Jogos infantis são um terreno complicado de se mexer, visto que não se pode criar algo muito complexo nem tão simples, a ponto de complicar a vida da criança ou de subestimar sua inteligência. É necessário encontrar um meio termo bastante equilibrado entre estes dois fatores, e talvez seja por isso que não vemos tantos jogos infantis de qualidade no mercado de videogames. Tin & Kuna é um jogo desenvolvido por um estúdio brasileiro chamado Black River Games, e fico animado cada vez que ponho as mãos em um produto nacional. O game pertence ao gênero plataforma, com ambientação e controles 3D aliados à presença constante de puzzles para avançar nas fases.
Confesso que testar títulos que não são direcionados exatamente para minha idade atiça a curiosidade, principalmente porque alguém precisa avaliar este tipo de jogo – que não as próprias crianças. Muitas vezes os games criados para esta faixa etária dos mais jovens falham em fazer desafios dignos para os pequenos e caem no erro da repetição e mecânicas básicas demais. Tin & Kuna é um produto que se inspira em vários games e demonstra isso através de sua jogabilidade, mas comete alguns deslizes bastante questionáveis que o fazem perder pontos o suficiente para não merecer o título de “algo muito bom”.
Desenvolvimento: Black River Studios
Edição: Aksys Games
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Ação, Aventura, Puzzle
Classificação indicativa: Livre
Português: Interface e legendas
Plataformas: PS4, PC, Switch e Xbox One
Duração: Sem registros
Uma bola levando outra
Logo ao iniciar o jogo, existe uma cutscene geral introduzindo o enredo de forma demasiadamente simples. A história conta sobre Tin & Kuna, dois amigos tatu bola (acho que é esse o animal que representam) que vivem uma vida pacata. Num belo dia, ambos racham, por acidente, um Orb mágico, e Tin acaba sendo afetado por uma maldição e sucumbe ao mal, sendo transformado numa criatura maligna. Assim, controlando Kuna e temos a missão de resgatar o companheiro através de muitos quebra-cabeças ao longo de vários mundos em diferentes ambientes. O enredo não é nada espalhafatoso ou impactante, e garanto que você já viu algo parecido por aí. Mas isso não é um problema, já que videogames são feitos primariamente para divertir. Porém, uma história “mais do mesmo” infelizmente acaba aumentando as chances do produto se tornar algo não memorável.
Sua principal tarefa em todas as fases é encontrar uma grande e pesada bola de energia, dotada de física própria, e levá-la até um recipiente brilhante que serve para energizar um totem à sua frente. Algumas fases possuem mais de um totem, então será necessário ir atrás de cada um para ativar e finalizar a fase. Parece simples, não? Bom, de fato é. Mas a parte ruim é que seu personagem justamente também é redondo. Kuna é um personagem que representa o animalzinho tatu bola (ainda não tenho certeza disso), e seu estado principal de movimentação é através de sua forma esférica. Ele até se posiciona em duas patas, mas essa animação é apresentada apenas quando paramos de nos movimentar por alguns segundos.
Agora imagine uma esfera empurrando a outra. Sim, o resultado é exatamente o que você imagina: imprecisão. Você nunca sente que está confortável o suficiente porque não existe um lado plano colidindo com outro. A jogabilidade também me lembrou bastante do jogo Billy Hatcher and the Giant Egg, mas a diferença é que o título da SEGA fazia um excelente trabalho de, justamente, fazer o personagem segurar o ovo gigante com as mãos de forma precisa, e você sente que está realmente no controle. Já em Tin & Kuna, apenas empurramos a esfera. Aqui, a câmera também não faz um trabalho tão bom, me fazendo passar por maus bocados e irritações em dados momentos por ser completamente manual e não acompanhar o personagem ao andar. Precisamos controlar a visão em todo o tempo usando o analógico direito, um erro que demonstra um pouco de falta de cuidado por parte do desenvolvimento.
Tentativas de variação
Mais à frente a dificuldade vai se agravando aos poucos para aumentar o desafio, adicionando, por exemplo, inimigos que servem como uma espécie de cama elástica, dispositivos no chão e laterais que eletrocutam o protagonista, plataforma flutuantes (como não podia faltar) ou invisíveis que precisam ser ativadas, e outras barreiras para testar o jogador e sua habilidade de levar esferas consigo. Porém, a única coisa que parece ser mesmo testada aqui é a paciência, algo bastante necessário para não sentir o peso da repetição que Tim & Kuna acaba trazendo.
Apesar de algumas mecânicas bem superficiais serem adicionadas ao longo das fases, como poderes temporários que permitem Kuna pular bem mais alto ou magnetizar as esferas para trazer consigo, a sensação de que estamos fazendo sempre a mesma coisa é inerente. Talvez o estilo escolhido não tenha sido o mais favorável, já que consigo imaginar perfeitamente Tin & Kuna funcionando em um gênero mais plataforma com menos elementos de puzzle. No mais, entre as habilidades padrão de Kuna está o famoso pulo duplo e uma investida em pleno ar que permite dar um dash aéreo, que quando usada em superfícies a habilidade lembra o Spin Dash do Sonic, mas sem servir de quase nada aqui. Fato é de que eu esperava que a habilidade de Kuna fizesse uso justamente de seu formato esférico para algo diferenciado. Seria bem melhor também se o protagonista pudesse empurrar a bola com as patas, o que parece extremamente óbvio e a forma mais coerente de se aplicar a mecânica de levar uma bola.
Além das fases, a estrutura do jogo com um todo é parecida e apresenta desafios isolados através dos estágios e mundos. Cada mundo possui uma certa quantidade de estágios com um número máximo de coletáveis possíveis de se obter durante sua passagem por ele. Para habilitar um próximo mundo, é necessário chegar até o fim do qual você se encontra, superar o desafio do chefão Tin, em sua forma maligna, que basicamente se resume em uma fase que exige reflexos e agilidade para não cair das plataformas que vão afundando, e então ter a quantidade de coletáveis exigidos para progredir. Como um extra, existem algumas “conquistas” que podem ser liberadas cumprindo objetivos, como finalizar a fase em tempo recorde ou sem sofrer dano algum.
As vidas também são basicamente infinitas, e funcionam num estilo similar às de Mario Odyssey, onde coletáveis existentes nas fases são consumidos caso o jogador morra. Não consegui chegar ao número zero, já que arrecadei uma quantidade suficiente para não receber um game over logo nas primeiras tentativas. Mesmo assim, durante a jogabilidade temos três pontos de vida interna da fase, e somos lançados para o último checkpoint caso caiamos no buraco ou algo do gênero. Caso estes três pontos sejam perdidos, como falei, coletáveis são perdidos e lançam o jogador de volta à seleção de mundos.
Beleza sem muita essência
Tim & Kuna visualmente é fantástico e confesso que fui surpreendido pela beleza, texturas e coesão do level design de forma geral. Tudo “casa” de uma forma acima da média. A direção de arte do jogo parece ter saído diretamente de títulos como Crash Bandicoot e Spyro the Dragon. As músicas também foram bem escolhidas e compõem de forma competente o plano de fundo, seja nos mundos onde o cenário é mais natural ou em outros onde existe uma pegada mais futurista. Mesmo assim, é com pesar que sinto que tanta beleza e identidade única foram desperdiçadas com tanta repetição.
A versão de Switch também provavelmente não é uma das melhores, apresentando diversas quedas de performance em vários momentos e objetos surgindo ao longe à medida que o jogador vai se aproximando. Mas nada que um patch não resolva. Algumas fases em particular também parecem não oferecer uma solução para serem finalizadas, e acabei conseguindo passar por obstáculos de uma forma nada natural. Infelizmente não tive resposta da equipe de desenvolvimento para confirmar se o jogo estava com problemas ou não, mesmo enviando mensagem através de suas redes sociais e e-mail.
O gênero podia ter sido outro
Tin & Kuna é simples demais, e digo isso em um mau sentido. Mesmo com tentativas de variações ao longo das fases, a sensação é de estar fazendo sempre a mesma coisa. Tudo se resume em colocar as esferas de energia em recipientes e ativar os totens. Não seria tão ruim assim também se não fossemos uma bola empurrando outra. E como a jogabilidade bate sempre na mesma tecla, o jogo talvez teria sido salvo por meio da história, mas esta não é nada desenvolvida e serve apenas para dizer que está ali e preencher uma lacuna. Talvez o gênero não tenha sido a melhor escolha para os amigos tatus.
Esta review foi feita com uma cópia de Switch cedida pelos produtores