A curiosa oitava geração de consoles 

Já estamos no meio da nona geração de consoles de videogames, que conta com Xbox Series X|S, PlayStation 5 e o recente Nintendo Switch 2, e como o tempo voa, não é? Mas ainda vemos um número considerável de games saindo para a geração anterior a esta, em especial para os consoles da Sony e Nintendo. Eles teimam em não descansar, afinal, essa geração foi um marco para todos, trazendo mudanças que jamais imaginaríamos.

Um fracasso retumbante da Nintendo

No primeiro olhar já causava estranheza

A oitava geração de consoles começou pela Nintendo, com o Wii U lançado no final de 2012, sucessor do bem-sucedido Wii da geração anterior. Aliás, era mais do que isso: a Nintendo tinha acabado de vencer uma geração de consoles – algo que não acontecia desde a sexta geração.

O Wii U, então, queimou a largada, chegando um ano antes dos consoles da concorrência. Era de se imaginar que ele teria tempo de sobra para ganhar terreno, sim? Na teoria, sim, mas na prática, foi o inverso. O Wii U já de cara trouxe um problema em seu nome, que confundia bastante o público casual – parecia que era algum tipo de acessório ou uma versão mais potente do Wii, e não um console totalmente novo.

Franquias estabelecidas não foram suficientes.
Franquias estabelecidas não foram o bastante

Além disso, o Wii U não era muito mais potente que o Xbox 360 e PS3. Quando o Xbox One e o PS4 chegaram com seus jogos cinematográficos e gráficos de cair o queixo, a Nintendo se viu com um videogame datado que ainda rodava a 720p na maioria dos jogos e que as pessoas nem entendiam direito seu principal conceito: uma segunda tela estilo tablet embutida no controle do aparelho. Outro ponto foi a demora para ter seus jogos de franquias mais importantes logo no lançamento, sendo substituídos por ports da geração passada. 

Agora, junte todas essas questões e temos um fracasso que deixou a casa do Mario em maus lençóis – a empresa já não estava vendendo tão bem nos portáteis, com o 3DS. Resultado? Acabamos vendo alguns jogos da Nintendo em celulares, até os medalhões como Mario, Mario Kart e Pokémon. A Nintendo lançando algo fora da sua plataforma para conseguir uma renda extra foi a assinatura de atestado de óbito –  ou, ao menos, um sinal de que ela estava respirando por aparelhos.

Em janeiro de 2017, o Wii U foi oficialmente descontinuado, vendendo pouco mais de 13 milhões de unidades – tornando-se o console de mesa menos vendido da história da empresa. Para se ter uma ideia, o Wii havia vendido 101 milhões. A queda foi brutal. Muitos acreditavam que a Nintendo iria à falência, mas mal sabíamos que ela preparava uma volta por cima nunca antes vista no mundo dos games. A oitava geração, de fato, foi uma caixinha de surpresas.

Quando a Microsoft teve que reconstruir a marca Xbox

Xbox One

TV… TV… TV…

Em maio de 2013, foi revelado o sucessor do Xbox 360 – este que havia sido o maior sucesso da Microsoft nos consoles até então. Era fácil imaginar que a empresa estava em uma posição confortável naquela geração. A revelação ocorreu na antiga E3, num evento apresentado por Don Mattrick, CEO da divisão de videogames da Microsoft na ocasião. E essa se tornou uma das apresentações mais controversas já feitas para anunciar um console.

Don Mattrick enfatizou as funcionalidades multimídia do novo Xbox, como o acesso à TV, a impossibilidade de emprestar discos físicos e a exigência de conexão constante com o Kinect 2.0 e com a internet. Sem essas duas últimas funcionalidades, o videogame simplesmente não funcionava. Quando Mattrick foi questionado sobre o que fariam os jogadores que não quisessem ou não pudessem usar internet, respondeu que esse público poderia continuar no Xbox 360. Para completar, o console custaria 100 dólares a mais que o PS4. Essa sequência de declarações foi quase fatal à marca, que sofreu duras críticas. No mês seguinte, Don Mattrick foi demitido.

A marca Xbox sentiu que havia feito um péssimo marketing e correu para desfazer quase todas as ações criticadas, menos uma: o Kinect continuava sendo vendido junto com o console. Essa arrancada mais cara do lado verde da força foi crucial para a Sony vender muito mais que seu concorrente. Só em meados de 2014 a Microsoft começou a vender unidades do Xbox One sem o Kinect, em um preço mais competitivo.

Reconstrução da marca.
Reconstrução da marca.

No mesmo ano de 2014, uma figura emblemática assumiu o comando da divisão Xbox: Phil Spencer, e com ele, muitas mudanças iriam ocorrer não só no console Xbox, mas na marca como um todo. Diferente da postura muitas vezes arrogante de Don Mattrick, Phil esbanjava carisma trazendo novidades que agregavam ao console.

Uma novidade bem-vinda foi a retrocompatibilidade, que começou em 2015 com jogos do Xbox 360 e, mais tarde, com títulos do primeiro Xbox. Em 2016, a marca passou a mirar também os computadores, lançando Quantum Break no PC no mesmo dia que no console – algo que se estenderia aos demais jogos da empresa. Console e PC começaram a andar juntos, o que gerou reações mistas.

Sim, você já viu esse frame inúmeras meses na internet.
Sim, você já viu esse frame várias vezes por aí

A empresa também lançou uma versão mais parruda do Xbox One, batizada como Xbox One X – era como se tivéssemos um console de “meio de geração”, que rodava melhor os games do console base. Mesmo com corte de preço, retrocompatibilidade e outras medidas, o Xbox One não conseguiu acompanhar as vendas de seu rival PS4.  Devido a isso, a empresa parou de divulgar relatórios de vendas e, em 2017, fez seu maior ato que mudaria para sempre o mundo dos videogames: o lançamento do Game Pass – você paga uma assinatura para jogar os games disponíveis em um catálogo.

Curiosamente, sob Phil Spencer, a Microsoft não buscava apenas “virar o jogo”, mas revolucionar o mercado de games. Sabiam que estavam atrás em vendas de consoles, mas queriam crescer de outras formas: o console seria apenas uma parte, não o todo. Em 2019, veio o Xbox Cloud Gaming, permitindo jogar via nuvem. A ideia não era totalmente nova (o PlayStation Now, serviço de streaming de jogos da Sony, já existia nos EUA), mas a Microsoft levou o conceito a outro patamar.

Agora com os jogos podendo até ser jogados na nuvem, o céu era o limite para a marca que, em seus esforços para mudar o jogo (desculpe o trocadilho), conseguiu mudar a maneira como consumimos videogames e que suas inovações seriam copiadas por várias empresas, principalmente sua rival direta: Sony.

A Sony aprendeu com os erros e fez história de novo

PS4

Desde que apareceu no mercado de videogames, a Sony havia emplacado duas gerações seguidas de consoles, ficando em primeiro lugar. Porém, a gigante caiu do cavalo com seu PS3 e não queria cometer os mesmos erros no PS4.

E realmente, foi uma geração tranquila para a empresa japonesa, que soube aproveitar os erros da concorrência. A Sony chegou até a fazer um simples vídeo mostrando como emprestar jogos físicos – uma resposta direta e debochada à Microsoft. Foi um tapa com luva de pelica.

Bons jogos com orçamentos cinematográficos dominaram a geração, ajudando o console a vender cada vez mais. Também houve muitos remasters, criticados por alguns, que diziam que, se o console tivesse retrocompatibilidade como o Xbox, eles não seriam necessários. Mas essas críticas foram abafadas pelos grandes lançamentos, que marcaram toda uma geração.

Novas e reformuladas franquias

Um ano antes do próprio Xbox, a Sony apresentou seu console de “meia geração” intitulado PS4 Pro. que prometia rodar os mesmos jogos em resoluções mais altas, chegando até a 4K em alguns títulos.

Se em 2019 a Microsoft levava seus jogos para todos os lugares, inclusive via cloud, a Sony, em 2020, surpreendeu ao portar Horizon Zero Dawn para o PC – algo impensável para a maioria do público, até então. Afinal, a empresa estava vendendo consoles “feito água”, diferente do Xbox

Outras ideias da Microsoft, como a retrocompatibilidade e o serviço de assinatura semelhante ao Game Pass, só foram implementadas na geração seguinte, com o PS5. Ainda assim, é curioso ver a influência que uma marca, mesmo em último lugar em vendas, exerceu sobre a concorrência.

A Nintendo renascendo das cinzas 

Um console híbrido

Diferente do que ocorreu com as outras empresas, que entregaram versões aprimoradas dos seus consoles que rodavam os mesmos jogos com qualidade técnica superior, a Nintendo não tinha o que perder e apostou em um novo videogame ainda na mesma geração do Wii U – os vazamentos inicialmente o chamaram de NX.

O projeto foi anunciado oficialmente em outubro de 2016. O Nintendo Switch surgiu em uma propaganda didática, mostrando como o jogador poderia usá-lo no dia a dia: jogando em qualquer lugar, sozinho ou com amigos, usando os controles destacáveis (Joy-Cons). E, ao chegar em casa, bastava encaixá-lo na base para jogar na TV.

O Switch foi lançado apenas dois meses depois da descontinuação do Wii U, agora com a ideia de uma segunda tela que fazia mais sentido para os jogadores. Também apostava em um novo Zelda e um Mario 3D – ambos com mundo aberto que foram mostrados em seu comercial de revelação.

Switch foi a virada de chave para a indústria

A ideia de um console híbrido chamou muita atenção, e os jogadores abraçaram a proposta. O Switch ainda ganhou uma versão com uma tela OLED no modo portátil e uma versão Lite, totalmente portátil, em 2019. Como resultado, temos o segundo console mais vendido de toda a história, com 153,1 milhões de unidades vendidas até o dia 1 de agosto de 2025 e com uma diferença de menos de 7 milhões para o PlayStation 2 – número que tem grandes chances de ser batido em breve.

O Nintendo Switch é um marco sem igual no mundo dos games e ainda tem fôlego para alcançar números maiores, já que continua sendo fabricado e recebendo jogos, mesmo com o Switch 2 no mercado. Um debate recorrente é sobre a qual geração ele pertence, mas a resposta da própria Nintendo é simples: ela não liga para isso. A empresa está desprendida do conceito de gerações e faz a sua própria.

Mais uma vez, a Nintendo consegue ter o console mais vendido comparado aos seus concorrentes, mesmo com um hardware menos robusto – não vamos esquecer que seus concorrentes diretos eram o Xbox One e PS4.  E sua influência foi além dos consoles tradicionais, já que influenciou até pc gamers portáteis como Steam Deck e ROG Ally, criando uma nova onda de portáteis que haviam sido estigmatizados apenas aos smartphones.

Uma geração em que todos tiveram que agir fora da caixinha

Cada uma foi para um lado e guerra de consoles estava enfraquecendo

É curioso pensar que nessa geração, as três empresas se tornaram multiplataforma em algum momento. A ideia de uma “Netflix dos games”, a retrocompatibilidade com duas ou mais gerações, jogos via streaming sem instalação, dois consoles de mesa na mesma geração e versões “pro” – tudo isso parecia impensável antes. Também houve tentativas frustradas de outras empresas que quiseram entrar nesse universo, mas falharam miseravelmente, como a Valve, com a Steam Machine, e o Ouya.

Em resumo, a oitava geração de consoles mudou significativamente toda uma indústria. E é natural que, depois de tantas transformações, a nona geração volte a focar no básico: hardwares mais potentes. Mas será que já chegamos a um ponto em que não dá mais para criar novas tecnologias, e sim apenas aprimorá-las? Fica o questionamento.

Revisão: Júlio Pinheiro