Um soulslike sem a temática sombria característica é o tipo de ideia que me faria levantar a sobrancelha e desconfiar. Mas Enotria: The Last Song abraça a luz do sol sem perder o peso do gênero.
Inspirado no folclore italiano e embalado por uma direção de arte luminosa, ele troca catacumbas cinzentas por vilarejos ensolarados e, ainda assim, mantém o tempero soulslike aplicado do jeito certo. Você veste máscaras, altera a realidade com Ardore e, quando a coisa aperta, quem canta é o parry.
Desenvolvimento: Jyamma Games
Distribuição: Jyamma Games
Jogadores: 1 (local)
Gênero: RPG
Classificação: 10 anos (violência)
Português: Interface e legendas
Plataformas: PC, PS5, Xbox Series X/S
Duração: 12,5 horas (campanha)/22 horas (100%)
Uma ópera à luz do sol

O mundo de Enotria foi engessado pela Canovaccio, uma peça eterna que aprisiona tudo num papel escrito de antemão. Assim, entra em cena o nosso “ser sem máscara”, livre para desafiar os autores dessa peça, vasculhar becos claros demais para os olhos e, claro, morrer tentando.
A premissa casa bonito com o visual: paisagens mediterrâneas quentes, fachadas elegantes e aquela sensação de verão que engana — por trás do cartão postal, mora a desgraça. É uma boa troca de ar para o gênero, e não é só cosmética: a fantasia teatral permeia a progressão, dos chefes até a forma como o jogo explica habilidades e papéis.
Máscaras, Ardore e a alegria de trocar de set

A graça aqui é brincar de diretor: você derrota inimigos, pega suas máscaras e assume papéis que mudam status, perks e até a forma de encarar o combate. São dezenas de máscaras e um painel de talentos, o Caminho dos Inovadores, que permite montar builds diferentes, combinando bônus em cada máscara. O pulo do gato: dá para alternar até três conjuntos completos a qualquer momento, sem desmontar peça por peça. Resultado? Teste, erre, troque e siga adiante. A variedade de estilos ajuda o jogo a não enjoar, e você sente isso em cada corredor novo.
Ardore, por sua vez, é o “truque de palco”: um poder que altera a realidade para abrir caminhos, revelar plataformas, resolver puzzles e criar oportunidades táticas. Em combate, esse elemento funciona como uma carta na manga: você ativa, atordoa inimigos por um instante e revela passagens ou plataformas. Pelas reviews da comunidade na Steam, alguns jogadores queriam ver isso mais vezes. Eu, particularmente, achei a dosagem certa. Quando aparece, rola aquele “aha!” que combina com a proposta teatral do jogo.
Parry é rei

Se existe uma lei não escrita em Enotria, é esta: o parry manda no baile. O jogo encoraja, para não dizer exige, que você aprenda a aparar. A janela é mais generosa do que em muitos soulslike, com um feedback sonoro na execução perfeita. Isso empurra a experiência para um ritmo ofensivo: avançar, provocar, aparar e punir. Quando encaixa, é pura música.
Sobre chefes: variedade tem, dificuldade também. Alguns gigantes exageram na “hitbox fullscreen” (sim, Zanni, the First Mask, estou falando exatamente de você), e em raros momentos a câmera e os alcances parecem combinados para te pegar no contrapé. Nada que estrague a festa, mas vale o alerta. E sim, encontrei um “primo distante” da Malenia: Vermiglio, the Red Prior, com mecânica de cura que transforma a luta num duelo de paciência e execução.
Trilha, performance e aquele polimento que importa

A trilha sonora é um espetáculo à parte. Do tema dos chefes às peças mais contemplativas, não achei um encontro mal servido. Por isso, ressalto aqui a música e a ambientação como pilares que, definitivamente, elevam essa jornada. Visualmente, o jogo é um cartaz turístico que te esfaqueia pelas costas, e essa dicotomia funciona muito bem ao longo das mais de 40 horas prometidas, com regiões que variam o suficiente para manter o frescor.
No meu PC, a performance ficou lisa, sem muitos engasgos, travamentos ou bugs perceptíveis. No entanto, lendo as avaliações do jogo na Steam, a recepção crítica aponta um quadro misto: há quem aponte falhas em colisões e episódios de stuttering em certos confrontos, enquanto outros destacam a força do sistema de máscaras e a personalidade do mundo. Em outras palavras: se você curte o gênero, vai enxergar o brilho. Se espera precisão a nível de FromSoftware em tudo, talvez se sinta decepcionado aqui ou ali.
Entre o sol e a sombra
Enotria: The Last Song é aquele soulslike que dá gosto de recomendar para quem já perdeu boas horas em busca do anel prístino ou tentando reacender a Primeira Chama, e que pode fisgar novos curiosos pelo cenário ensolarado e pela fantasia teatral. A dança entre máscaras, a alternância de builds em tempo real e o uso pontual de Ardore mantém a jogabilidade fresca, enquanto o “meta” do parry dita o compasso das lutas com clareza. Quando exibe suas melhores cartas (chefes inspirados, trilha impecável, puzzles de Ardore), o jogo canta alto. Quando tropeça (hitboxes esquisitas, momentos de stuttering), desafina um pouco, mas não sai do tom.
Se você estava atrás de um souls para matar a saudade dos clássicos sem abrir mão de pequenas inovações, encontrou. Vista a máscara certa, mantenha a guarda no ritmo e deixe o parry falar por você. No palco de Enotria, a mudança é o papel principal, e a sua melhor arma.
Cópia de PC adquirida pelo autor
Revisão: Julio Pinheiro