Em 1950, o livro de Isaac Asimov, “Eu, robô”, nos apresentou uma história que por mais que fosse centrada na figura dos seres mecânicos, buscava retratar temáticas sociais interessantes como lógica e ética. Asimov criou as Três Leis da Robótica: 1) um robô não pode ferir um ser humano ou permitir que que seja ferido; 2) ele deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto se essa obediência levar a uma violação da primeira lei; 3) todo robô deve preservar a própria existência, exceto em caso de contradição com a primeira ou a segunda leis.
Daí pra frente, várias outras obras de ficção, em diferentes formatos de mídia (incluindo os videogames), passaram a debater o processo de tomada de consciência dessas máquinas, que, então, ignoram sua programação inicial e organizam um levante contra a raça humana. Desenvolvido pela TurtleBlaze e publicado pela The Arcade Crew no dia 6 de fevereiro desse ano para PC e Nintendo Switch, Kunai brinca de forma divertida com essa temática.
Desenvolvimento: TutleBlaze
Distribuição: The Arcade Crew
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Aventura, Ação, Plataforma
Classificação: Livre
Português: Não
Plataformas: PC e Switch
Duração: 8 horas (campanha)/8.5 horas (100%)
Eu, Tabby
Na história, o mundo se afunda numa guerra sem fim entre robôs. Máquinas malignas, lideradas pela inteligência artificial Lemonkus, desejam a todo custo exterminar o pouco que restou de vida humana na terra. A motivação parte da lógica – já batida em roteiros de obras de ficção científica – da superioridade das IAs ante à subjetividade do comportamento humano. Em contrapartida, existem robôs que buscam fazer frente aos planos de Lemonkus e organizam um grupo de resistência para assegurar uma vida harmônica entre todos.
Em Kunai controlamos o carismático robozinho (com cabeça de tablet) Tabby. Nosso herói com alma de guerreiro surge como o fio de esperança que trará fim à guerra e garantirá a paz ao mundo – nem que para isso ele tenha que descer o “sarrafo” numa horda de inimigos. Não se enganem, apesar do roteiro parecer denso (spoiler: não é mesmo!) o embate maniqueísta entre bem e mal é retratado de forma simples, divertida e muito caricata, tal qual os desenhos animados fazem constantemente. Isso é proposital e faz parte do charme do jogo, dando a ele uma identidade própria.
Visual cartunesco e controles precisos
O game é mais um side-scroller de ação, exploração e plataforma com elementos de Metroidvania. Dessa forma, temos um cenário composto por várias áreas interligadas, em que certas partes só se tornam acessíveis na medida que vamos adquirindo novas habilidades. O design do jogo é quase monocromático, apresentando umas três ou quatro paletas de cores apenas. A ausência de cores pode incomodar alguns jogadores, mas a escolha dá ao jogo um estilo único que, somado ao visual cartunesco dos personagens e cenários, ajuda a compor uma experiência mais leve e descompromissada. As músicas também cumprem o seu papel, mas estão longe de serem memoráveis.
Em jogos de ação e plataforma a precisão do controle é tudo para termos uma boa experiência. Felizmente, os comandos em Kunai são precisos e rápidos. Apesar de não termos uma grande variedade de armas e habilidades – e não fazer muito sentido como passamos a ter acesso às mesmas – elas são extremamente divertidas. Muitos jogos do gênero pecam pelo excesso e certas habilidades e itens adquiridos no decorrer da jogatina acabam não tendo um papel relevante dentro do gameplay. Em Kunai isso é compensado por formas divertidas de uso das mesmas para resolvermos os puzzles dos cenários e avançarmos no jogo.
As Kunais nos permitem alcançar plataformas mais elevadas e aumentam nossa mobilidade pelos cenários. Além delas, Tabby faz uso de uma katana nervosa, shurikens e até mesmo armas de fogo para combater os inimigos. É uma “farofa” gostosa e divertida. Algumas habilidades, no entanto, são acrescentadas ao jogo muito tardiamente. E você só irá experimentá-la por mais tempo caso queira descobrir todos os segredos do jogo como, por exemplo, os engraçadíssimos chapéus (que passam a adornar o visor do nosso personagem) e os pedaços de coração que aumentam nossa vitalidade.
Porta de entrada aos Metroidvanias
Podemos fazer até três upgrades para cada uma de nossas armas em pontos de wi-fi espalhados nas áreas seguras dos cenários. Mas convém mencionar que elas pouco modificam o gameplay. O único jeito de “upar” e vermos as habilidades que adquirirmos é através desses pontos e isso dificulta demais nosso gerenciamento de itens. Não há nem mesmo um menu com nossos status. Dessa forma, se estivermos num ponto sem conectividade, não teremos acesso a tudo que já compramos. Outro problema é a ausência de fast travel – se quiser realmente fechar o jogo em 100%, prepare-se para explorar cada mínima parte do mapa a pé.
Uma coisa que tem marcado bastante os Metroidvanias (e assustado o jogador mais casual) é a dificuldade elevada nesses games. Kunai – para o bem ou para o mal – vai na contramão de jogos desafiadores como Hollow Knight e Blasphemous, por exemplo. Ele é uma excelente porta de entrada para quem quer conhecer o sub-gênero. Nesse sentido, o desafio aqui segue a pegada leve que permeia todo o game. Gostaria de destacar as batalhas contra os chefes que são inteligentes e divertidas.
Um jogo cômico e irreverente
Kunai brinca com uma temática muito retratada na cultura pop: a dominação do mundo pelas máquinas. Os robôs aqui, no entanto, são retratados como uma extensão caricata dos seres humanos e o jogo aborda isso de um jeito cômico e irreverente. As piadinhas são impagáveis! Uma pena o jogo não estar localizado para o nosso idioma. O game nos passa um bom senso de progressão somado a controles ágeis, gráficos estilosos e um desafio leve. Salvo tudo isso, não é sempre que podemos controlar um robô com cabeça de tablet, desferindo espadadas, tacando shurikens nos inimigos e se balançando pelo cenário com Kunais, tal qual um Ninja. Como não pensaram nisso antes, gente?!
Esta review foi feita com uma cópia de Switch cedida pelos produtores
Revisão: Bia Bock