Como diria o Caio Hansen, todo mundo tem seu plataforminha do coração – ao menos quem cresceu nos anos 80 e 90. Eu não escapei disso: tenho os meus e sempre volto a eles, apesar de alguns serem frustrantes. Nem todo plataforma pode ter a física e a precisão dos games 2D do Mario. E isso é extremamente verdadeiro em Ministry of Broadcast – ou, mais apropriadamente, Minicast.
Desenvolvimento: Ministry of Broadcast Studios
Distribuição: Hitcents
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Plataforma, Aventura, Ação, Puzzle
Classificação Indicativa: 14 anos
Português: Interface e legendas
Plataformas: Switch, Android, iOS e PC
Duração: 5 horas (campanha)/ 7 horas (100%)
Um muro foi erguido para dividir em dois o país. Famílias foram separadas! A única chance de Laranja rever sua mulher e seu pai é vencer o reality show estatal que garante a realização dos sonhos do vencedor. Mas antes, ele precisa descobrir qual é seu papel, afinal, ele não é polícia nem civil. Para isso, os cientistas que conduzem o reality irão testá-lo em diferentes situações por alguns dias, antes da gravação em estúdios.
2+2 = 5
Ministry of Broadcast é um jogo peculiar de plataforma 2D, com elementos abundantes de narrativa e de puzzles situacionais criativos. A narrativa, aliás, chama a atenção desde o início: o game bebe da fonte de 1984, romance de George Orwell, que retrata um (então) futuro distópico e totalitário.
As referências são muitas: o macacão azul do protagonista é o mesmo uniforme de Winston, protagonista do livro; a escassez de botas, os bombardeios, a vaporização (morte) de NPCs e o amor como justificativa (talvez fracassada) para resistir ao totalitarismo, mas principalmente, o jogo consegue estimular reflexões existenciais sem ser pedante ou mau escrito como um certo jogo lançado recentemente.
Os diálogos do jogo são mordazes e as situações criadas pelos puzzles não ficam atrás.
A violência inicial no jogo é “de mentirinha”, isto é, não tem consequências. Cada dia corresponde a um capítulo e ao término deste, retornando para seu dormitório, Laranja é ofendido pelos NPCs mortos – que estão vivos. A animosidade contra ele cresce a cada dia e com isso o sentimento de não pertencimento do protagonista.
O jogador acompanha a mudança de consciência de Laranja até o ponto em que o reality passa a ser gravado em estúdio. Torna-se evidente, justamente a partir desse ponto, que a verdadeira realidade é determinada pelo Estado.
Sai o Grande Irmão, entra o Grão-Mestre.
Ministério da Transmissão ou Minicast?
Para progredir nos cenários, a cada dois passos é necessário resolver um puzzle. Essas resoluções envolvem empurrar caixas, subir ou pular em plataformas, acionar interruptores (cuidado com isso, morri algumas vezes), contornar inimigos, fugir deles e estimular conflitos entre os NPCs. Há áreas secretas e o item coletável do jogo é um par de botas. Na verdade, são 18 pares e você precisa de pelo menos 12 para desbloquear o único bom final do jogo… Quer dizer, bom na medida do possível.
Laranja escorrega no quiabo
A movimentação do personagem lembra muito o Prince of Persia de 1989 para PC e isso está longe de ser um elogio. Nos momentos em que o jogo requer a precisão do pulo perfeito, você pode acabar espatifado no chão, com as duas pernas quebradas. Todas as plataformas parecem ser feitas de gelo porque o protagonista invariavelmente escorrega um pouco.
Muitas mortes no jogo acabam sendo ocasionadas por conta dessa falha em não conseguir executar o que você pensou em fazer. Para cada morte aparece um corvo, como em The Messenger. A diferença é que esse corvo às vezes fala como Edgar Allan Poe. E ele te acompanha em boa parte do jogo, assim como a tela preta do noobismo aparece a cada morte para te assombrar. Isso cansa.
Ele pula como um saco de laranjas
Laranja só vai subir em uma plataforma se ele estiver parado e exatamente embaixo dela; se você tentar pular com B fora dessas condições, acabará na frustração. Correr e pular, então, nem pensar. Isso pode ser bem tenso em alguns momentos e contraria as físicas dos jogos tradicionais do gênero.
Para Ministry of Broadcast eu testei três controles diferentes: joy-cons, pro controller e até o controle oficial do SNES classic mini – o segundo melhor d-pad do universo, perdendo apenas para o controle original do Super Nintendo. A configuração menos pior acabou sendo usar o análogico do joy-con esquerdo para movimentação, os botões setas cima/baixo para escalar ou descer das plataformas, B para pular e R para correr. Esse é o primeiro plataforma 2D, em toda a minha vida gamer, que não se beneficia de botão direcional.
Sorria para a câmera
Ministry of Broadcast é um jogo pixel art (pixelado): protagonista e NPCs estão pixelados como personagens de games 8-bit e os cenários têm efeitos de paralaxe (foto acima) próprios dos 16-bit. Ou seja, os cenários são mais definidos que os personagens.
Só é possível distinguir os NPCs pelas “roupas”, uma escolha que parece ser proposital, já que nos sistemas totalitários os traços individuais ameaçam a ideologia do regime. Apesar disso, os gráficos do jogo são bonitos e agradáveis, mesmo nos ambientes mais escuros. A trilha sonora acompanha os gráficos e a narrativa, criando uma atmosfera árida nos momentos necessários – e até mesmo sendo interrompida nos momentos mais delicados.
Último episódio
O conjunto de Ministry of Broadcast comprova o que Laranja afirma no início – que ele é um personagem com o qual as pessoas podem se identificar – a ponto de na etapa final do jogo você se sentir em sua pele, uma vez acostumado aos controles pouco intuitivos.
É difícil imaginar alguém retornando a este jogo duas vezes: na primeira vez, é possível que as referências e a curiosidade pelos finais prendam a atenção (dá para fazer os 4 finais no mesmo save). Digamos que você não tenha coletado todas as botas e tenha se adaptado com a jogabilidade, é possível que jogue ainda uma segunda vez para desbloquear o último final.
Eu levei algumas horas para me acostumar à frustração. O que me levou a continuar, além da curiosidade, foi o emprego recorrente da metalinguagem, isto é, os momentos em que o game brincou com o fato de ser um jogo. A narrativa e os puzzles seguraram minha atenção.
Ministry of Broadcast é um game de nicho: pixelado, plataforma 2D, homenagem a um romance distópico e depressivo. Só no final você tem a possibilidade de escolher o destino do Laranja e experimentando os finais, é impossível não se sentir um pouquinho (na verdade, muito) niilista.
Os finais são insatisfatórios porque são coerentes com a história do jogo e com o livro que serviu-lhe de inspiração; isso não é ruim. Mas daqui a alguns anos, quando Ministry of Broadcast for um jogo retrô, duvido muito que será lembrado como o plataforminha do coração de quem quer que seja.
Esta review foi feita com uma cópia de Switch cedida pelos produtores
Revisão: Bia Bock