Arrisco dizer que os últimos quinze anos foram extremamente generosos para os amantes de jogos de luta. Só do ano passado para cá tivemos The King of Fighters XV, Street Fighter 6 e mais dois gigantes estão chegando: Tekken 8 e Mortal Kombat 1. Ver o gênero brilhar tem um sentido especial, ao menos para mim, que cresci jogando essas franquias em casa ou nas locadoras.
A ressignificação dos jogos de luta
Street Fighter 4 pode até não ser unanimidade entre os fãs, mas é fato que os jogos de luta pareciam perdidos quando entraram para o mundo tridimensional. O título da Capcom pavimentou o caminho para a ressignificação deles, misturando o visual 3D com uma jogabilidade – nostalgicamente – 2D. Quero frisar, que não tenho o intuito de negar o brilho de jogos como Soul Calibur, Virtua Fighter, Dead or Alive, Tekken e tantos outros. Mas, dentro da transição geracional, parecia faltar algo, ao menos para mim.
Minhas referências, em relação a esses jogos, sempre foram os belíssimos títulos 2D em pixel art da Capcom e SNK ou o “fotorrealismo” – por assim dizer – de Mortal Kombat. Curti (e ainda curto) demais esses jogos. E confesso certa frustração em ter perdido a oportunidade de jogar Street Fighter 5 no lançamento, já que não tinha um PlayStation 4, e o título era exclusivo para o console da Sony e PC. Pude saciar minha vontade recentemente, mas nada se compara a experiência que Street Fighter 6 está me proporcionando.
A acessibilidade nos jogos
A última vez que um jogo havia me prendido dessa forma, foi no início do ano passado, com o lançamento de Elden Ring. O título da Capcom é um deleite para os fãs, mas consegue ser atrativo o suficiente para um público mais amplo, furando a bolha da galera que curte o gênero. E isso se dá graças ao excelente trabalho de acessibilidade que a desenvolvedora japonesa implementou em Street Fighter 6. Falei da minha “frustração” por não poder jogar um jogo de uma franquia que amo, mas as mecânicas de acessibilidade me fizeram pensar em jogadores PcD (Pessoa com deficiência), que se frustram por não poderem curtir títulos diversos por conta da ausência desses recursos.
Acredito que nos últimos dez anos a ideia de inclusão começou a ser implementada – a conta gotas – dentro do processo de desenvolvimento dos jogos. E reitero a indiferença da indústria, na medida em que, dentro de um mercado global que movimenta bilhões, nem mesmo a localização para o idioma local é inserido em jogos de certas empresas. O artigo da jornalista Vivi Werneck, para o Tecnoblog, “6 jogos com boas opções de acessibilidade”, elenca alguns títulos que trazem recursos de acessibilidade, como The Last of Us – Part II e Grounded. Trata-se de leitura de partes escritas, vibração no controle, filtros e por aí vai.
O Adaptive Controller, do Xbox, com botões grandes e programáveis, lançado em 2018 e que ajudam jogadores com limitações motoras, é um outro exemplo de tentar tornar os jogos mais inclusivos. No entanto, salvo o preço elevado, é um produto difícil de encontrar no mercado brasileiro, infelizmente. A Sony apresentou, no início desse ano, um controle com a mesma proposta, batizado de Project Leonardo. Mas, ainda não há informações de quando ele será lançado.
Os controles por movimento do Nintendo Wii, o PlayStation Move e o Kinect, do Xbox, também se enquadram, em certa medida, como formas mais acessíveis de se experienciar um jogo. Mas são acessórios que perderam espaço dentro do mercado de jogos eletrônicos, com exceção do Switch. Além disso tudo, é importante salientar que videogames são produtos caros em nosso país e, portanto, muitas vezes o acesso para o público em geral, quer seja PcD ou não, é comprometido.
Street Fighter 6 e o Gamer Cego
Rolando o feed do Twitter tempos atrás, me deparei com um vídeo de um jovem com deficiência visual jogando Mortal Kombat 11. Eu fiquei encantado com a sua destreza, perseverança e domínio dos comandos. Mais ainda com o amor de Pablo Luiz – “O Gamer Cego” – pelos jogos, que nem mesmo a perda da visão foi capaz de lhe tirar. A abertura dos testes da beta de Street Fighter 6 trouxeram à tona os recursos de acessibilidade do jogo, que mencionei acima. Recursos esses que iriam permitir a Pablo e outros jogadores PcDs se aventurarem no jogo.
Pude conversar, um pouco, com ele sobre tais recursos no novo jogo da Capcom. Uma das coisas mencionadas foi o leitor de tela, que permite aos jogadores saberem exatamente em quais menus estão navegando e quais personagens estão selecionando. No entanto, segundo Pablo, os menus secundários – com lista de combos, por exemplo – não possuem o leitor, limitando a experiência. Outra função essencial trazida para o jogo são as marcações sonoras que existem durante as lutas, como o sensor de proximidade e o tom (agudo ou grave) que ajuda a identificar se o personagem está do lado esquerdo ou direito da tela.
Os controles de Street Fighter 6 também trouxeram novidades, tanto para jogadores inexperientes quanto para PcDs. Para jogadores inexperientes, houve uma simplificação dos comandos de golpes e combos, batizado pela Capcom de “controle moderno”. No entanto, essa inclusão, do ponto de vista do Pablo, foi muito mais pensada em tornar a experiência de Street atrativa a novos jogadores do que idealizada mirando em PcDs. Pois o dano causado por quem utiliza essa opção de controle é menor do que o causado por aqueles que usam o “controle clássico”, desequilibrando partidas ranqueadas.
Ainda falando de controles, ao apertar o touch pad do PlayStation 5, por exemplo, o jogo passa a emitir alguns “bips” que indicam mais ou menos o nível da barra de vida do jogador, do oponente, a barra de Drive e Critical Arts. Esses últimos – essenciais para o sucesso nas lutas – emitem também um outro efeito sonoro para indicar que estão cheias, assim como quando o oponente entra em Burnout, após usar toda a barra de Drive. Até mesmo socos e chutes, que possuem três variações em SF, possuem efeitos sonoros diferentes, que ajudam na estratégia defensiva ou ofensiva nas partidas.
O caminho para a acessibilidade
Em linhas gerais, como visto, as ferramentas de acessibilidade para cegos estão todas fundamentadas nos efeitos sonoros. E Street Fighter 6, apesar de haver espaço para melhorias, faz isso com excelência. Para utilizar todos esses recursos sonoros com precisão, porém, há a necessidade de retirar as melodias dos estágios e balancear outros efeitos sonoros que auxiliam os jogadores – como o nosso querido Gamer Cego – durante as partidas. O novo jogo de luta da Capcom, dessa forma, parece apontar um caminho para a indústria. Um caminho realmente acessível, onde cada vez mais poderemos ver títulos que busquem atender a todos sem nenhum tipo de trava ou limitação. O que nos resta, salvo ficar na torcida, é cobrar para que isso se transforme numa tendência.
Revisão: Ailton Bueno