Legends of Ethernal, jogo de estreia do estúdio Lucid Dreams, é uma aventura que mistura exploração, plataforma e combate estratégico em um belo mundo de fantasia com elementos de estética medieval. Acompanhamos o desenvolvimento de um personagem expressivo e com quem é fácil se identificar. Todos os cenários e personagens são desenhados à mão e a trilha sonora cria um clima que combina a tensão da aventura, a estética que associamos como medieval e a emoção, solidão e introspecção que marcam a jornada do protagonista.
Desenvolvimento: Lucid Dreams Studio
Distribuição: Natsume
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Aventura, Ação, Plataforma
Classificação: Livre
Português: Não
Plataformas: Switch, PS4, Xbox One e PC
Duração: 10h (campanha)
A história de Wilfred
Com desenhos simples rabiscados em um papel amarelado e a leitura das palavras de um sábio de outra época, somos introduzidos ao mundo de Arkanys e à tragédia que viveu. Um evento cataclísmico chamado de “A Queda” é citado logo no começo e, de forma misteriosa, somos informados que para compreendê-lo é preciso conhecer a história de um rapaz.
Quando encontramos o jovem Wilfred Van Dervill, ele está encerrando uma sessão frustrada de pesca. Por sua imagem, fala e ação, o herói é construído como uma pessoa simplória, com preocupações e habilidades absolutamente mundanas. Quando volta para casa, se depara com o acontecimento que dá início à sua jornada: o desaparecimento de sua mãe e de seu pai e um cenário de destruição.
A dúvida sobre quem ou o que levou seus pais e a possibilidade de resgatá-los são o principal motivador das ações de Wilfred. Ele sai de casa carregando apenas sua vara de pescar (utilizada a partir daí como uma arma fraca, porém ágil) e a bolsa de seu pai, onde começa a carregar o éter que consegue pelo mundo, quebrando caixas e derrotando inimigos.
À medida em que investiga o desaparecimento de seus pais, é possível ver Wilfred se transformando. Esse processo faz do rapaz simples um guerreiro, cada vez com mais habilidades, mas também reverbera em sua visão de mundo e de si mesmo. Para avançar pelo mundo precisa derrotar outros seres. Wilfred sente orgulho de seus feitos, mas também se questiona, com emoção crescente, sobre o sangue que derrama, suas próprias motivações e a justificativa para a violência que promove contra seres inocentes.
As mortes são acompanhadas por uma tela de carregamento que dialoga esteticamente com a história inicialmente contada, lembrando que o que estamos jogando é uma narrativa determinística, ainda que não saibamos seu final. Quando o personagem morre, o jogo nos avisa: “não é assim que termina a história de Wilfred” e temos uma nova oportunidade de levar o herói até seu misterioso destino final.
Caminhos tortuosos
Se Arkanys é um mundo intrigante, a experiência de se jogar Legends of Ethernal não oferece a mesma profundidade. Os movimentos básicos, disponíveis desde o início, conferem ao jogador a possibilidade de se movimentar, saltar, atacar e desviar. Ao longo do jogo, é possível adicionar outras habilidades, tanto passivas, como um item que permite superar determinados obstáculos, quanto ativas, que são aquelas que procuram oferecer uma maior diversidade de ações e costumam consumir o éter coletado pelo mundo.
O movimento geral de Wilfred é bastante simples e previsível, o que faz com que os desafios de plataforma sejam claros e acessíveis para jogadores de vários níveis. Essa opção, entretanto, também faz com que a experiência de atravessar os mundos possa ser, em alguns momentos, tediosa. A impressão de lentidão do movimento fica mais acentuada nos poucos momentos em que é preciso ir e voltar pelo mapa em busca de algum segredo deixado para trás. O jogo fornece um mapa bastante básico, que permite apenas entender em qual região o jogador se encontra, mas não tem opções de travessia rápida.
O combate, por sua vez, oferece uma diversidade maior de movimentos. Para se esquivar de golpes, Wilfred é capaz de dar uma cambalhota, mas precisa esperar alguns momentos antes de repeti-la. Esse é um movimento importantíssimo porque não há muito espaço para erros nos combates. Além dos golpes de curto alcance com a vara de pescar e demais armas que podem ser encontradas ao longo do tempo, éter de quatro cores distintas oferecem a possibilidade de outros movimentos. Os principais são a utilização de objetos que permitem ataques variados de longo alcance e a possibilidade de recuperação completa da energia a qualquer momento. Cada um deles gasta o éter encontrado em caixas e em inimigos derrotados.
Wilfred tem uma barra de energia que pode ser parcialmente completada nas fogueiras azuis e vermelhas espalhadas pelos ambientes (que também servem como pontos de salvamento). E cada um dos seres que encontra é capaz de golpeá-lo de uma maneira diferente. Legends of Ethernal se torna mais difícil que o previsto quando percebemos que há certa inconsistência no que realmente causa dano ao jogador. Há projéteis que podem ser desviados no ar, outros não; há golpes em que a detecção parece maior ou menor que a imagem. Essa dificuldade parece ter sido uma motivação para a criação de cinco dificuldades distintas no jogo, desde aquela que permitiria ao jogador apenas viver a história até uma extremamente difícil (que pessoalmente não tenho o mínimo de motivação para tentar).
Batalhas Épicas
O ponto alto, tanto narrativo quanto de jogabilidade são os chefões de cada região. Eles oferecem o tipo de batalha que permite usar o arsenal de Wilfred da maneira mais criativa e estratégica. Ao contrário de outros inimigos, a dificuldade intensa da batalha contra os chefes não chega a frustrar o jogador, servindo como os ápices do jogo.
É também nos diálogos com cada chefe que a história se desenrola de forma mais intensa, possibilitando a Wilfred o seu desenvolvimento enquanto personagem complexo. Os chefes consolidam a construção de cada um dos diferentes coletivos encontrados e combatidos pelo herói: seres das árvores, vermes subterrâneos, anfíbios antropomorfos, soldados fantasmas. É encontrando os chefes que percebemos suas motivações, personalidade e posição em Arkanys.
Legends of Ethernal faz um trabalho muito interessante de conferir a cada um dos grupos encontrados um traço de linguagem distinto, representado por estilos de linguagem ou mesmo por recursos tipográficos. Há aqueles mais formais, que utilizam recursos antigos e eruditos da língua (como as segundas pessoas do inglês ou o vosotros espanhol para se referir a um interlocutor singular), aqueles que demonstram pouco domínio do idioma de Wilfred (utilizando construções simples, sem conjugações ou flexões), além de recursos como o itálico (que dá a impressão de uma fala sibilante) e a alternância de maiúsculas e minúsculas (que confere um aspecto anti-natural ou inorgânico à fala). É uma pena que não exista tradução para português, não podemos ver essas variações em nossa língua, mas também porque a percepção dessa riqueza cultural demanda algum conhecimento maior de outro idioma.
Valeu a Pena, Wilfred?
Uma narrativa intrigante é suficiente para compensar uma jogabilidade pouco inspirada? Pessoalmente, a experiência de jogar Legend of Ethernal foi ambivalente. Se por um lado a riqueza do mundo de Arkanys e o desenvolvimento do personagem principal me prendiam mais e mais no jogo, a ideia de ligar o Nintendo Switch e atravessar esses mundos me fazia suspirar resignado. O sentimento prevalecente transitava, assim, entre o encanto e o tédio, entre fascinação e frustração.
O resultado final é algo que traz ótimas ideias, muito bem vindas no universo dos games, mas que no fim das contas não é tão divertido de ser jogado. E se Legends of Ethernal deixa a desejar, é preciso levar em conta que se trata do primeiro jogo lançado pela Lucid Dreams Studio, que nos dá motivos para acompanhá-los e atentar a seus próximos projetos.
Cópia de Switch cedida pelos produtores
Revisão: Jason Ming Hong