O medo é um conceito abstrato e não é fácil fazer com que ele se manifeste de forma competente uma mídia visual como o videogame. Assim, os clichês do jumpscare – sustos fáceis baseados em coisas saltando na tela e sons inesperados – proliferaram. Contudo, a Frogwares consegue potencializar seus acertos narrativos ao explorar alguns dos recursos disponíveis na versão otimizada de The Sinking City para PS5.
Desenvolvimento: Frogwares
Distribuição: Frogwares
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Aventura, Terror
Classificação: 18 anos
Português: Legendas e interface
Plataforma: PS5
Duração: 19 horas (campanha)/31.5 horas (100%)
Tentáculos do medo
Lançado originalmente em março de 2019, o título que mistura Survival Horror a investigação poderia ser apenas mais uma adaptação inspirada na mitologia de H.P. Lovecraft. Porém, a aventura do detetive Charles Reed se separa das demais ao usar não só o mito, mas também seu criador como pano de fundo.
A história do atormentado detetive particular é rodeada pelos tentáculos dos deuses antigos adormecidos nas profundezas do oceano como esperado. Mas, o jogo lembra que Lovecraft era um grande escritor, mas também um grande racista. Dentro do jogo, é o medo do desconhecido e diferente que impacta a aventura do protagonista.
Isso se manifesta tanto nas peculiaridades da fictícia Oakmont como em quão diferentes seus habitantes são uns dos outros e do resto do mundo. Assolada por uma “Inundação” misteriosa, a cidade fictícia é tomada por segredos e personagens híbridos de animais e humanos.
Enquanto procura uma resposta para suas alucinações e “poderes” nesse cenário, o herói tem sua sanidade constantemente desafiada. Para dar um toque único à narrativa, a Frogwares usa o racismo do escritor para permear a trama. Ancorada em questões de machismo, xenofobia e eugenia, a narrativa coloca o detetive para tirar suas próprias conclusões.
O terror em suas mãos
É verdade que The Sinking City tem defeitos e eles continuam presentes nessa versão. O combate do jogo ainda é um de seus pontos baixos muito por conta da falta de fluidez nos movimentos do protagonista. Isso acaba levando a saltos de dificuldade extremos na maioria dos encontros hostis, em especial aqueles paralelos à história principal – que podem ser ignorados.
Por outro lado, é possível argumentar que é assim que deve ser. Afinal, nenhum humano seria capaz de sobreviver depois de cruzar o caminho de uma entidade saída das profundezas. Para todos os efeitos, a experiência fica ligeiramente mais interessante graças à inclusão das respostas hápticas do controle Dual Sense na otimização para PS5.
Pode parecer algo pequeno, mas imagine que uma criatura capaz de matar com poucos golpes avança em sua direção. Você saca a arma, tenta mirar com sua sanidade já abalada e a tela ficando turva. Finalmente, leva o dedo ao gatilho do controle, mas sente que, em vez de simplesmente ceder de forma macia sob seu dedo, ele oferece resistência. É quase como uma arma real e, no frenesi do combate, isso deixa tudo ainda mais assustador.
Além disso, a vibração localizada alinhada de forma cuidadosa aos sons e efeitos de cada cenário também melhoram a ambientação. Consequentemente, a imersão do jogador em cada situação que Oakmont e os deuses das profundezas lançam sobre o detetive é bastante ampliada.
Um ótimo exemplo são os eventuais mergulhos no oceano em busca de cultos e pistas submersas. Nessas situações – muito bem escritas pela desenvolvedora -, os pequenos detalhes acrescentados com a otimização saltam ao primeiro plano. A sensação é de que uma camada extra de terror cai sobre o jogo enquanto sombras e seres rondam a escuridão.
Focado nos detalhes
Tudo isso, no entanto, de certo modo reforça o fato de que The Sinking City pode ser um jogo monótono. É verdade que as peculiaridades possibilitadas pelo PS5 melhoram a interação com o jogador. No entanto, elas também evidenciam como a faceta de Survival Horror é levada ao pé da letra.
Os recursos como munição, medicamentos e itens de criação continuam escassos. Assim, resta a Reed evitar o combate ao máximo e se debruçar sobre a investigação de cada novo mistério que cai em seu colo. Isso pode se tornar cansativo, especialmente diante do fato de que as deduções feitas pelo protagonista não causam mudanças muito perceptivas no enredo.
Beleza no horror
Como consolo, vale ressaltar que os tempos de carregamento também foram severamente reduzidos, tomando pouco tempo entre uma área e outra. Além disso, chama atenção como The Sinking City – que já era bastante bonito em sua versão original – tem visual digno dos jogos “triplo A”.
Especialmente durante os diálogos – que usam enquadramentos cinematográficos -, é impressionante reparar como a chuva afeta os modelos. Elemento constante na aventura, ela resulta em gotas d’água escorrendo pelo colarinho da camisa de Reed de forma orgânica, por exemplo.
Outro detalhe é que as texturas de primeiro plano parecem ter recebido um tratamento especial. Isso faz com que mesmo assistir aos diálogos seja interessante para o jogador embora a ordem das perguntas não mude muita coisa.
No fim, o trabalho apresentado pela Frogwares nesse ponto é tão competente que as cinematics – cenas de computação gráfica sem interação do jogador – acabam ofuscadas. De alguma forma, os modelos dos personagens estão tão mais vivos – e detalhados -, que as pequenas intervenções puramente narrativas perdem o interesse.
Cthulhu como deve ser
No fim, essa versão de The Sinking City reafirma a desenvolvedora como uma ótima criadora de jogos de investigação. Não por acaso, seu currículo traz vários títulos inspirados no icônico Sherlock Holmes. Indo além, ela serve para mostrar que a Frogwares está pronta para seguir com seus projetos na nova geração de consoles.
Ver algumas das novas funcionalidades disponíveis sendo aproveitas para aumentar ainda mais a imersão do jogador é bastante animador. Assim, se você ainda não vivenciou o horror cósmico supremo na pele do detetive Charles Reed, ligue seu PS5 e deixe os tentáculos do medo te envolverem.
Cópia de PS5 cedida pelos produtores
Revisão: Jason Ming Hong