Temos ultimamente uma leva muito grande de jogos remasters, remakes e o tal do reboot inundando o mercado de jogos. Cada empresa quer a sua fatia no coração nostálgico dos gamers. É bom saber muito bem onde você está se enfiando quando opta por algum título que se encaixa em um destes diferentes grupos, os quais trazem certas obras da antiguidade para tempos atuais.
Sempre fico curioso para saber o resultado final ao descobrir que algum jogo foi modernizado de alguma forma. Por mais que remasters sejam a revitalização mais polêmica dentre estes todos – ainda mais quando se trata de um jogo já lançado em gerações recentes -, ainda é possível fazer ajustes aqui e ali para adequar decisões de game design antigas ao mundo atual. Bom, e qual a maneira correta de fazer algo do gênero?
Desenvolvimento: SQUARE ENIX
Distribuição: SQUARE ENIX
Jogadores: 1 (local) e 2-4 (online)
Gênero: RPG
Classificação: 12 anos
Português: Não
Plataforma: PS4, Switch, Android e iOS
Duração: 11 horas (campanha)
As crônicas de um cristal
Final Fantasy Crystal Chronicles é um jogo originalmente lançado para GameCube no longínquo ano de 2003, e marca o retorno da Square às plataformas Nintendo desde o lançamento de Final Fantasy VII para PS1. Uma época onde eu estava totalmente imerso na marca PlayStation e o deixei passar completamente. Anos depois, mesmo possuindo um GameCube e posteriormente um Wii, não tive contato nenhum com esta série considerada spin-off de uma das franquias de RPG mais importantes existente. Meus olhos eram totalmente voltados especificamente para alguns dos principais, como Final Fantasy VII, IX e XII, cada um por um motivo diferente: carisma dos personagens, história e sistema de Gambit – respectivamente.
Ao saber da existência de Crystal Chronicles Remastered, quando ocorreram notícias sobre esta revitalização que seria lançada em breve, minha atenção foi capturada imediatamente. Como amante da franquia, por conta de sua capacidade de contar diferentes histórias em um universo que parece interligado, resolvi que precisava conhecer este título que marcou tantas pessoas por causa de sua jogabilidade cooperativa “de sofá”.
Porém, algumas decisões diferentes foram sendo tomadas ao longo do desenvolvimento, e uma das que mais sofreu críticas foi justamente o motivo pelo qual Crystal Chronicles se tornou um jogo precioso para os fãs: o multiplayer local. Os produtores simplesmente animaram ao público na divulgação de que o título traria também consigo a grande novidade do multiplayer online. Melhor ainda: o jogo teria suporte a crossplay entre dispositivos móveis e consoles de mesa. Porém, a maravilhosa novidade veio acompanhada de uma completa frustração: era impossíveis coexistir o multiplayer online e o local – segundo palavras da própria Square Enix via Twitter.
Desde então muitas pessoas ficaram com o pé atrás, emitindo opiniões contrárias à decisão que estava sendo tomada e exalando seu desprezo antes do lançamento. O jogo veio sendo alvo de críticas há muitos meses, mas será que tudo isso foi mesmo motivo para tanto alarde? O multiplayer local faz tanta falta assim?
Um mundo perigoso envolto por miasmas
Final Fantasy Crystal Chronicles Remastered Edition não sofre mudanças na história em relação ao original. O enredo conta eventos de um mundo onde uma grande camada de miasma, uma espécie de gás venenoso, permeia todo o planeta após a queda de um meteorito. Caravanas conhecidas como Crystal Caravans são organizadas frequentemente para que cálices sejam transportados e enchidos de um líquido chamado mirra, adquirido através de árvores de mirra, usado para proteger os seres vivos e tudo ao seu redor. Grandes cristais funcionam como uma fonte de proteção para cidades ao redor do globo, necessitando de serem alimentados com uma porção de mirra anualmente para continuarem emitindo sua barreira contra o miasma.
Ao contrário da maioria dos jogos da franquia, Final Fantasy Crystal Chronicles Remastered Edition não possui um protagonista ou alguém importante o suficiente para ser declarado como tal. Aqui, você cria seu próprio personagem – aliás, mudo -, escolhendo entre 4 raças diferentes dotadas de vantagens e desvantagens, além de optar também por uma classe (Job) dentre as disponíveis no jogo.
A abordagem escolhida em Crystal Chronicles é de que você viverá sua própria história, com a intenção de entregar isso num jogo com foco em jogabilidade e diversão multiplayer, deixando de lado sistemas complexos, histórias com muitas ramificações e qualquer outra característica mais presente na franquia principal. Crystal Chronicles carrega o pesado nome da franquia, possui vários elementos e personagens que são marca registrada de Final Fantasy, mas parece mirar em jogadores mais casuais e sem tanto compromisso em acompanhar uma jornada épica.
Sua trilha sonora é incrível, como esperado, e a direção de arte de forma geral é impressionante mesmo para um jogo com mais de 15 anos nas costas. Claramente os gráficos ainda remetem bastante à geração PS2 e GameCube, mas com um toque de revitalização, fazendo uso de alta resolução e melhores texturas – por isso o nome Remastered. Portanto, não espere grandes mudanças nos menus, jogabilidade e forma como o jogo funciona em geral. Aliás, essas são algumas de minhas maiores críticas em relação ao jogo: elementos datados e sem um tratamento especial.
Jogabilidade com ressalvas
É fato: a jogabilidade de Final Fantasy Crystal Chronicles Remastered Edition ainda funciona bem nos dias de hoje. Como falado, sua abordagem é mais simples, e tem como principal objetivo enfrentar inimigos e mais inimigos em locais denominados dungeons no mapa do mundo. Cada uma destas dungeons possui sua própria ambientação, inimigos e uma breve história contada antes de iniciar a missão. Junto ao seu personagem existe um fofinho Moogle, exclusivamente para uso no single player.
Este seu companheiro de missões é o maior auxiliar que o jogador pode ter. O bichinho é útil principalmente para a tarefa suja de levar o cálice onde será colocado a mirra, porém fica cansado ao carregá-lo por muitos minutos. Ele emite um aviso sobre sua fadiga e começa a carregar o objeto bem lentamente, exigindo com que o jogador pare ou tome posse do cálice por alguns momentos. Fora isso, Moogle pode usar magias para auxílio durante as batalhas, mas de uma forma bastante inútil. Ele não funciona de forma inteligente, e exige com que o jogador use o ataque carregado ou uma magia para que possa realmente atacar também, mas de uma forma completamente imprecisa.
O cálice serve para a proteção do grupo, criando uma espécie de campo de mirra onde sua segurança é garantida. Caso você tente ficar fora dessa barreira, bastam alguns poucos segundos para que sua vida comece a ser consumida. Portanto, este diâmetro de proteção criado pelo cálice serve como uma câmera que precisa ser carregada durante toda a dungeon, e o maior problema está em justamente ter sua movimentação e ações limitadas enquanto carrega o objeto.
Em dois ou mais jogadores a obrigação é dividida. É necessário compartilhar a posse do cálice em todo o tempo, o que acaba se tornando uma tarefa bem maçante. Principalmente quando as fases exigem interações com o cenário em alguns momentos. É uma mecânica interessante que lhe obriga a se preocupar com algo secundário além das batalhas, mas acaba virando apenas um estorvo, apesar de estar inserido no contexto da história. Funciona e faz sentido, mas é chato.
A forma como os comandos são mapeados e os controles apenas contribuem para a sensação de Crystal Chronicles Remastered ser um jogo travado em muitos pontos. A navegação do menu simplesmente não foi modernizado ou feita da melhor forma possível. É uma situação bem comum a de ficar completamente perdido sobre qual botão devemos pressionar para navegar entre os itens e mudar as abas. Tudo isso é feito em meio à uma confusão entre os botões R e L, D-pad e analógicos do Switch. Simplesmente não é claro e natural. Você se acostuma, mas continua frustrado.
Já os combates são uma espécie de action RPG simplificado, mas com elementos que lembram as batalhas ativas de Final Fantasy VII, por exemplo. As ações ofensivas demoram alguns momentos para serem executadas, apesar de movimentação e esquiva serem totalmente livres de serem realizadas. As magias precisam ser armadas e disparadas, o que leva cerca de 2.5 segundos do início ao fim do processo. A forma mais ágil de atacar fica sendo o ataque básico, tornando tudo num esmaga botão. Sua arma principal também conta com uma versão mais poderosa do golpe, mas que leva praticamente o mesmo tempo que as magias para ser acionado.
Todos os inimigos normalmente derrubam itens de crafting, consumíveis e artefatos para aumentar atributos. Comumente também são adquiridas pedras de magias desta forma, as quais precisam ser equipadas em slots de comando do personagem para serem usadas. Ou então é possível encontrar anéis com magias específicas, para equipar e iniciar uma dungeon já com aquele feitiço.
Ao acessar o menu de equipamentos, o jogo felizmente pausa e permite com que você organize os slots de comando com armas, magias e itens consumíveis. Para usar cada um destes comandos selecionados, o jogador deve mudar o ativo através do R e L durante as batalhas, algo não tão intuitivo ou bacana de se ficar fazendo. O mais inteligente a se fazer nestes momentos é se afastar dos inimigos. Isso me faz questionar o motivo de não terem inserido atalhos para usarmos magias, itens e afins, já que os botões ZR e ZL e o analógico direito ficam completamente sem funções.
Todas as dungeons possuem vários caminhos para serem seguidos, e algumas exigem o cumprimento de alguma tarefa ou puzzle bem simples antes de seguir para a área do chefe. Ao chegar na luta com este chefe, a estratégia se manterá basicamente sempre a mesma: correr para longe de seus ataques, curar a si, levar o cálice para perto do inimigo e atacar. E o ciclo se repete em todas as batalhas até o fim do jogo. Confesso que no single player estas lutas são algo bem mais maçante, repetitivo e demorado. Por isso o jogo torna tudo mais fácil e ágil no multiplayer, para que o jogador seja induzido sempre a passar sua jornada acompanhado de outros players.
Após derrotar o chefe, caso seja a primeira vez – os chefes podem ser derrotados quantas vezes quiser -, surgirá a cutscene onde mostra o personagem coletando a gota de mirra da árvore. É necessário uma quantidade específica de gotas de mirra para que a entrega seja feita e aconteça mais uma cutscene representando a mudança de ano. Infelizmente esse ciclo de gameplay se repete em todos os anos do jogo, caindo na mesmice de forma muito rápida. O problema é que você precisa passar por todo o mapa mais uma vez através da navegação irritante da caravana. Mas o pior mesmo é ter que escolher o elemento contido em seu cálice selecionando dungeons já superadas para poder atravessar os miasma Streams, que nada mais são do que pontes para atravessar a pé. Estes elementos existem em altares contidos dentro das dungeon, e são necessários para fazer esta travessia. Nada de fast travel por aqui, e o motivo é desconhecido.
Crystal Chronicles Remastered não oferece uma evolução direta de atributos do seu personagem, mas os upgrades acontecem através de artefatos. Lembra que falei deles há pouco? Então, no final de cada dungeon o jogador será exigido de escolher um dos artefatos encontrados durante a fase para manter em seu inventário, e cada um destes objetos possui um aumento de atributo diferente, como força, magia e defesa, até slots adicionais de comando ou um coração de vida a mais. É uma forma muito interessante de simular o aumento de níveis, porém nada disso é sentido de fato ou representado durante as batalhas através de hit points (quantidade de dano), o que faria toda a diferença.
Multiplayer, a forma correta de jogar
O maior chamariz do jogo também é uma de suas maiores dores. O multiplayer online funciona de forma privada com amigos ou publicamente. Você pode visualizar e entrar – em qualquer momento da dungeon – somente em grupos montados em dungeons respectivas da região em que você se encontra no mapa, e muitas vezes provavelmente ao tentar entrar numa partida o resultado será uma mensagem de erro. É possível também passar por cima desta regra e convidar pessoas de sua lista de amigos através de um sistema bem ruinzinho criado para isso. E não importa a distância física entre os outros jogadores e você, sempre existirá lag. Apesar da Square Enix ter restringido os jogadores sigilosamente para um matchmaking da própria região, o servidor parece ser mal otimizado. É bem comum ver os outros teleportando o tempo todo numa partida, e algumas vezes a existência de input lag.
Jogando em grupo, as coisas ficam ridiculamente mais fáceis, mesmo que o Moogle que carrega o cálice não exista. Porém isso torna a tarefa mais chata, já que alguém precisará fazer o trabalho sujo de levar o objeto. Lutas com chefes também se resolvem em questão de segundos, mostrando que o jogo realmente foi feito para jogador com outras pessoas. Uma pena não terem mantido o multiplayer local e nem mesmo no mesmo wifi, o que facilitaria muito a organização das partidas e não exigiria ambos os jogadores terem uma assinatura para jogar online.
Após o grupo eliminar o chefe da fase, cada um escolherá o artefato para upgrade e se continuará na partida. Resumindo, o multiplayer funciona de forma bem pontual, não existindo de fato uma jornada em conjunto nem viagens de caravanas. E isso é triste, porque apenas o host terá um progresso na história, e os convidados obterão apenas os itens, dinheiro e artefatos adquiridos.
Não é um Final Fantasy para todos
Definitivamente Final Fantasy Crystal Chronicles Remastered Edition não é um jogo para todos. Muito menos para quem gosta da fórmula original dos jogos da franquia, tanto os clássicos quanto os mais novos com sua abordagem de RPG de ação. Também não recomendo o game como uma porta de entrada para a série, pois por si só Crystal Chronicles já é bem decepcionante por sua repetição e jogabilidade rasa. O jogo vale a pena apenas pela curiosidade, elementos pós-game que foram adicionados e pelo fato de ser diferente dos principais, mas é difícil se apaixonar por ele.
Pelo fato de ser um título revitalizado, esperava bem mais na questão de acessibilidade e controles adaptados aos joysticks modernos. Também não vejo nenhum sentido de terem removido o multiplayer local, algo que certamente muitos sentirão falta. Crystal Chronicles Remastered provavelmente agradará aos fãs mais nostálgicos e conquistará alguns poucos jogadores novos, mas seus controles horríveis, dungeons parecidas e jogabilidade maçante com certeza são um ponto crítico para o remaster.
Esta review foi feita com uma cópia de Switch cedida pelos produtores
Revisão: Samuel Leão