Há uma passagem na Bíblia, no capítulo 11 do livro de Gênesis, que conta que os homens construíram uma torre para chegar aos céus e reunisse todos sob uma só língua, assim eles seriam notórios pelo resto da eternidade. Como punição por tamanha vaidade, Deus fez com que as pessoas falassem línguas diferentes, para causar confusão e impedir tal plano. Assim nasceu o mito da Torre de Babel.
Em cima dessa lenda, o estúdio Rundisc desenvolveu Chants of Sennaar, uma narrativa que nos coloca na pele de um viajante que busca compreender os idiomas de diferentes povos para trazer a união entre eles.
Obs.: A título de curiosidade, a Torre de Babel foi erguida na área de Sinar (Sennaar), localizada na antiga Mesopotâmia. Em um mapa mais atual, isso seria entre Iraque, Irã e Jordânia, países do Oriente Médio.
Desenvolvimento: Rundisc
Distribuição: Focus Entertainment
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Puzzle
Classificação: Livre
Português: Legendas e Interface
Plataforma: PC, PS4, Switch, Xbox One
Duração: 9 horas (campanha)/9.5 horas (100%)
Fome de saber
O andarilho que controlamos conta apenas com um diário, no qual ele faz diversas anotações e desenhos. De início, eles parecem apenas um punhado de rabiscos, mas após conversar com alguns habitantes, os símbolos repetidos são registrados e devem ser associados a desenhos para que seus significados sejam desvendados. Essa é a mecânica principal de Chants of Sennaar, que tem um papel fundamental na imersão do jogador. É como se estivéssemos reaprendendo a ler e escrever novamente, como na época de escola.
À medida que aprendemos novos símbolos, uma nova página do diário ganha desenhos, e cabe a nós fazer a associação para descobrir o seu significado. Enquanto não temos certeza, podemos fazer anotações livres baseados em seu contexto. De início, pode parecer um pouco confuso, mas logo dá para notar alguns padrões que facilitam o entendimento do novo idioma.
Um exemplo prático: todas as palavras referentes a pessoas, como soldado, sacerdote, humano ou artesão, terão elementos idênticos, pois se tratam de pessoas, mas com uma variação, que designa o que ele faz. O mesmo vale para verbos, substantivos referentes a lugares, plural, negativa, pontos cardeais, etc.
Entender o primeiro conjunto de símbolos é um pouco mais complicado, mas depois se torna mais fácil fazer as conexões. Sempre que trocamos de área, um novo código é implementado, e há a necessidade de estabelecer a conexão dos seus significados, tanto com as anotações do diário, quanto com trechos perdidos que envolvem a língua de dois povos, e é aí que as coisas ficam um pouco mais fáceis.
Interpretar o sentido das frases, mesmo que com construções gramaticais distintas, traz um charme para o jogo que transcende o fato dele ser um quebra-cabeça em si. Eu realmente tive a impressão de conhecer países diferentes, mesmo que eles pertencessem à mesma torre.
O único ponto que poderia ser considerado, seria o de tornar nossas suposições verdadeiras caso descubramos o significado de um símbolo. Para ficar mais claro: se eu achar que sei qual símbolo que corresponde à “casa” e fizer a anotação na agenda, ela vai ficar lá até que eu realize uma ação que leve o viajante a fazer o desenho de uma casa no diário. E sempre que um desenho é feito, é um conjunto de dois a cinco, e temos que fazer a ligação de todos presentes na página para que o vocabulário do viajante seja expandido.
Isso leva o jogador a ficar na base da tentativa e erro algumas vezes. Não é algo grave, pois uma vez que se capta a semiótica por trás de cada simbologia, fica mais fácil de achar os significados corretos. Mas ainda assim, recompensar o jogador por um palpite certo com apenas o que ele deduziu de bate-pronto seria bacana.
Cada lugar é um mundo
Além das diferenças linguísticas, os ambientes de cada área de Chants of Sennaar conseguem ilustrar muito bem as diferenças entre os povos, que não são apenas linguísticas, mas também sociais. Temos: os servos da Abadia em lugares com cores quentes, os combatentes da Fortaleza, que estão em lugares que tem o contraste de tons escuros de azul com o vermelho; os bardos em lugares alegres e fortemente coloridos; e os alquimistas, dentro dos seus laboratórios com uma matiz mais terrosa, contrastada pelo ouro, prata, bronze e carbono.
Cada habitante usa um tipo de roupa que também fala pelo seu povo, o que reforça a disparidade entre cada região e como é incomum e extraordinário que alguém, no caso o viajante, reúna tanto conhecimento assim, ainda mais não se parecendo com ninguém. Toda a identidade visual, aliada ao puzzle de desvendar os glifos e progredir na história compõem um ambiente muito agradável, e não é difícil ser embalado pela melodia tranquila ou ruídos característicos de cada área, enquanto exploramos tudo avidamente.
A única coisa que realmente fez falta para mim foi um mapa. Como há a necessidade de visitar várias vezes uma mesma sala, além de ir e vir buscando novas interpretações, é bem comum nos perdemos em alguns trechos mais labirínticos. Mas nada que ofusque a beleza de toda a composição narrativa.
Vale a pena conhecer tudo
Chants of Sennaar pode até ser um pouco mais ousado por apoiar sua narrativa sob um mito cristão, mas a maneira com que ele faz isso é muito bem trabalhada. Fazer com que todas as línguas diferentes integrarem juntas um mesmo mundo, mas dando complexidade e personalidade própria para cada uma delas ter destaque, é brilhante. Com certeza, esse é um jogo indicado para quem gosta de passatempos mais lentos e que oferecem uma experiência única.
Cópia de PS4 cedida pelos produtores
Revisão: Julio Pinheiro
Chants of Sennaar
Prós
- A ideia de descobrir os significados de diferentes símbolos para se comunicar é excelente
- Cada linguagem tem suas características únicas, mas também se conecta com as outras de maneira bastante inteligente
- Excelente composição visual para tipificar cada povo
Contras
- Seria uma boa se o diário computasse nossos palpites certeiros sem a necessidade do desenho no diário
- Em alguns momentos, um mapa geral da região faz falta