Dificuldade nos videogames é um tema polêmico, digno até de um podcast inteiro sobre (que você pode ouvir clicando aqui). Existem diversos estilos adotados pelos desenvolvedores, cada um para um propósito específico que o designer ache que dará a melhor experiência possível ao jogador.
Temos dois modos muito comuns, a primeira é aquela clássica tela de seleção de dificuldade entre ‘Fácil’, ‘Médio’ e ‘Difícil’, e a gente meio que sabe o que esperar ao escolher uma delas.
Alguns jogos indicam a experiência ideal, como Halo que oferece a opção “Heroico” como um padrão.
Porém as vezes escolher a opção errada no começo pode atrapalhar toda a experiência do jogador, que pode achar o jogo fácil demais, ou difícil demais dependendo da sua habilidade ou familiaridade com as mecânicas propostas.
O outro meio comum é o jogo que não tem escolha de dificuldade, e a experiência é a “ideal” escolhida pelo desenvolvedor, muito comum na série Super Mario, e muito famosa no gênero “Souls”, de jogos que, assim como Dark Souls, exigem muita habilidade do jogador em títulos considerados bem difíceis pela comunidade.
Esses games geralmente oferecem opções de diferentes modos extras, como Mario Odyssey, por exemplo, que possui uma nova série de desafios mais complexos ao fim da campanha principal.
Agora um estilo de dificuldade não muito falado é também um que tem o poder de criar experiências muito mais interessantes para o jogador, e as vezes é até utilizado em conjunto com os estilos que citei acima: o “Dynamic Difficulty Adjustment” (DDA) ou Ajuste de Dificuldade Dinâmico.
Resumidamente é um método de game design que modifica os recursos do jogo, comportamentos e cenários em tempo real dependendo da habilidade do jogador. A ideia por trás disso é que você nunca se sinta muito entediado caso a jogabilidade esteja muito fácil, nem muito frustrado caso o jogo seja muito difícil.
Nos últimos anos o título que ficou mais famoso por utilizar a dificuldade dinâmica dentro da indústria foi o clássico Resident Evil 4, lançado originalmente no Game Cube. Toda a produção de inimigos, cenários e desafios se baseia em ajustar o jogo para servir à habilidade de quem está jogando, aliviando em momentos de tensão e complicando em momentos de alívio.
Por exemplo, Dark Souls trabalha com a frustração do jogador, colocando obstáculos que exigem muito da habilidade do mesmo com as mecânicas propostas. Você tenta, tenta e tenta de novo até uma hora conseguir passar aquele desafio ou desistir.
Resident Evil 4 por outro lado começa a criar situações que vão facilitar o jogo pra você, como aumentar o tempo entre ataques dos inimigos ou colocar mais munição nos cenários.
Resident Evil 4 se adapta ao jogador, calculando durante toda a jogatina sua porcentagem de tiros certeiros, munição gasta, dano tomado, tudo enquanto molda sua experiência. Quanto mais você acerta, mais os inimigos vão, aos poucos, se tornando mais rápidos e certeiros nos ataques. O jogo passa a fornecer munição e dinheiro em menor quantidade, tudo pra deixar a aventura mais desafiadora até para o jogador mais experiente.
Logo o oposto acontece quando o jogador possui menos habilidades, com inimigos que demoram mais para atacar, algumas áreas até os apresentam em menor quantidade e os itens são encontrados em maior escala e qualidade, tudo para equilibrar a jogatina e manter até jogadores casuais se divertindo e familiarizando melhor com as mecânicas.
Considero o Ajuste de Dificuldade Dinâmico uma das formas mais efetivas de tornar o jogo mais acessível para um número maior de jogadores. RE4 nem é o único exemplo, existem jogos que muita gente provavelmente nem sabia que isso também acontecia, como Crash Bandicoot, onde morrer muitas vezes faz inimigos e plataformas andarem mais devagar.
Ou jogos de esporte que vão modificando a inteligência, acerto ou erro das jogadas do oponente (e da sua própria equipe) conforme o seu desempenho ao longo das partidas.
Left 4 Dead usa o mesmo sistema para controlar o nível das ameaças e quantidades de zumbis por horda.
O bem conhecido Mario Kart dá itens melhores para quem está nas últimas posições, e ainda melhores para quem está apanhando muito.
Mas não é algo recente, os “jogos de navinha” de fliperama também utilizavam estatísticas sobre erros e acertos do jogador para dificultar ou facilitar o jogo, incentivando a gastar mais fichas.
Além de poder criar jogos únicos completamente baseados na dinâmica, Shinji Mikami, o diretor de Resident Evil 4, criou algo inteiro baseado nisso, o God Hand, o qual apresenta um medidor que constantemente regula a inteligência e força de todos os oponentes.
O medidor tem 4 níveis, que vai aumentando quando o jogador desvia de muitos ataques e cai quando ele leva dano. Em cima disso o jogo apresenta os 3 níveis tradicionais de dificuldade, onde no “fácil” você só pode chegar até o 2º nível do medidor, e o nível mais difícil permite que você possa acessar o 4º nível do mesmo.
Em suma, Ajuste de Dificuldade Dinâmico propõe a criação de um jogo mais “justo”, que se adapta a quem está jogando tornando a experiência tanto mais única para cada jogador quanto divertida. Mas agora você pode estar se perguntando o porquê de isso não ser mais comum e usado em mais títulos, não é mesmo?
Na verdade a explicação é fácil, criar um jogo por si só é uma tarefa difícil, exige meses de programação e testes, agora fazer algo meio imprevisível que calcula dados do jogador para modificar toda sua dinâmica, dificuldade e fases em tempo real é mais difícil ainda, por isso só costumamos ver essas mecânicas em jogos AAA, e não acho que deva mudar muito.
A verdade é que por anos os designers tentam pensar em diferentes modos de trazer o melhor jogo para o público, mas todos eles tem sua própria visão deste “melhor”.
Hoje quis focar em Dificuldade Dinâmica por ser um tópico pouco falado e muito interessante do game design, porém as formas desafiadoras de jogos como Dark Souls, ou a experiência pura da mente dos desenvolvedores como Mario Odyssey são tão válidas e importantes quanto.
Por mais que o “ajuste” na dificuldade tente tornar o jogo acessível a todos, nada é feito para todo mundo, e não tem nada errado da pessoa gostar do universo de um game mas não conseguir jogar, não acho que devemos tentar fazer um sapato que encaixe em todos os pés, mas sim fazer vários sapatos e vários tamanhos e cores para a grande variedade de pessoas e gostos.
Claro que não cheguei ao fim do debate sobre dificuldade nos games, mas espero ter aberto mais o leque de variedades de opções disponíveis para conhecer.