Os meios de comunicação, atualmente, constituem áreas de cruzamento de inúmeras redes de poder e produção cultural. Como fruto da mídia, os videogames podem ser considerados como um aparato tecnológico que atua no campo da mediação de massas. Anteriormente visto como um produto de nicho, para que isso fosse possível as barreiras culturais que o associavam ao mercado infantil precisaram ser quebradas. Na verdade, houve uma transformação ao longo dos anos. Os atos comunicacionais desse produto foram se adaptando às demandas de seu público que deixaram – ou não – a infância de lado, como veremos nas próximas linhas.
Uma indústria de bilhões
Mais do que um simples aparato tecnológico, videogame faz parte da indústria do entretenimento e hoje em dia movimenta cifras na casa do bilhão. Mas, nem sempre foi assim. No início dos anos de 1980, o mercado de games gerava uma receita de mais de US$ 3 bilhões. Em 1985, no entanto, essa receita havia caído para cerca de US$ 800 mil. O mercado estava saturado e o os computadores começavam a se popularizar. A principal responsável para a guinada da indústria de games foi a Nintendo. A popularização dos mesmos se deve à “gigante japonesa”. O lançamento ocidental do Famicom (batizado de Nintendo Entertainment System – NES), em 1985, e jogos como Donkey Kong e Super Mario trouxeram a indústria de volta para o mercado e popularizaram algo que, num primeiro momento, possuía um nicho bem particular, como dito anteriormente. Mas, ainda sim, as atenções do marketing desses jogos ainda tinham como alvo o público infantil.
Atualmente, o videogame se transformou em algo atrelado à própria cultura pop. Tornou-se também objeto de estudo multi e transdisciplinar. Para Luciana Alves e Alysson Massote, ele estimula a concentração, pois “crianças e adolescentes envolvidos com jogos de videogame apresentam maior habilidade para alocar de forma mais eficiente seus recursos atencionais tanto no que diz respeito ao espaço quanto ao tempo”. Podemos, na verdade, apontar inúmeros benefícios e aplicações para os nossos amados joguinhos. Mas, por que passado tanto tempo, eles continuam a receber a alcunha de brinquedo?
Segundo Daniel Gularte, no livro Jogos eletrônicos: 50 anos de interação e diversão, os “jogos são um expoente cultural das sociedades antigas e modernas. Acompanham o crescimento humano e enriquecem as experiências entre as pessoas”. Apesar da diminuição dessa visão que coloca os videogames como um produto infantil, ele ainda carrega a mácula de estar associado a um brinquedo. Algo muito raro há trinta anos atrás, hoje em dia é muito comum pais jogarem com seus filhos. Tão comum quanto sentar no sofá da sala para assistir a um filme ou qualquer outro programa na TV com a família. Segundo a Entertainment Software Association (ESA), aproximadamente 70% dos pais de família nos Estados Unidos jogam, regularmente, games eletrônicos. Desses, 40% costumam jogar pelo menos uma vez por semana com seus filhos. O que temos que entender é que essa associação dos videogames aos brinquedos é construída pela indústria. Onde parece haver ambiguidade, temos nada mais do que uma prática de mercado que busca atrair consumidores de todos os tipos e idades. E para isso deve haver uma adaptação discursiva que abrace crianças e adultos.
Consumo e infantilização
Para os adultos, essa adaptação se deu com a evolução narrativa dos jogos. A passagem de games que contavam com o objetivo simples que nos instigava a tentar alcançar a maior pontuação possível, para histórias mais complexas e que emulam as contradições do mundo adulto. O homem ou mulher de quarenta anos que joga hoje um Gears 5 ou The Last of Us parte II, jogava Pacman ou Super Mario anos atrás. A indústria se adaptou para manter cativo seu público consumidor.
Essa transposição narrativa está associada, portanto, às necessidades que são criadas em nossa sociedade de consumo. No entanto, para que haja demanda, o discurso assume uma veia emocional, à medida em que ele atua trazendo à luz elementos nostálgicos de nossa própria infância. Segundo Benjamin Barber, autor do livro Consumido: o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos, isso acaba promovendo uma extensão da infância, fazendo com que adultos passem a se comportar de maneira semelhante aos jovens em formação. Nada mais infantil e banal do que guerra de consoles, por exemplo. E vemos muitos adultos com esse comportamento.
Isso fica mais acentuado quando o “gamer” adulto direta ou indiretamente tenta esvaziar o discurso político dos jogos. Veja bem, curtir ou se entreter com o jogo a revelia desse discurso é uma coisa. Amamos fazer isso! Invalidar ou negligenciar a existência dele e fechar os olhos ante aos problemas sociais que é sintomático. Quando digo “discurso político”, não me refiro ao sentido literal da palavra, mas como força de expressão que denote a noção de algo ligado ao campo das mediações que é fruto da própria sociedade e cultura. Em suma, o jogo carrega um conjunto de saberes que nos permitem analisar sob o seu prisma o mundo à nossa volta, assim como a música ou qualquer outra manifestação artística. Mas, em contrapartida – como ferramenta discursiva – possui elementos ideológicos suficientes para alienar o jogador do contexto sócio-político do qual está inserido. O que, dado o nosso atual cenário, sejamos francos, é tentador.
Para além do entretenimento
É bem verdade que isso não é exclusividade dos videogames, mas da indústria cultural como um todo. O cinema, por exemplo, também entra nessa equação. Muitas das estratégias retóricas embutidas nos discursos, podem ser encaradas como as principais responsáveis pela degradação do próprio senso histórico. O truque é fazer com que, através do saudosismo de um passado nostálgico, a gente passe a reviver a experiência de sermos crianças novamente, sem apresentarmos um olhar crítico daquilo que consumimos. Dessa forma, o perigo, para além do entretenimento puro e simples, é desviarmos a atenção dos problemas reais que nos cercam e, deliberadamente comprarmos a ideia de que consumo e felicidade (a mais efêmera possível) estão diretamente associados.
Revisão: Jason Ming Hong