Hell Clock consegue misturar de forma surpreendente a jogabilidade viciante de um Diablo com elementos de roguelike e uma fatia pouco lembrada da história do Brasil: a Guerra de Canudos. O resultado é um jogo que não só diverte, mas também provoca reflexão, mostrando que o desenvolvimento de games nacionais pode ser ousado, criativo e, acima de tudo, competente.
Ficha Técnica
Desenvolvimento: Tandrl Studio
Distribuição: Tandrl Studio
Jogadores: 1 (local)
Gênero: RPG
Classificação: 14 anos (violência, temas históricos)
Português: Dublagem, interface e legendas
Plataformas: PC
Duração: 15 horas (campanha)
Diablo encontra o relógio da morte

A base de Hell Clock é um RPG de ação no estilo Diablo, com progressão por fases e hordas de inimigos à espreita. O pacote é completo: árvore de habilidades passivas, magias, equipamentos e itens que podem ser melhorados — todos elementos familiares e bem implementados.
O lado roguelike aparece na disposição aleatória dos inimigos e nas habilidades passivas adquiridas a cada nível. Aqui, o fator replay ganha força, embora a falta de variedade nos andares diminua um pouco a longevidade.
O diferencial, claro, está no Hell Clock: cada rodada é limitada por uma medida de tempo específica, como uma contagem regressiva. O jogador precisa equilibrar pressa e estratégia para maximizar sua performance. Esse sistema funciona muito bem e adiciona tensão real às partidas, criando uma identidade única para o jogo.
Outro mérito está na performance técnica: mesmo em momentos caóticos, com a tela repleta de monstros, Hell Clock se mantém fluido e estável. Porém, há falhas pontuais na IA dos chefes — em certas situações é possível explorar brechas e derrotá-los com facilidade, o que quebra parte do desafio. Ainda assim, o gameplay é sólido e viciante.
O sertão em cel-shading

Hell Clock aposta em visuais cel-shading competentes, que funcionam bem para seu estilo. Mas o que realmente chama a atenção é a direção de arte: cenários áridos, armas improvisadas e personagens que refletem o sertão brasileiro dão identidade forte ao título.
O pano de fundo da Guerra de Canudos aparece em cada detalhe visual, criando uma atmosfera pesada e memorável. Infelizmente, os designs de monstros não têm o mesmo impacto, soando genéricos em comparação ao restante do trabalho artístico.
Fantasia sombria forjada na memória de Canudos

Em Hell Clock, o jogador encarna Pajeú, o Clockmaker, numa jornada que começa no sertão brasileiro do final do século XIX, durante a brutal Guerra de Canudos. O conflito real e histórico ganha uma reinterpretação sombria, transformando-se num purgatório infernal onde passado e fantasia colidem.
Enquanto busca resgatar a alma de seu mentor, Pajeú precisa enfrentar hordas demoníacas que habitam um mundo grotesco forjado pela Guerra de Canudos — um tributo sombrio àquela tragédia brasileira pouco lembrada. O game se distingue ao fundir elementos simbólicos do sertão e da fé desesperada com uma atmosfera de terror e resistência, numa narrativa que vai além da ação, trazendo peso histórico e emocional raro nos ARPGs nacionais.
O Hell Clock (dispositivo mágico que dá nome ao jogo) simboliza essa simbiose entre história e fantasia: ele impõe um limite de tempo a cada descida, reforçando a urgência da missão e o ritmo frenético da narrativa.
Sertão sombrio

A trilha sonora cumpre bem seu papel, mesclando sonoridades sertanejas com um clima sombrio que combina com o peso da ambientação. Ainda que não seja memorável, ela reforça a atmosfera e contribui para a imersão.
O tempo do Brasil nos games
Hell Clock é criativo, corajoso e essencial para mostrar o amadurecimento dos jogos brasileiros. Ao unir mecânicas sólidas, direção de arte inspirada e um resgate histórico ousado, o título prova que podemos transformar nossas próprias histórias em experiências divertidas e reflexivas.
Apesar de pequenas falhas na IA e nos designs de monstros, Hell Clock cumpre sua proposta com personalidade e merece ser celebrado como um dos RPGs de ação mais interessantes já feitos no Brasil.
Cópia de PC cedida pelos produtores
Revisão: Julio Pinheiro