Sempre fui extremamente fã de jogos de RPG como os da Square Enix. Ainda hoje, felizmente, temos jogos de RPG em turno feitos por empresas, em sua maioria indie, que funcionam muito bem se a ideia for bem executada e trouxer aspectos minimamente modernos que compactuem com o ritmo do jogador dos últimos anos. O quanto Legrand Legacy consegue se destacar neste gênero já não tão visto atualmente?
Ano: 2019
Jogadores: 1
Gênero: RPG, Aventura
Classificação indicativa: 14 anos
Português: Não
Plataformas: PC, PS4, Xbox One e Switch
Duração: 40 horas
Saudades dos anos 90
O jogo me remete muito a Chrono Cross por causa do seu estilo de batalha, câmeras fixas e cenários pré-renderizados. Entretanto o carisma dos personagens fica devendo um pouco por não se preocupar tanto em aprofundar suas personalidades ou história, o que deixa um aspecto de genérico para todos os envolvidos. Isso reforça mais na questão do perfil de cada um, e Legrand Legacy resolve optar pelo clichê do herói guerreiro com uma espada, uma garota com arco, um mago, uma curandeira, um ladrão, etc. A história é bem contada de supetão na maioria do tempo, e demora pra você sacar o que realmente está acontecendo de início, enquanto isso seu protagonista fica atrás de missões quaisquer e vira um pau mandado. Isso se dá pelo fato de que seu personagem é um escravo e teve a memória perdida, mas quem está tão perdido inicialmente quanto o protagonista é o jogador.
Felizmente Legrand Legacy acerta em alguns pontos importantes quando se trata de jogabilidade. Por mais que o Nintendo Switch tenha a função de dormir para continuar depois exatamente de onde você parou na jogatina, é importante ter uma forma de salva a qualquer momento, e nesse quesito o jogo soube se colocar no lugar de quem está jogando e implementou o save em (quase) qualquer momento do jogo – restrito às áreas sem inimigos. Apesar desse acerto importante, as batalhas pecam por não disponibilizar um modo acelerado, o que torna tudo um pouco mais lento. E não venha me dizer que isso estragaria a experiência do jogador, porque ninguém é obrigado a manter ativo tal recurso.
A decisão é até compreensível por conta da interação que temos que fazer a cada ação do personagem (não obrigatória), a qual serve para calcular o dano final de cada um através de um quick time event que exige precisão e oferece 3 níveis de potência do seu ataque. Uma técnica boa de game design para não deixar a batalha monótona, visto que é um RPG de turno, mas é algo que se torna facilmente cansativo com o passar do tempo se mal implementado. Ao menos podemos desligar este recurso e manter os combates menos interativos, porém a experiência adquirida com as batalhas serão sempre em valores menores. No mais, temos a exploração no “mapa múndi” que vai recebendo novas áreas conforme avanço no jogo e personagens que vivem entrando e saindo de sua equipe. As trilhas sonoras são competentes, mas um pouco enjoativas em certos cenários. Nas batalhas considero que podiam ter criado mais faixas para serem tocadas, em vez disso a escolha foi repetir as poucas músicas contidas durante os encontros.
Características do jogo
Não existe como você alterar o equipamento de seus personagens como na maioria dos jogos do gênero, pois a forma aqui utilizada é por meio de uma compra no ferreiro, então o item é equipado em seguida apenas ali. Sobre as habilidades, é possível de se aumentar atributos dos personagens através do avanço de level para desbloquear novos golpes, além de equipar itens consumíveis nos personagens para que sejam usados nas batalhas (precisa equipar). Também durante os turnos a coisa acontece de uma forma que não estamos acostumados, sendo possível um inimigo te interromper enquanto sua equipe o ataca – e você pode fazer o mesmo com ele. Vejo isso como conceito mais dinâmico e deveras interessante por agilizar um pouco as lutas e não obrigar o jogador a assistir o turno de todos os inimigos. Além disso, todos os personagens atacam seguidamente, não sendo necessário esperar o movimento de cada um. Outro ponto é a formação da equipe durante uma batalha, onde você pode escolher quem ficará na linha de frente ou na retaguarda para evitar danos – estratégia interessante.
Fora as missões principais, também temos as famosas side quests (missões secundárias), sendo algumas necessárias para a progressão em certos momentos da história ou de alguns cenários. Algumas são bacanas, outras são desperdício de tempo, fica sendo uma faca de dois gumes. Você pode acompanhar facilmente a missão principal apertando o botão L, enquanto o restante das missões já aceitas são visualizadas abrindo o menu com X (no Switch). Ah, você odeia encontros aleatórios? Ufa, o jogo mostra exatamente onde os inimigos estão e você os confronta se encostar neles – maravilhoso.
Inspiração na cultura japonesa
A arte do jogo é magnífica, puxada mais pra um aspecto de anime com cel shading (contorno ao redor do personagem), porém o visual que vemos dentro do jogo é bem aquém e diferente até mesmo dos avatares 3D que aparecem durante os diálogos. Fiquei decepcionado, pois não vejo motivos para ter dois níveis gráficos diferentes em momentos que não parecem exigir da performance do console – e isso acontece em todas as versões do jogo como PC, Xbox One, etc. Algo que achei engraçado foi o design dos inimigos ser bem bizarro, e alguns não fazem sequer sentido algum. Não tenho certeza se me senti confortável com isso, pois a maioria deles parecem estar deslocados da ambientação do jogo, e fica a impressão de que nada casa – apesar de ser um mundo fantasioso.
Uma homenagem digna
O jogo peca ao não oferecer a linguagem em português do Brasil. Isso pode afastar completamente quem não entende o idioma inglês ou até mesmo quem não gosta de jogar jogos de muita leitura assim, já que os diálogos são meio extensos por aqui. Porém, caso você tenha domínio da língua e goste dos clássicos RPG dos anos 90 como os jogos da franquia Final Fantasy e o já mencionado Chrono Cross, vai sem medo. Legrand Legacy é um espetáculo, mesmo sendo clichê e não tentando nada de novo ou tão moderno (exceto as batalhas dinâmicas) em vários quesitos, tudo aquilo ao que o jogo se propõe é bem executado.
Obs.: segundo contato com a publicadora do jogo, traduzir 250 mil linhas de diálogo ficaria bem caro, o que não seria viável para um jogo com o orçamento que Legrand Legacy teve.
Este review foi feito usando uma cópia para Switch cedida pela Another Indie