resident-evil-e-multiplayer-uma-relacao-complicada-01

Resident Evil e multiplayer, uma relação complicada

Resident Evil chegou no mundo como um terror de sobrevivência designado para um único jogador. Com altos e baixos em seus 26 anos de estrada, a série sempre precisou se reinventar para continuar relevante, e com o online para consoles despontando no começo dos anos 2000, a franquia naturalmente se expandiu para o multiplayer. Mesmo antes da existência de um título para múltiplas pessoas, a Capcom já experimentou com o conceito em RE0, uma prequel que oferece um survival horror em dupla, mas em um formato single player que faz o jogador alternar entre dois personagens distintos. 

Um novo conceito

Personagens de Resident Evil Outbreak

A desenvolvedora lançou uma experiência verdadeiramente multiplayer em dezembro de 2003, com o spin-off Outbreak. Situado nas horas finais de Raccoon City, o título mostrou como os oito civis jogáveis sobreviveram ao incidente que ocorreu em 1998. Porém, as capacidades online não eram o forte do PlayStation 2. A lendária plataforma da Sony contava com uma estrutura arcaica, ao ponto de uma região inteira ter ficado sem acesso ao modo multijogador. Isso tornou o jogo em um produto para apenas um único jogador aos olhos de muitos ao redor do globo terrestre. Por conta dos ótimos conceitos apresentados, Outbreak se transformou no padrão de como um Resident Evil online deve ser – embora muitos tenham sequer curtido as partidas em rede, provavelmente pela ausência de suporte ou pelo efetivo combate à pirataria da época ou pelos servidores, que hoje só são acessíveis por meio de gambiarras. 

O game sofreu com problemas durante seu processo de desenvolvimento. A visão dos produtores era grande demais para o videogame escolhido, o que resultou em um estado técnico sofrível, com longos tempos de carregamentos entre cada área dos mapas. Boa parte do material planejado simplesmente não saiu do papel dentro do prazo estipulado pela publisher, levando ao lançamento do File #2, um disco a parte com novos cenários e atualizações na jogabilidade. Devido à execução decepcionante e desastrosa, a sub-série não foi bem recebida pelos críticos e usuários, agravando a crise comercial sofrida pela franquia no início do novo milênio. As vendas péssimas e as notas baixas provavelmente explicam porque a Capcom jamais ousou tentar algo parecido desde então, mesmo com os consoles de hoje sendo plenamente adequados para o que a equipe tentou realizar neste projeto. 

Do sucesso ao fracasso

Ilustração de Chris e Sheva, protagonistas de Resident Evil 5

Em Resident Evil 5, a Capcom deixou de focar no terror para um jogador em favor de uma montanha russa de ação totalmente construída para duas pessoas. Produzido com tecnologia de ponta, o jogo virou o produto mais vendido de toda a franquia graças aos bons refinamentos realizados na fórmula de RE4 combinado com o foco no cooperativo, seja localmente ou por meio da PSN ou da Live, redes que realmente funcionavam com facilidade e simplicidade. RE6, a maior produção da Capcom até então, saiu em 2012 apostando nas qualidades do quinto jogo, apresentando uma gameplay medíocre e disfuncional através de todas as quatro campanhas cooperativas distintas. Com uma performance péssima e diversas decisões de game design questionáveis, o título acabou virando um dos maiores fracassos da indústria.

O baque obrigou a Capcom a recalcular suas rotas, levando ao remake de RE2 e uma nova direção em RE7. A franquia voltou a brilhar perante os olhos dos jogadores e da crítica, enquanto o multiplayer foi deixado de lado pela empresa. Os projetos do gênero foram retomados em 2019, com o anúncio de Resistance. O terror assimétrico chegou como parte do pacote da reimaginação de RE3, em uma estratégia para justificar a falta de conteúdo do jogo que retrata a luta de Jill Valentine contra Nemesis. A mesma tática foi repetida em Re:Verse, um jogo PvP distribuído junto com Village. Bugados e lagados, os dois jogos foram incluídos como parte obrigatória de produtos direcionados para consumidores interessados em experiências completamente diferentes. Aquém das altas expectativas criadas por Outbreak e pelos títulos atuais do gênero, as criações da Neobards Entertainment fracassaram, atingindo números ridiculamente baixos na Steam, a principal loja de PC. 

Sucessão de fiascos

Captura de Resident Evil Re:Verse

Entre quase todos os exemplos citados, o elo em comum é o mesmo. As investidas da Capcom no multiplayer quase sempre terminam mal porque a publisher insiste em disponibilizar jogos mal feitos, criados por times secundários, sem a típica atenção à qualidade que a distribuidora costuma empregar em suas grandes empreitadas. Hoje em dia, o GAAS (game as a service) é visto como uma fonte de receita infinita. Contudo, é importante notar que todos os nomes bem sucedidos que usam esse modelo de negócios oferecem uma jogabilidade bem feita, além de constantes adições de conteúdo. Também é preciso ressaltar que muitas tentativas nesse formato acabaram dando errado, pois construir algo que consiga manter o interesse de jogadores a fim de garantir uma lucratividade por um longo prazo não é uma tarefa fácil.

No entanto, não falo de uma pequena empresa, e sim de uma das maiores desenvolvedoras japonesas, que tem em suas mãos uma franquia que não pode ficar recebendo títulos medíocres, dado sua relevância histórica para toda a indústria gamer. Dentro da Capcom, talento apto a criar boas experiências multiplayer certamente não está em falta, visto que Monster Hunter vive o melhor momento de sua história e Exoprimal é uma grande promessa para esse ano. Mas se a mentalidade dos responsáveis não mudar, dificilmente veremos um bom online de RE novamente. Antes inovadora, a franquia que hoje se escora nas glórias de seu passado não consegue parar de repetir os mesmos vacilos cometidos há 20 anos. Será difícil confiar no potencial de um provável remake de Outbreak, o qual acredito não ser um carta fora do baralho, considerando a fase atual da série.