Não importa se você faz o tipo do jogador casual ou se dedica horas em busca de troféus e vitórias para atestar sua habilidade: videogame requer emoção. Em Narita Boy, título de estreia do Studio Koba, esse requisito é satisfeito com exagero por meio de uma viagem completa, pelo mundo dos jogos, tomada por sentimentos.
Desenvolvimento: Studio Koba
Distribuição: Team 17
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Plataforma, Ação
Classificação: 16 anos
Português: Legendas e interface
Plataforma: PS4, Xbox One, Switch, PC
Duração: 6.5 horas (campanha)/16.5 horas (100%)
Seja Narita Boy
Pelo menos uma vez, todo gamer já viu sua mãe ordenar – muitas vezes já tarde da noite – que o jogo fosse encerrado. Mais do que isso, em um costume quase universal, a ordem vinha sob ameaças de que o console ou computador seria vendido ou coisa do tipo em caso de desobediência.
É assim que você começa a jornada na pele do herói, conhecido no mundo real e no Reino Digital como Narita Boy. Em um quarto escuro, um protocolo tem início por conta própria para invocar o jogador para dentro de seu código em busca de ajuda.
Uma vez transformado em pixels, sua tarefa é ajudar a entidade Motherboard e os demais habitantes programados pelo Criador resistirem à ameaça de Him, uma linha de código da casa vermelha que se rebelou. Como palco, a batalha tem uma engine rudimentar e um monitor CRT de definição meio embaçada.
Uma história sobre conexão
Salvar o Reino Digital e sobreviver é uma questão de conexão. Em Narita Boy a morte pode ser frequente, afinal, para o protagonista ela é só uma função de programação. Isso remonta imediatamente aos primeiros jogos criados décadas atrás. Hoje um item quase em extinção, as “máquinas de fliperama” – ou arcades, em inglês – se alimentavam das fichas gastas pelo jogador para oferecer entretenimento.
Sendo assim, se esse é o modelo de negócio, quanto mais ficha melhor. Morrer era inevitável e, nessa nova jornada, continua sendo. No entanto, não existe limite de vidas ou de fichas. A exigência dessa vez é apenas que você seja convertido em herói virtual, entenda mecânicas e evolua, se tornando um só com o jogo que o engoliu.
Vale ressaltar que as mecânicas de Narita Boy são bastante intuitivas. Ao mesmo tempo, a curva de aprendizado é agradável e convidativa. Assim, os mais casuais tropeçarão algumas vezes, mas vão acabar pegando o jeito da coisa. Já quem for mais habilidoso terá uma dificuldade decente, mas passará mais rápido pelos desafios.
Apesar de trazer elementos de metroidvania – como ficaram conhecidos jogos que se valem de idas e vindas em busca de itens e habilidades para chegar a locais antes inacessíveis em áreas já visitadas – o desafio é bastante linear. Diferente de outros títulos, mesmo para os mais inexperientes será difícil ficar perdido sem saber o que fazer a seguir.
Uma tecno-opera psicodélica
De posse da poderosa Tecno-espada, você vai precisar habilitar gradualmente todo o poder da arma e de outras ferramentas. Acessível apenas ao escolhido, esse arsenal será utilizado para parar os Stallions, linhas de código corrompidas por Him que estão atacando as outras casas.
Tudo isso em uma busca através do Trichroma, a combinação dos feixes amarelo, azul e vermelho que é a raiz da força de Narita Boy. E já que cores estão no cerne da narrativa, o jogo abusa delas para oferecer um visual estonteante – literalmente, já que em algumas cenas pessoas mais fotossensíveis podem sofrer um pouco.
Mas nem só de aparência vive um grande título. Sabendo disso, a equipe do Studio Koba também traz um trabalho impressionante com relação à trilha sonora e aos efeitos em geral. Desde a faixa de abertura até o encerramento, são várias as oportunidades em que o desejo é simplesmente deixar o controle de lado e curtir o som.
Talvez por isso, os desenvolvedores disponibilizaram uma playlist com faixa por faixa na internet, e toda trilha original composta por Salvinsky também pode ser adquirida em diferentes plataformas digitais. Além disso, os desenvolvedores prometem lançar faixas selecionadas em vinil ainda em 2021.
Memórias minhas, suas, nossas…
De volta ao aspecto de conexão presente na narrativa de Narita Boy, a habilidade narrativa do jogo surpreende. Um dos objetivos do herói é resgatar as memórias d’O Criador. Nesses momentos, todo o frenesi de luzes e sons dá lugar a cenários quase monocromáticos envoltos por uma melancolia esmagadora.
Em cada um desses episódios, é fácil sentir-se como quem acompanha relatos baseados em fatos reais, mas é tudo pura ficção. Mesmo assim, essa história inventada tem doses cavalares de experiências com as quais qualquer apaixonado por videogames pode se identificar. Assim, o jogo troca as luzes e cores por uma saturação que passa a ser emocional.
Com isso, depois de cada nova memória descoberta, cresce não só o desejo de salvar o Reino Digital, mas também de salvar a si mesmo da ameaça que a casa vermelha oferece ao mundo virtual, ao homem que criou tudo aquilo e ao jogador que está enfrentando na pele de Narita Boy.
Referências sem fim
Mais uma vez, não importa seu perfil de jogador. Ainda que seja um título de estreia, Narita Boy é uma declaração de amor criada pelo Studio Koba aos videogames. Talvez seja até mais, carregando referências que estão além do universo dos games: trata-se de uma reverência a toda uma geração.
Mesmo assim, quem não viveu a era retratada em diversos elementos que saltam aos olhos durante o jogo também há de criar experiências novas e bastante próprias. Para isso, Narita Boy segura esse clima até a última cena, deixando no ar a sensação de que esse pode ter sido só o começo de algo muito maior.
Cópia de PS4 cedida pelos produtores
Revisão: Jason Ming Hong