As aventuras da cronologia principal da série Metroid estavam confinadas aos consoles portáteis da Nintendo desde o lançamento de Super Metroid, no já distante ano de 1994, para o SNES. Depois desse terceiro episódio, Samus Aran deu as caras duas vezes no Game Boy Advance (no remake do primeiro jogo e em Fusion, o quarto episódio da franquia) e, mais recentemente, no Nintendo 3DS, com Samus Returns, o remake da segunda aventura da caçadora espacial, lançado originalmente para o primeiro Game Boy. De lá pra cá, tivemos os jogos da série Prime e o divisivo Other M que, apesar de canônicos, não colocaram a história, iniciada no primeiro jogo, pra frente.
Em meio à ansiedade de alguma notícia da continuação da série Prime, anunciada no ano de lançamento do Switch, em 2017, a Nintendo pegou todo mundo de surpresa, em sua conferência na E3 desse ano, ao apresentar a continuação de Fusion, Metroid Dread. O jogo marca o retorno das aventuras de Samus Aran dentro de uma estrutura de gameplay mais tradicional – com progressão side-scrolling – e finalmente fechará o arco de história iniciado pelo primeiro título, em 1986. Desenvolvido pelo estúdio Mercury Steam, Metroid Dread chegou com exclusividade para os donos do híbrido da Nintendo agora no dia 08 de outubro.
Distribuição: Nintendo
Desenvolvimento: Mercury Steam
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Ação, Aventura
Classificação: 10 anos
Português: Não
Plataformas: Switch
Duração: 8 horas (campanha)/11.5 horas (100%)
Lore transmídia
De forma bem resumida, os primeiros títulos da série Metroid buscam apresentar a jornada da outrora integrante da Federação Galáctica e, agora, caçadora de recompensa, Samus Aran. A heroína usa uma armadura biotecnológica, a Power Suit, desenvolvida pela raça de homens pássaros Chozo, na luta contra Mother Brain e os piratas espaciais que estão transformando uma raça misteriosa conhecida como Metroid em arma biológica. Metroid Dread é o quinto episódio da cronologia principal da série. Em ordem, temos o primeiro Metroid (1986), Return of Samus (1992), Super Metroid (1994) e Metroid Fusion (2002). A história dos jogos – com forte inspiração em terror sci-fi como “Alien: o oitavo passageiro” – não são tão profundas e bem desenvolvidas. Algo muito comum em títulos das primeiras gerações de consoles, em que o foco estava na gameplay e no score, mas não na narrativa.
Conforme os anos foram passando e tendo alcançado relativo sucesso, a Nintendo resolveu ampliar e contar um pouco mais da história de Metroid, só que em outros formatos. Podemos dizer que a história dos títulos da série é transmídia. É verdade que você consegue entender boa parte da lore com seus jogos, mas é como nadar na superfície das águas de um oceano. Para compreender melhor tudo que se passa, é necessário mergulhar de cabeça e se debruçar em outros materiais, como os mangás que contam a origem de Samus, sua família e a relação dela com os Chozos.
O problema é que nem todo mundo está disposto a isso e muito desse material não existe no Brasil, o que nos obriga a recorrer a fóruns, vídeos e outros meios não convencionais para ter acesso a informação. É um recurso que, particularmente, não gosto e que no geral acaba por afastar, principalmente, novatos da franquia. Felizmente, apesar de não explicar em detalhes a história de Samus, Metroid Dread nos dá toda ferramenta necessária para que possamos compreender minimamente a lore mesmo não tendo contato com nenhum outro antes.
O início de Metroid 5
A história de Dread tem início após os acontecimentos de Fusion e conta com uma breve recapitulação dos acontecimentos que sucederam o quarto jogo. Jogando os títulos anteriores, descobrimos que os Metroids são, na verdade, criação dos Chozo para combater uma perigosa raça alienígena, natural do planeta SR388, que consegue se fundir ao seu hospedeiro – guardando até mesmo memórias – chamado de Parasita X.
Em Metroid Fusion, Samus é contaminada por esse parasita, mas é salva com uma infusão de DNA Metroid em seu organismo. Depois de muitos percalços, a heroína consegue finalmente eliminar a ameaça, ou pelo menos é nisso que todos acreditavam.
Uma misteriosa transmissão, vinda do planeta ZDR, foi interceptada pela Federação Galáctica. Ao que parece, os Parasitas X estão infestando o lugar. Criaturas robóticas chamadas EMMI são enviadas para o local para averiguar, capturar, extrair o DNA e eliminar de vez a ameaça, caso necessário. Porém, a Federação perdeu contato com os sete robôs enviados.
Por ser imune ao Parasita X, Samus mais uma vez é contratada pela Federação Galáctica. Sua missão agora é ir até o planeta ZDR para descobrir o que houve. O problema é que assim que chega ao local, ela se depara com uma figura Chozo misteriosa que a ataca. E os robôs EMMI, que foram enviados para eliminar os Parasitas X, passaram a encarar a caçadora de recompensa como uma ameaça. É aí que a aventura começa!
Em Metroid, o foco sempre esteve muito mais na exploração e busca de itens do que na narrativa em si. Em Dread, há um equilíbrio que torna os mistérios em torno da história tão instigantes quanto o novo poder que iremos adquirir numa estátua Chozo em alguma parte isolada do mapa. Esse cuidado é excelente, principalmente por poder situar os novatos na lore da franquia. Assim, a dinâmica não se resume a explorarmos os mapas gigantes do planeta ZDR na busca de itens que ampliem a quantidade de mísseis, tanques de energia, ou que revitalizem os poderes da Power Suit. Mas, está tudo interligado, tornando a experiência muito mais completa e imersiva.
A responsabilidade de Dread
Metroid Dread possui uma grande responsabilidade. O primeiro game revolucionou os jogos de plataforma 2D de ação e aventura. E, de lá pra cá, as mecânicas que foram estabelecidas em Metroid, foram ganhando mais camadas de refinamento, como os elementos de RPG implementados em Castlevania: Symphony of the Night, de 1997. E esse é o problema! Todo esse refino ficou a cargo de outros títulos, seja pela visão conservadora da Nintendo que pouco mexeu na fórmula do jogo ou pelos títulos da série parecerem estar agarrados a certo público de nicho, sendo por isso preterido pela empresa por anos. Ao que parece, não havia muito estímulo e disposição em investir em uma franquia que não resulta em vendas. Principalmente, se compararmos os números de outros títulos da casa como Mario e The Legend of Zelda.
Nesse sentido, diante desse hiato, coube a outros estúdios (em especial os indies) resgatarem, refinarem e popularizarem o subgênero que ficou conhecido como Metroidvania. Me refiro a jogos como Ori, Blasphemous, Sault and Sanctuary, Guacameele, Death’s Gambit e, claro, Hollow Knight, só para citar alguns. A missão de Dread, portanto, salvo se provar relevante para a própria Nintendo e para o público consumidor, é se adequar aos novos tempos mantendo o alto padrão de qualidade de jogos que vieram depois das aventuras da caçadora espacial, que se inspiraram nelas, mas que trilharam seu próprio caminho, ajudando no processo de consolidação dessa revolução, como citado acima, dos jogos de plataforma.
O mesmo de sempre com traje de gala
É fato que Metroid mudou a forma de se conceber um jogo de plataforma e lançou as bases que culminaram na criação de todo um subgênero. Havia certa expectativa se a equipe da Mercury Steam iria usar um pouco do know-how de títulos que vieram depois das aventuras de Samus Aran para conceber o novo Metroid. Mas, não é bem isso que acontece.
Para todos os efeitos, temos a mesma fórmula Metroid de sempre, com uma ou outra novidade em sua gameplay. O jogo pode ser encarado como uma celebração, uma ode a tudo que foi construído ao longo do tempo. Quando vamos a uma festa, não nos arrumamos, nos perfumamos, cortamos o cabelo e por aí vai? A gente quer ficar mais vistoso, se vestir de forma adequada, mas, em suma, somos as mesmas pessoas de sempre. Metroid Dread também se arrumou para a sua festa, mas é o mesmo jogo de sempre, só que vestindo um traje de gala.
Não precisamos fazer grinding para subir de nível, não temos à nossa disposição uma árvore de habilidades para desbloquear, amuletos ou cartas generosas que concebem ou ampliem alguns de nossos poderes. Não há elementos de RPG ou quaisquer tipos de acessórios que melhoram o status de Samus. Não existe, nesse sentido, a possibilidade de compará-lo com Metroidvanias que vieram depois dele. O título só pode ser comparado com os jogos da própria franquia e mais nenhum outro.
As novidades são sutis e pontuais. O contra ataque melee presente em Samus Returns, também da Mercury Steam, está presente em Metroid Dread. Além disso, Samus conta com um dash que dinamiza muito as batalhas; ela é mais rápida e possui um poder stealth muito útil nos momentos de perseguição, que falarei mais pra frente. Em linhas gerais, as novidades estão atreladas à narrativa e ao level design, atualizando a fórmula sem deturpar nem um pouco a identidade da série. Salvo isso, todos os poderes já conhecidos da caçadora de recompensas dão as caras novamente: mísseis de gelo, Wave Beam, Varia Suit, Morph Ball, Power Bomb, Speed Booster e muitos outros.
Mesma identidade visual e sonora
O visual de Metroid Dread – o primeiro título em alta definição – é incrível, e isso fica claro desde o primeiro momento, quando a gente presencia a transição suave da cutscene inicial para a gameplay. Eu, particularmente, fiquei parado por um momento até perceber que já podia controlar Samus.
Para os veteranos da série os cenários contam com um identidade visual similar a dos jogos anteriores, só que agora modelados em 3D, apesar de manter a progressão clássica em 2D. Metroid Dread se passa dentro de laboratórios ou estações espaciais, apresentando muito pouco do bioma e áreas externas do planeta ZDR. Isso não compromete a experiência em nada, é verdade, mas se a equipe de design abraçasse essa ideia tornaria cada uma das áreas muito mais marcantes.
O mesmo vale para as melodias. A música de quando conseguimos adquirir um novo poder na estátua Chozo, por exemplo, é exatamente a mesma dos títulos anteriores. Isso é ótimo! Mas, a OST que acompanha o resto do jogo não é memorável e não chega nem aos pés de outros títulos da própria Nintendo, como a belíssima trilha sonora de Mario Galaxy, Xenoblade Chronicles, Mario Odyssey e The Legend of Zelda: Breath of the Wild.
Enfrentando os EMMIs
Apesar de usarmos, praticamente, todos os botões do controle do Switch, a curva de aprendizado é muito bem cadenciada. Uma nova habilidade só nos é apresentada depois que estamos já há um tempo familiarizados com as outras. E é incrível a sensação de poder que essas novas habilidades dão, mesmo em pontos mais avançados na trama. Os controles, em Metroid Dread, são precisos e a movimentação é muito rápida. Não existe a possibilidade, por exemplo, de andar com a personagem caso pressionemos o analógico com menos força. Samus sempre irá correr, e há um motivo pra isso.
Metroid Dread precisa ser rápido por conta dos robôs EMMI que perseguem Samus em algumas partes dos cenários. Esse elemento de perseguição tornou o jogo muito mais próximo das obras de terror espacial que o inspiraram. Ao longo da aventura, temos que encarar sete desses robôs. Quando entramos numa área em que podemos nos deparar com um EMMI, a música muda e podemos escutar ao fundo os bips que eles emitem ecoando pelo cenário, aumentando ainda mais nossa tensão. Esses momentos me causaram a mesma sensação de quando me deparava com Nemesis em Resident Evil 3, do primeiro PlayStation.
As armas da Power Suit não possuem efeitos nesses predadores mecânicos. Os EMMIs só podem ser derrotados quando ativamos o modo Omega Cannon ao absorvermos a energia de algumas criaturas da Unidade Central dos laboratórios. Salvo isso, nossas alternativas são fugir, se esconder usando a Phantom Cloack (um novo item que confere a Samus um poder furtivo) ou torcer para acertar com precisão um contra-ataque. Errou? É game over! E você verá isso muitas e muitas vezes ao enfrentar esses robôs.
Uma experiência acessível
Metroid Dread conta com oito áreas para explorarmos, além da área final. Cada área possui um visual próprio e um mapa gigante. Fora a possibilidade de buscarmos mísseis, tanques de energia, Power Bombs e novas habilidades para Samus nas estátuas Chozo, cada EMMI derrotado contém um poder que pode ser absorvido por nossa heroína. Apesar do tamanho do mapa assustar, a progressão até Itorash – a última área – possui certa linearidade. Mas, os locais ficam acessíveis para exploração, caso queira buscar 100% dos itens do jogo.
A presença dos EMMI elevaram timidamente a dificuldade de Metroid, mas ele está longe de ser punitivo e difícil. A batalha contra os chefes, da mesma forma, estão mais cadenciadas e requer a memorização de certos padrões para poder vencê-los, elevando um pouco a dificuldade. Para sairmos vitoriosos, temos que nos debruçar na dobradinha infalível “tentativa e erro”. Esse é um diferencial em comparação aos outros jogos da série, em que, para vencer os chefões, bastava enchê-los de tiros. Ainda sim, a experiência com Metroid Dread é bem acessível e democrática. E qualquer associação do jogo como algo próximo a um souls-like, em termos de dificuldade e mecânicas, é simplesmente risível.
Comparado aos outros da série, Metroid Dread é um pouco mais longo. Levei cerca de vinte horas para zerá-lo buscando 100% dos itens espalhados pelos cenários, porém, alguns conseguiram o mesmo com um pouco mais de dez horas – e speedrunners em menos de sete. Isso varia com o estilo de jogo de cada um. De toda forma, Dread é um game que não cria “barrigas” em certos momentos da jogatina ou em seu roteiro. Como todos os outros jogos, ele vai direto ao ponto. Nesse sentido, a busca por habilidades, itens e os mistérios acerca da história nunca se tornam cansativos.
Uma carta de amor
Metroid Dread é um jogo que consegue agradar a diferentes públicos. Ele serve para apresentar a série de forma muito competente aos novatos, além de conseguir agradar os aficionados em Metroidvanias que estavam órfãos da série – como esse que vos escreve -, sem falar que é uma verdadeira carta de amor aos veteranos.
Olhando em retrospecto, ouso dizer que é o melhor jogo Metroid já feito, superando inclusive os incríveis Super Metroid e Metroid Fusion. Após dezenove anos, poder se aventurar nesse mundo idealizado por Yoshio Sakamoto é simplesmente emocionante. Que não tenhamos mais que esperar décadas por um novo título da primeira heroína dos videogames. Samus Aran está de volta!
Cópia de Switch adquirida pelo autor
Revisão: Jason Ming Hong