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Review Martha is Dead (PS4) – Fotografia, luto e insanidade

Uma garota determinada em desvendar o misterioso assassinato de sua irmã pode acabar descobrindo muito mais do que é capaz de compreender, neste thriller psicológico dos mesmos desenvolvedores do aclamado The Town of Light.

Desenvolvimento: LKA
Distribuição: Wired Production
Jogadores: 1 (local)
Gênero:  Aventura
Classificação: 14 anos
Português: Legendas e Interface
Plataformas:  PS4, PS5, PC, Xbox One, Xbox Series X/S
Duração: 5 horas (campanha)/5.5 horas (100%)

Um crime misterioso em meio à guerra

A dama de branco assombra o lago

Em meio às belas paisagens da Toscana, ocorre um crime tenebroso que marca para sempre a vida de uma jovem mulher. E resta, a quem ficou, responder a pergunta: afinal, quem matou Martha?  É a questão que os desenvolvedores do premiado The Town of Light querem que o jogador responda em seu novo lançamento Martha is Dead – ou ao menos é o que eles querem que você pense.

Desenvolvido pela LKA e publicado pela Wired Productions, Martha is Dead se passa no sul da Itália no final da ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial, e a escolha deste período acrescenta muito à narrativa de Martha is Dead. O horror da guerra espelha muito bem a deterioração psicológica da protagonista, e dá voz aos sofrimentos que cidadãos comuns experimentam ao se verem em meio a uma longa e terrível guerra. 

A narrativa deste misto de horror psicológico com walking simulator parte da descoberta do corpo de Martha pela sua irmã gêmea, Giulia, e sua determinação em descobrir quem matou sua irmã. Em meio à confusão de identidades e a impossibilidade de alguém de fora distinguir entre as gêmeas, começa um dos muitos mistérios do jogo: quem afinal morreu, Martha ou Giulia? Temos apenas a palavra de Giulia, de que ela é mesmo quem diz ser e, ao longo do jogo, podemos ver que sua versão dos fatos nem sempre condiz com a realidade.

A Morte cerca as gêmeas

Entremeado a esta questão familiar, temos lendas e folclores locais como a Mulher de Branco, cuja história trágica tem bastante pontos de conexão com a vida das gêmeas e elementos esotéricos como as cartas de tarot, que Giulia aprendeu a jogar com sua antiga babá e costuma usar para prever seu futuro próximo. É interessante notar que, por se tratar de um jogo em primeira pessoa e pelo teor extremamente narrativo, o jogador é levado a confiar nas impressões e ações de Giulia, e aos poucos essa confiança vai se mostrando infundada à medida que percebemos as distorções e falsas percepções da realidade que Giulia sofre o tempo todo.

Aos incautos de plantão fica o aviso: Martha is Dead é um jogo incrivelmente pesado e com cenas de intensa violência gráfica. Com direito à polêmica em torno de cenas censuradas a pedido da Sony, quem se aventura no Playstation pode optar pela versão censurada ou pela versão sem censura e, realmente, algumas cenas não são para os fracos de estômago ou facilmente impressionáveis, e podem até mesmo ser consideradas de mau gosto.

A mística arte da fotografia

Toda família tem segredos enterrados

Os cenários de Martha is Dead são artisticamente deslumbrantes e a fotografia é estupenda. A singela villa italiana cercada por uma bucólica, porém tenebrosa, floresta, formam um pano de fundo perfeito para um thriller psicológico, no qual o sobrenatural parece estar à espreita a todo momento e a calma e o silêncio parecem esconder horrores indescritíveis. Uma das principais mecânicas envolve tirar fotos dos arredores com uma câmera e revelá-las na sala escura do porão da villa, em um mini game bastante interessante que simplifica muito o processo de revelar uma foto na década de 1940, sem deixá-lo chato ou burocrático.

Ao longo do enredo, desbloqueamos acessórios e lentes para a câmera que permitem tirar fotos infravermelhas, aumentar ou diminuir a distância focal e algumas lentes que realçam ou minimizam determinados efeitos na fotografia. Em um primeiro momento achei que seriam utilizados diversos acessórios, mas apenas as fotos simples ou infravermelhas são centrais na história, e todo o resto é apenas um extra para aqueles que quiserem passar um tempo imersos no processo fotográfico.

Para aqueles que gostam de ação desenfreada e sustos abundantes, já aviso que não é isto que Martha is Dead traz à mesa. Não há perseguições desenfreadas nem inimigos te caçando sem parar. O horror de Martha is Dead é um horror calmo e interno, e muito mais horripilante em sua proximidade com a realidade do que qualquer monstro assassino.

Um teatro de marionetes é por si só horripilante

À medida que a narrativa avança, vemos como a memória de Giulia é afetada por lapsos e presenciamos pesadelos horripilantes e sequências de eventos totalmente ilógicas, de maneira que pouco a pouco se instaura uma dúvida, que é “o que é o pesadelo e o que é realidade?”. Sua memória é um registro de eventos reais ou é um mosaico de narrativas criado por seus sentimentos de culpa, remorso, solidão e os traumas que presenciou ao longo de sua vida? São questões como essa que ficarão com os jogadores muito tempo depois de experimentarem Martha is Dead, uma vez que os desenvolvedores optaram por um final aberto, no qual o jogador escolhe as respostas que mais se encaixam na sua interpretação da narrativa – no melhor estilo “você decide”.

Encarar a realidade é uma tarefa árdua e tortuosa e Martha is Dead acerta muito no que se propõe, porém, nem só de acertos foi feito o projeto da LKA. Em minha jogatina, me deparei com diversos bugs e travamentos, e dois deles impediram meu progresso de forma bastante irritante em dois segmentos intensos e imersivos que foram quebrados por problemas técnicos. O sistema de salvamento automático e minha obsessão em salvar tudo manualmente em diversos momentos me salvaram de perder parte considerável do progresso feito, mas tive de refazer uma sequência longa algumas vezes.Nas partes finais, pequenas quedas de frames e problemas de loading aparecem com maior frequência, especialmente em algumas cenas em escadas e túneis, que simplesmente não carregavam no tempo costumeiro de outras partes.

A realidade é uma questão de ponto de vista

Este é o segundo projeto da LKA que trata de temas sensíveis, como saúde mental, perda da sanidade e o luto. Martha is Dead faz um excelente trabalho ao colocar a dor e a perda de Giulia em primeiro plano em todas as suas ações e motivações e, mesmo que no final a narrativa escale exponencialmente de uma maneira pouco favorável, a experiência como um todo é de alta qualidade. Lidar com temas pesados em um produto narrativo nunca é uma tarefa fácil, e o time da LKA vem se firmando neste nicho apostando em um bom enredo e uma jogabilidade que tem bastante espaço para melhorias. Mal posso esperar pelos próximos projetos deste time indie.

Misturando belas paisagens com acontecimentos tenebrosos, Martha is Dead é um prato cheio para os que gostam de experiências imersivas com boa narrativa, e lidam bem com temas pesados em videogames. Para pessoas sensíveis, a violência gráfica, relatos de automutilação ou ideações suicidas, talvez não seja uma boa pedida. 

Cópia de PS4 cedida pelos produtores.

Revisão: Jason Ming Hong

Martha is Dead

8.5

Nota final

8.5/10

Prós

  • Narrativa poderosa e impactante sobre temas bastante pesados
  • Tirar e revelar fotografias é muito legal
  • As belíssimas paisagens da Toscana
  • Trilha sonora é excelente e reflete bem o clima do jogo
  • Atmosfera e ambientação de alta qualidade

Contras

  • Alguns bugs e travamentos irritantes
  • A bicicleta mais atrapalha que ajuda
  • Todo o puzzle envolvendo código morse