colocou para dormir rápido a semana inteira – algo que não me impediu de finalizar a história. Sou a favor de mais games relaxantes assim.
Pessoalmente, não sei se teria conseguido finalizar esse título em qualquer outra plataforma que não fosse portátil como o Switch. Com certeza jogarei de novo para fazer escolhas estranhas e ver os parentes frustrados com a Sunny.
Ou não. Talvez eu opte por ignorar a saída da Marginal do Tietê e siga adiante para ver no que dá.
Esta review foi feita com uma cópia de Switch cedida pelos produtores
Revisão: Jason Ming