A Bruxa de Blair é um marco da história do cinema de horror moderno, sendo o primeiro grande sucesso do chamado gênero “found footage” ou “filmagem encontrada”, onde o filme finge que o que você está vendo na tela realmente aconteceu. O estilo foi único na época e criou uma legião de fãs, sequências e, claro, video games.
Recentemente, a desenvolvedora Bloober Team, responsável por sucessos como Observer e Layers of Fear, conseguiu pôr as mãos na licença de Blair Witch e decidiu trazer a bruxa de volta para nos assombrar. Esse ano o jogo recebeu uma versão para o switch, mas será que vale a pena levar essa tenebrosa aventura junto com você?
Desenvolvimento: Bloober Team
Distribuição: Lionsgate Games
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Aventura, Terror
Classificação indicativa: 16 Anos
Português: Legendas e interface
Plataformas: PlayStation 4, Switch, Xbox One, PC
Duração: 5 Horas (campanha)/ 6 horas (100%)
O que eu faria?
Desde quando o jogo foi anunciado uma das coisas que mais me animou foi realmente poder andar pela floresta por mim mesmo, e descobrir como eu me sentiria nessa situação de ser perseguido por forças sombrias. Isso pois os videogames tem esse poder mágico de nos transportar para outro lugar e fazer sentir novas sensações.
Para mim, um jogo de terror é como qualquer outro, precisa conseguir me desafiar de uma forma interessante e fazer sentir algo, nesse caso calafrios, e em tal aspecto Blair Witch é bem competente.
Perdido na floresta
O jogo se passa em 1996, dois anos após o filme original, e controlamos Ellis Lynch, um ex-policial que possui um passado – e presente – problemático, onde fez muita coisa errada que atingiu muita gente, e por isso sofre de estresse pós traumático, mas agora tem uma nova companhia, a grande estrela do jogo, o cachorro Bullet.
Ellis une à uma equipe de busca por um garoto de 9 anos – que desapareceu na mesma floresta de Burkittsville na qual o filme original se passa – para tentar se redimir dos seus pecados. Com essa premissa o jogador, que é o último a chegar para iniciar a busca, entra na floresta munido de uma lanterna, um celular antigo, por onde vai receber ligações de personagens interessantes para a história, um walkie talkie, por onde se comunica com os outros policiais e uma mochila, para onde vão itens que encontramos durante o jogo.
Fora a localidade e o “vilão”, não tem muito em comum com a história do filme, ninguém além do Ellis possui uma história pregressa ao jogo. Mas, pra ser sincero a Bloober Team conseguiu criar uma narrativa muito bem amarrada, mesmo com essa premissa super simples o jogo vai contando a história aos pouquinhos, dando flashbacks e as já citadas chamadas telefônicas com outros personagens detalhando tanto o que aconteceu com o garoto, como o que houve no passado de Ellis e como tudo está conectado.
Já vale adiantar que muitas coisas referentes a esse passado são temas bem pesados, mas é o que diferencia esse jogo de um título genérico que pega a IP de um filme famoso, infelizmente dizer mais do que isso vai estragar as viradas da trama que são guardadas para os momentos finais de tensão do jogo.
A campanha é bem curta, é possível terminar em mais ou menos umas 6 horas, mesmo na primeira partida, e a maior parte desse tempo vai ser só andando pela floresta. O jogo ainda apresenta três finais alternativos um pouco diferentes um do outro dependendo de algumas escolhas ao longo dos capítulos, o famoso “final bom” e o “final ruim”, este último que pode apresenta algumas variações, e um final extra após a segunda gameplay.
Menos é mais?
No geral a jogabilidade apresentada aqui é bem “ok”, o jogo é bem simples e parecido com o que o estúdio já fez em Layers of Fear, controlamos o personagem em primeira pessoa, exploramos cenários, e selecionamos itens para resolver alguns puzzles.
O jogo apresenta 17 capítulos – mas não são divididos – e cada um apresenta seu próprio estilo, alguns são lineares apenas para pegar itens da história, outros apresentam algum “combate” com um espírito na floresta, onde é preciso apenas jogar a luz da lanterna nele, como um “Alan Wake Light”, nada muito elaborado.
Outros momentos possuem puzzles para resolver, como abrir cadeados, ligar geradores de energia ou encontrar itens, e indo para a segunda metade do jogo todos esses elementos começam a aparecer intercalados, mas como já citei, na maioria deles você ficará um bom tempo apenas andando, o que já deve afastar quem não gosta muito desse tipo de coisa nos jogos.
Infelizmente minha empolgação original por “explorar a floresta” acabou caindo por terra rapidamente, o jogo apresenta apenas poucos corredores que se cruzam, e algumas áreas pequenas para se explorar. Um capítulo específico melhora um pouco as coisas colocando uma área onde é necessário andar por uma antiga ferrovia entre 3 lugares diferentes, mas a grande maioria das áreas é linear, apresentando os chamados “set pieces”, aquelas sequências elaboradas que querem trazer mais medo ao jogador em lugares “controlados” pelos designers, uma sábia escolha para um jogo menor como esse, já que é geralmente difícil criar atmosfera de terror constante no jogador só com os famosos “jump scares”, aqueles momentos onde algo “pula” para tentar te assustar, coisa que felizmente acontece pouco por aqui.
Alguns elementos são mais interessantes, como o celular, é sempre possível checar por sinal, tentar ligar para alguém, como a pizzaria ou sua ex-namorada (a qual Ellis quer reconquistar), e até jogar Snake. Ou o walkie talkie onde abrimos mais conversas dos outros policiais para mais elementos de história. Durante o jogo também é da escolha do jogador atender ou não algumas ligações, o que não muda em muita coisa no geral, mas Blair Witch possui duas coisas que quase salvam o jogo do marasmo: Bullet, e a filmadora.
O melhor amigo do homem
O parceira de Ellis, o cão Bullet, possui grande importância tanto na narrativa quanto no gameplay, na verdade ela é seu mapa pela floresta, guiando o jogador para o próximo objetivo. É possível dar ordens como deixar ela perto, ou sair para procurar algo, dar uma comida, fazer carinho ou brigar com o cão.
O modo com o qual você cuida de Bullet interfere em alguns momentos do jogo e, principalmente, na história. Durante confrontos com espíritos você deve sempre olhar para onde Bullet está latindo, pois será a posição do inimigo, porém deixar ele sozinho muito tempo pode deixar ele com medo de te ajudar às vezes.
Sorria você está sendo filmado
Outra coisa interessante é a filmadora, durante a aventura vamos encontrando fitas que mostram coisas que aconteceram na floresta.
Com a câmera é possível ativar uma visão noturna para explorar algumas partes específicas do jogo, mas sua principal função é mudar elementos do cenário, ao ver as fitas conseguimos trazer coisas que estão nela de volta para o tempo atual, como abrir um caminho onde uma árvore caiu, abrir uma porta trancada.
Por mais que as mecânicas introduzidas sejam interessantes, elas só são usadas quando o jogo quer, sem muita área aberta para “brincar” com elas, tudo, assim como os cenários, é bem limitado. Blair Witch consegue criar com seus cenários e trilha sonora – principalmente ao apresentar sons em 360º – uma atmosfera bem legal de suspense, e por mais que acabe usando jumpscare aqui e acolá, cumpre seu papel de manter o jogador fora da sua zona de controle durante boa parte do tempo.
Quanto menor o console, maior a queda
Pois bem, acho que consegui dar um panorama bem grande sobre tudo o que o jogo tenta trazer, historia clichê porém bacana, atmosfera de terror ok, aquele típico jogo pra passar na prova e até ser recomendado para quem procura algo simples e de terror pra passar o tempo e não ligue para longas sessões de caminhada.
Porém, além de todos os defeitos já citados, é impossível não detalhar como a versão para Nintendo Switch é um port horroroso. É óbvio que os gráficos seriam diminuídos, isso é comum nesses ports, concessões precisam ser feitas. Jogando na TV – a primeira vista – os cenários até são bem ok, porém é só começar a se movimentar que encontramos problemas, o jogo não consegue manter uma boa consistência de quadros por segundo, sempre dando aquela famosa “travadinha” ao mexer a câmera ou ao entrar em alguma sessão onde muita coisa está acontecendo.
Quer jogar em modo portátil? Pois prepare-se para um dos maiores downgrades gráficos que você já encontrou na vida, todas as árvores e qualquer outro elemento se transforma em uma mistura de pixels em um borrão onde nem dá pra saber onde você está indo direito. A cada passo é possível ver os elementos do cenário “brotando” na sua frente como um jogo de mundo aberto na era Playstation 2.
Para enxergar o cachorro e poder seguir com o jogo eu fui obrigado a selecionar a coleira mais colorida, para que ele sempre se destacasse no cenário, e mesmo com isso é praticamente impossível enxergar para onde o Bullet está olhando nas sessões de combate. Nesses momentos é aplicado um efeito de borrão na tela, que se une ao efeito de borrão dos cenários, e é aí que não dá pra ver nada mesmo.
Me ajuda aqui produção!
Sem contar com os problemas técnicos que permeiam a versão de Switch, por duas vezes o jogo simplesmente travou quando eu estava jogando em modo portátil, coloquei o console em modo sleep, e tentei retornar do ponto onde estava. Não conseguia mais selecionar nada no menu, me obrigando a fechar e abrir o jogo novamente.
Também encontrei problemas de gameplay que não tinha visto na versão de PC, como o Bullet não conseguindo seguir corretamente o caminho e parando várias vezes.
Terror de Sexta à noite na TV
Blair Witch é um jogo que, no geral, cumpre o que promete, apresentando muitos elementos interessantes e agradando tanto quem gosta do filme, quanto quem está acostumado a jogar jogos de terror indie de hoje em dia. O suspense é competente, e como todo filme de terror decente, coloca tensão e claustrofobia no seu terceiro ato para fechar bem.
Porém durante a maior parte do tempo é um jogo de enrolação, com muita caminhada, não conseguindo usar seus elementos de de uma forma mais impactante, como a filmadora e a floresta em si. Os desafios super simples e os graves problemas apresentados na versão Switch realmente quebram essa experiência que poderia ser ótima, é o típico filme de terror nas noites do SBT com uma premissa interessante mas que terminam com você refletindo se valeu a pena ficar acordado até tão tarde.
Esta review foi feita usando uma cópia de Switch cedida pelos produtores
Revisão: Samuel Leão