Na época do Japão Feudal, na era Tokugawa, no tempo do Shogunato, os conflitos territoriais que marcaram o período haviam cessado. Diante desse momento de relativa paz, muitos artesãos (que fabricavam armas de guerra) e, principalmente, os Samurais, ficaram desempregados. Aqueles que não conseguiram se ajustar à essa nova realidade social encontraram espaço nos grupos criminosos. Trazendo consigo o status adquirido, o forte código de honra dos Samurais e o respeito por meio da violência, surgiam os Kabukai-mono (“Os insanos”), grupo que mais à frente ficou conhecido como Yakuza.
Atualmente, a Yakuza possui atividade não só no Japão como no mundo. Apesar da violência que marca a organização criminosa (extorsão, tráfico e lavagem de dinheiro), há certo fetiche sobre suas práticas, fazendo com que os mesmos figurem no imaginário social e coletivo e os alce ao status do folclore nacional japonês (assim como foi o banditismo social dos Cangaceiros, no Brasil). As tatuagens, por exemplo, que tomam quase que o corpo inteiro, simulam uma espécie de robe e até hoje inspiram um misto de medo e admiração.
Desenvolvimento: Ryu Ga Gotoku Studio
Distribuição: SEGA
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Ação, Aventura, RPG
Classificação indicativa: 18 anos
Português: Não
Plataformas: PC, PS4, PS5, Xbox One e Xbox Series X/S
Duração: 45.5 horas (campanha)/64 horas (100%)
Como num jogo de RPG
A popularidade do grupo pode ser provada pelas inúmeras referências (e reverências) dentro da indústria cultural, através da novelização de suas histórias. E isso não foi diferente com os videogames. Conhecido no Japão como Ryu ga Gotoku, o game Yakuza, criado por Toshihino Nagosui e publicado pela SEGA, buscou retratar de forma irreverente um pouco da mística envolvendo a organização criminosa, focando nos dramas pessoais de alguns de seus membros.
Em novembro do ano passado, um novo capítulo da aclamada série chegou ao PC, PS4, PS5, Xbox One e Xbox Series X/S. Ainda focando no gênero de ação e aventura – como seus predecessores – mas deixando de lado a pegada Beat ‘em up, Yakuza: Like a Dragon abraçou uma progressão pautada em elementos de RPG (como um Dragon Quest). Mesmo com a mudança na jogabilidade e apresentando um novo e carismático protagonista (ao invés de Kyriu), o jogo respeita a mitologia definida pelos capítulos anteriores e mantém seu padrão de qualidade.
O herói de armadura prateada
Em Yakuza: Like a Dragon acompanhamos a história de Ichiban Kasuga, um órfão filho de uma meretriz (sem trocadilhos), que encontra no clã Togo algo próximo de uma família e na figura do patriarca da família Arakawa, Masumi Arakawa, uma relação de pai e filho. Apesar de figurar numa organização criminosa, mais do que qualquer coisa, Ichiban quer ser reconhecido e aceito por seus feitos. Em sua imaginação ele enxerga o mundo como uma aventura de Dragon Quest e ele o seu protagonista, o herói numa armadura prateada.
Acreditando estar salvando o clã Toga da destruição, Ichiban assume a responsabilidade de um crime que não cometeu. O sacrifício – visto como uma honra pelo protagonista – o faz permanecer dezoito anos encarcerado. Ao sair de lá, no entanto, não só o mundo está diferente do que ele guardava na memória, mas também o seu próprio clã. A partir daí Ichiban busca entender, com ajuda de amigos que vai fazendo ao longo de sua jornada (seja um ex-policial ou um sem teto), a verdade acerca dos motivos que levaram Masumi Arakawa a pedir que ele assumisse o fardo da prisão.
O enredo cheio de reviravoltas e a construção de todos os personagens é sensacional. Ichiban – o herói do permanente nos cabelos que deu errado – é um dos personagens mais carismáticos da história dos videogames, sem exagero. Ele é aquele clássico arquétipo do herói de filmes e animações japonesas: não muito inteligente, pavio curto, bom de briga, engraçado, leal e com um forte senso de justiça. Muitas vezes pode nos parecer meio caricato e bobão, mas é um bobão muito bem construído. Tudo isso acaba fazendo com que a gente se envolva e, verdadeiramente, se importe com sua história e dramas frente à Yakuza.
Alguns problemas de performance
Iniciamos o jogo em Sotenbori e Kamarucho, mas a trama se dá, na verdade, na cidade de Ijincho, baseada no distrito de Isezakicho em Yokohama, que é dominada por três famílias criminosas: japonesa (Seiryu), chinesa (Liumang) e coreana (Geomijul). A trindade controla o submundo da região e nutrem uma espécie de guerra fria que permite certa paz no local. A Ryu Go Gotoki Studio conseguiu entregar uma cidade viva, com restaurantes, pontos de táxi para fast travel, mercados, casas de jogos e, principalmente, com bastante gente e carros nas ruas. Apesar de parecer o contrário, o mapa é bem contido e as inúmeras possibilidades de interação com o cenário do jogo trouxeram alguns problemas de performance.
No Xbox Series X/S temos a opção de escolher a qualidade dos gráficos: normal ou alta resolução. A primeira foca na taxa de framerate, já a segunda foca no visual. No Xbox Series S o modo de alta resolução deixa o jogo com uma resolução de até 1440p com um framerate de 30fps. Já no modo normal temos uma resolução de 900p para um framerate de 60fps. Visualmente o jogo é bem bonito, mas independente dos modos que você opte por jogar existem pequenos pop in de textura do cenário e NPCs. No modo de alta resolução há ainda alguns raros (mas existentes) travamentos, principalmente quando iniciamos uma batalha.
Outro ponto digno de nota é em relação a localização. Até o momento o jogo não conta, infelizmente, com legendas em PT-BR. O que para quem não domina outros idiomas, fica difícil para acompanhar a história, já que o jogo conta com muitos diálogos. A legenda em nosso idioma foi prometida para algum momento nesse início de 2021. De toda forma, mesmo com esses problemas, a experiência com o game é bastante positiva. A cidade é bem detalhada, as expressões faciais dos personagens (mesmo os das histórias secundárias) são muito bem feitas e a dublagem japonesa é incrível!
As mudanças e o sistema do jogo
Salvo a troca do protagonismo, a grande mudança no jogo está na alteração do gênero. O antigo Beat ‘em up deu espaço para um RPG por turno, como os clássicos JRPGs, em terceira pessoa. O jogo te dá ainda a opção de jogar com uma câmera em primeira pessoa, mas, salvo para facilitar a busca de itens escondidos pelo cenário, não recomendo jogar dessa forma. A mudança na jogabilidade pode afastar os fãs mais puristas que esperavam uma continuação direta – em todos os sentidos – do último jogo da série e se deparam com algo totalmente novo. Todos os elementos de um RPG estão lá: ganhar experiência, subir de nível, forjar ou comprar armas e equipamentos e por aí vai.
Os inimigos são identificados com marcadores vermelhos na tela e no mapa. As batalhas, dessa forma, podem ser evitadas desde que fiquemos fora do campo de visão dos valentões da máfia. Nossa party é composta por até três membros, sem contar com Ichiban. Assim como Final Fantasy e o próprio Dragon Quest (que Kasuga adora), os personagens que compõem o seu grupo seguem o protagonista – numa fila indiana – na exploração da cidade. Durante as lutas podemos escolher dentre quatro comandos básicos: Defesa, Ataque, Habilidades e Etc, que comporta o acesso a objetos que podem ajudar nas batalhas – como itens de cura – e o contrato de mercenários (dos mais malucos possíveis) para ajudar na batalha, caso esteja encontrando dificuldades.
Ao final de cada batalha vencida ganhamos dinheiro, itens diversos e pontos de experiência, o que exige que percamos um pouco do tempo de nossa jogatina “farmando” nossos personagens. Os pontos de experiência se dividem em três componentes: um clássico que aumenta o nível e os status de nosso personagem (HP, MP, ataque, defesa, entre outros); um atrelado à profissão escolhida; e uma última por vínculo.
As profissões funcionam como as classes nos clássicos JRPGs e podem ser alteradas a qualquer momento no centro de busca de serviços do jogo, chamado de Hello Work. A disponibilidade varia de personagem para personagem e algumas só são desbloqueadas dependendo do nosso nível e vínculo. Cada profissão confere aos heróis um visual diferente nas batalhas, assim como uma arma específica (algumas hilárias, como o massageador erótico gigante usado por Ichiban) para aquela classe.
Conforme subimos no ranque das profissões novas armas e habilidades especiais de ataque, recuperação e suporte passam a ser listados. Já os pontos de vínculo melhoram o trabalho em equipe, garantido mais pontos de experiência para algum personagem que esteja de fora da party principal, o acesso a mais profissões disponíveis no Hello Work e a um divertido golpe especial em equipe quando esse vínculo está completo. Para desbloquear os níveis de vínculo é necessário ouvir seus companheiros no bar Survive. A partir daí os pontos de vínculo adquiridos nas batalhas, em conversas informais, em minigames, assistindo a um filme ou fazendo as refeições ajudam a alcançar o próximo nível.
Conteúdo para dezenas de horas de jogo
Mas, nem só de uma boa história e de batalhas divertidas vive Ichiban e sua turma. O game é cheio de referências a outros jogos e à cultura pop: batalhe contra os Sujimon e complete sua Sujidex ou ajude a um maluco metido a herói de capacete vermelho nos moldes dos super sentai a limpar as ruas dos vilões.
As missões secundárias são incríveis e bem desenvolvidas. Podemos impedir o último caqui de cair do caquizeiro, pois o mesmo é o símbolo da esperança de uma menina enferma; brigar com valentões que estão tentando roubar o leite do bebê de um pai de família; ou servir de cupido para um sem teto apaixonado. Yakuza: Like a Dragon conta com mais de cinquenta histórias secundárias das mais diversas possíveis. Muitas dessas missões são apresentadas de forma “orgânica” e convergem – em menor escala – com a própria história principal do jogo.
Salvo todas as possibilidades que as histórias secundárias nos apresentam, podemos desfrutar de inúmeras outras atividades e minigames: jogar um Virtua Fighter no Club SEGA, Poker, Pinball, participar de uma corrida de kart (que deixa Crash Team Racing no chinelo e daria um ótimo spin-off da franquia Yakuza. Pronto, falei!), cantar num karaokê, tirar fotos suas e da equipe pela cidade, gerenciar sua própria empresa, etc. Enfim, o jogo nos brinda com um conteúdo robusto que irá garantir, com toda certeza, dezenas de horas de diversão.
Um jogo divisivo
Yakuza: Like a Dragon é um daqueles jogos que dividem opiniões. Pode não ser muito atraente aos olhos dos fãs de longa data devido à troca do protagonismo e das mecânicas, mas tem charme, carisma e, principalmente, competência o suficiente para trazer novos fãs que, certamente, irão correr atrás dos outros jogos da série. Para os donos do Xbox que assinam o Game Pass fica a dica: alguns jogos da franquia estão disponíveis no catálogo do serviço. No Xbox Series X/S, Yakuza: Like a Dragon pode ser adquirido via Entrega Inteligente. Ou seja, comprou no Xbox One? Ganha uma otimização gratuita para o console da nova geração. O mesmo, por sinal, vale para os donos do PlayStation. Com muito conteúdo, personagens extremamente cativantes e uma história que nos prende do início ao fim, o novo capítulo da série é imperdível!
Cópia de Xbox Series S cedida pelos produtores
Revisão: Jason Ming Hong