re4 capa

Resident Evil 4 (2005) vai finalmente descansar?

O ano era 2005 e o quarto título numerado da franquia Resident Evil estava sendo prometido para Playstation 2, após a Capcom confirmar a quebra de exclusividade com a Nintendo e seu GameCube. Haviam muitas expectativas quanto ao game que já não traria a câmera fixa, e sim a under the shoulder – por cima do ombro – além de não trazer zumbis como nós estávamos acostumados. Seria o golpe de misericórdia para a saga que há anos não conseguia emplacar um grande sucesso de vendas. Hoje, depois de mais de 18 anos, podemos dizer que o game foi além de ser o maior sucesso da franquia: ele é um dos maiores de todos os tempos.

O frescor que a saga precisava

Resident Evil, desde o primeiro título, lá em 1996 se tornou uma das meninas dos olhos de ouro da Capcom. Contudo, depois de consecutivos sucessos com a primeira trilogia no PlayStation, se viu caindo drasticamente sua popularidade no começo da geração seguinte com jogos como Code Veronica no Dreamcast da Sega e o Remake do primeiro game junto do prelúdio Resident Evil Zero, lançado no Nintendo Gamecube. Os três títulos são aclamados pela crítica e público, contudo, não se converteram em vendas significativas na época.  

O jogo que levaria a numeração 4 em seu título, iria pelo mesmo caminho dos games citados anteriormente, já que inicialmente ele seria um exclusivo da Nintendo e não iria de forma alguma para o console da Sony, o PlayStation2. E isso acarretou até na demissão do criador da Série, Shinji Mikami, que não concordava em transformar o título, pensado para o cubo, em um jogo multiplataforma. E ele, financeiramente falando, não podia estar mais errado.

Resident Evil 4 trocou a mansão Spencer e a cidade de Raccon City por uma aventura na Espanha, mais especificamente em um vilarejo. Além disso, trouxe de volta o personagem Leon Kenedy agora atrás da filha do presidente dos Estados Unidos em um lugar inóspito. E as mudanças não pararam  por aí; os zumbis foram substituídos pelos ganados que são pessoas infectadas e arremessam coisas em você, diferente dos mortos-vivos que “só” queriam tirar pedaço da sua carne, literalmente. Outra mudança foi o posicionamento da câmera, saindo finalmente dos locais fixos para andar junto com o personagem e ficar sobre o ombro quando você mirasse em um inimigo. E só parando para analisar essas mudanças, dá pra se ter ideia de todo o leque de possibilidades que se abriram no gameplay.

Um produto do seu tempo

Com a mudança de perspectiva da câmera, inúmeras novas possibilidades surgiram como, por exemplo, conseguir ter uma visão total do ambiente a qualquer momento – o que antes não era possível –, usar o analógico para andar no ambiente sem nenhuma dificuldade e poder mirar em partes diferentes do corpo de um inimigo com mais precisão. Tudo isso foi muito impactante na época, afinal, era a sexta geração de consoles mostrando para que veio, até onde iria com aquele poder todo. 

Quem não ficou contente com as mudanças foram os mais saudosistas que sentiram a falta dos seus zumbis e o suspense da animação de abrir as portas. Agora estavam vendo um Leon canastrão em uma trama difícil de acreditar, que pode pular pelas janelas, aplicar chutes nos ganados e fazendo muitas piadas.  Ou você ignorou aquela história sobre o Leon ser contratado para salvar a filha do presidente dos Estados Unidos munido apenas de uma arma e faca?

O resultado é que o jogo trouxe ainda mais apaixonados do que perdeu com essas mudanças, acabando por criar dois tipos de fãs para a saga; os que gostam dos clássicos com controles tanques e os que conheceram a franquia a partir desse capítulo muito mais voltado para a ação que qualquer outro título já lançado até aquela época. Era a virada de chave que a série precisava e voltava a ser referência para toda uma geração de games, tal como foi o primeiro Resident Evil no Psone. 

Hoje em dia é difícil imaginar um jogo em terceira pessoa que não tenha câmera sobre o ombro e outras possibilidades herdadas, pois se criou um padrão em como se desenvolver jogos assim. De Gears Of War até The Last of Us, você irá perceber as influências, claro que hoje aprimoradas.

Claro que nem tudo é, necessariamente, 100% autêntico devido o próprio quarto capítulo sofrer influência de outros jogos daquela época como, por exemplo, os quick time events que aqui foram usados com sabedoria em momentos muito específicos e não são frustrantes como a maioria dos outros games. Aqui, caso você apertasse um botão errado, e sobrasse tempo pra corrigir, não haveria punição pelo erro. Só comparar os QTEs de God Of War que um erro poderia ser fatal para você se estivesse já muito ferido. 

Outra questão foi a possibilidade de fazer upgrades em suas armas, deixando-as mais poderosas, mais rápidas, com mais capacidade de munição e tudo isso apenas fazendo negócios com o merchant. Frases como “Over here, stranger” e “hehehe! Thank you” são textos que imediatamente vem junto com a voz desse comerciante tão amado no mundo dos games.  Percebe que você leu com a voz dele? Isso acontece com todo mundo.

Aproveitando essa questão, se tem uma coisa que a Capcom abraçou foi a diversão. Mesmo que muita coisa não se explique como, por exemplo, coletar jóias e ouro pelos cenários para você ter dinheiro no mercado são uma delas. Também tem a questão dos inimigos deixarem cair munição e suprimentos após serem abatidos, contrastando com o visual realista do gameplay. Há cenários que parecem não se encaixar no próprio contexto, como a sala de lasers que é, claramente, uma inspiração dos filmes com a Alice.  Inicialmente o jogo não era sobre um culto religioso? Como isso faz sentido naquele lugar? Sem contar que, em um momento, temos que correr de uma estátua gigante que é outro momento bizarro. A resposta para tudo isso é simples: diversão acima de tudo.

Sucesso comercial e muitos ports

A aventura de Leon foi um sucesso comercial gigantesco e ganhou diversos prêmios mundo afora, abocanhando o prêmio de melhor jogo do ano na época – feito único para a saga até agora. Realmente era um jogo à frente do seu tempo, até porque na geração seguinte, a do Xbox 360 e Ps3, muitos games sequer se equiparavam ao primor técnico dele, isso é para poucos.

Com todo o sucesso, a Capcom portou o jogo para o maior número de plataformas possíveis e também para a geração seguinte, o que era comum devido ter melhorias técnicas para os consoles mais poderosos, os chamados remasters. Mas não parou por ali, pois foram lançados remasters do remasters para Xbox One, Ps4 e Switch além de duas versões para PC com diferenças de 7 anos entre elas. Foi lançado também para o  mobile, que rapidamente foi tirada da loja, e até para o infame Zeebo – estas últimas versões dando até vergonha alheia de terem existido.

O título não descansou nem em 2021 quando foi anunciado uma versão dele para o Oculus Quest 2 para poder jogar em realidade virtual. E não só a Capcom não deixou quieto, como os próprios fãs fizeram inúmeros mods gráficos porque eles não aceitavam a versão Ultimate que a Capcom fez para o jogo em 2014 nos Pcs.    

Será que finalmente descansará?

Resident Evil 4 definitivamente não é o meu preferido da saga, na verdade, nem enxergo como um jogo da série, porque a história parece desconectada com os demais, uma quebra de padrão muito grande. Mas é um jogo divertido e que envelheceu muito bem, já que para fazer esse artigo, rejoguei o título e me diverti tanto quanto como fiz há tantos anos atrás.

Ele foi considerado por muitos como um dos jogos mais influentes da geração e, fatalmente, para o bem ou para o mal, influenciou títulos posteriores da série como também remakes de títulos anteriores a ele – como ocorreu em Resident Evil 2 e 3.

Tudo nele é divertido e você não se sente cansado já que ele sabe mudar o ritmo para deixar o jogador preso naquele universo até terminar a campanha que era longa, em comparação aos antecessores. E ao acabar, ainda há os ótimos extras com a Ada e o magnífico modo Mercenários, que expandiu a ideia iniciada lá em Nemesis. Tudo isso contribuiu para que você possa sempre revisitar o título com um fator gameplay nunca antes visto naquele universo.

 Se tiraram todos aqueles ambientes claustrofóbicos e puzzles inteligentes dos clássicos, aqui ganhamos tantas coisas novas que é até difícil listar, além de ter mudado para sempre toda a indústria de games. Até cuidar da Ashley não é algo tão chato como muitos lembram.

Precisava de um Remake?

Com o passar do tempo, os gráficos e sua jogabilidade foram envelhecendo, não havendo remasterização que cobrisse rugas aparentes. Hoje é estranho não ter o controle total da câmera que, ao largar o R3, acaba voltando para posição que bem entendesse, e isso acarretava no incômodo de ela ficar inclinada deixando você olhando para o chão. Outra questão é não poder mudar de arma apenas com um botão, tão pouco atirar e andar ao mesmo tempo.  

Nunca saberemos se o tamanho de espaço que esse jogo conquistou se deve a ter se transformado em um multiplataforma, principalmente estando no console mais popular de todos os tempos, na época. Mas se pararmos para pensar, Code Veronica, por exemplo, também tinha para PS2 e passou longe do mesmo sucesso.  Só espero que, agora com o Remake, o título de 2005 finalmente descanse sua imagem, porque é o que ele merece.

Revisão: Ailton Bueno