Poucos são os que admitem, mas vivemos tempos sombrios em que só existem três jogos no mercado: Persona 5, The Legend of Zelda: Breath of the Wild e Dark Souls. Todos os outros games lançados são apenas cópias baratas desses três. E como não podia deixar de ser, até mesmo grandes colossos AAA como Assassin’s Creed entraram nessa onda.
Quando se fala em identidade ou essência de uma franquia, AC está entre os mais difíceis de se definir, pois sempre tentou mesclar o máximo possível de mecânicas para agradar a todos os públicos. Por esse motivo, é muito comum ouvirmos a palavra “genérico” em qualquer discussão envolvendo a franquia. A mudança brusca na jogabilidade em 2017 desagradou a muitos fãs que acompanhavam a série desde os seus primórdios, ao mesmo tempo que, assim como Resident Evil, criou uma nova fanbase que gosta apenas dos títulos mais recentes.
A origem de Assassin’s Creed
A maioria dos fãs sabem (ou deveriam saber) que Assassin’s Creed nasceu de uma ideia descartada para uma sequência de Prince of Persia, outra franquia da Ubisoft que já foi extremamente popular, mas que infelizmente foi esquecida e ofuscada pelo próprio “filho”. A trilogia Sands of Time do PS2 já trazia vários elementos que seriam utilizados nas aventuras dos assassinos, reforçando a ideia de que, atualmente, na indústria dos videogames, pouca coisa se cria e muito se repete ou copia. Assassin’s Creed (2007) era cheio de personalidade e conseguiu se distanciar bastante do jogo no qual foi inspirado. O jogador era incentivado a se mover furtivamente o tempo todo e evitar confrontos. Apesar dos inúmeros bugs, que viriam a se tornar uma característica marcante da Ubisoft, AC tinha potencial para se tornar uma franquia popular, e foi exatamente o que aconteceu. Com a chegada de Assassin’s Creed II e dos subsequentes games que foram batizados de Trilogia do Ezio, estava estabelecida a fórmula do sucesso.
Mas nem tudo são flores. E algo que sempre desagradou a uma parcela considerável da fanbase foram as partes da história que aconteciam no futuro, com Desmond. Apesar de ajudar a fazer com que a conexão entre os protagonistas fizesse sentido, muitos torciam para que aquela sequência acabasse logo e pudessem vestir novamente o manto de assassino. Com o encerramento da saga de Desmond em AC3, finalmente havia a possibilidade concreta de esquecer toda essa baboseira de Animus e focar na Irmandade dos Assassinos, mas… não foi o que aconteceu. Se todos os jogos anteriores se conectavam de forma plausível graças a Desmond, tudo começou a ficar mil vezes mais confuso quando ele saiu de cena. Passamos a controlar um agente da Abstergo totalmente raso e esquecível, apenas para termos uma desculpa para acessar o Animus. Assassin’s Creed IV: Black Flag era muito diferente de tudo que tínhamos visto anteriormente, pois focava numa mecânica secundária de AC3: as batalhas de navios. Isso o tornava um ótimo jogo de piratas, mas um péssimo Assassin’s Creed. Foi aí que a tão falada “essência” começou a se perder.
A mudança na série
Como a Ubisoft não queria mais se prender a uma ordem cronológica para que tivesse mais liberdade na hora de escolher o período histórico em que cada jogo aconteceria, os números foram abolidos. A partir dali, cada Assassin’s Creed teria um subtítulo. As sequências, Rogue e Unity, que foram lançadas no MESMO DIA, tentavam agradar ambas as fanbases – fãs da trilogia do Ezio e de Black Flag. Apesar de Rogue ter sido ofuscado pelo seu irmão de nova geração, ele foi decente o bastante para não ser massacrado, ao mesmo tempo em que não foi muito elogiado. Pensando bem, talvez ninguém tenha jogado na época.
Unity chamou atenção sim, mas não pelos seus gráficos espetaculares ou pelas mecânicas reformuladas de parkour, e sim pelos bugs macabros que assombravam o game. Foi literalmente um show de horrores, com monstros sem face traumatizando os jogadores e povoando seus pesadelos. Isso só deixou claro o que deveria ser óbvio: um jogo grandioso como AC não se faz em apenas um ano. Mas quem disse que a Ubisoft ligava pra isso? O importante era vender, os bugs eles corrigiam depois. Então tivemos Syndicate no ano seguinte, cuja história se passava em 1868, na Revolução Industrial. E foi aí que os fãs se perguntaram: para onde Assassin’s Creed vai? Será que vamos voltar ao período das Cruzadas? Será que chegaremos ao século 21? Qual será o período histórico escolhido para o próximo?
Após um pequeno teaser incluído em Watch Dogs 2, outro game da Ubisoft, descobrimos que AC voltaria no tempo e seria no Antigo Egito. Assassin’s Creed Origins (2017) não apenas prometia explicar as origens dos Assassinos e Templários, mas também mudava toda a jogabilidade com um foco maior na ação. Se o foco da franquia nunca foi no combate, apesar de ter um robusto sistema de batalha, agora o stealth ficaria em segundo plano e o combate seria obrigatório na maior parte do tempo, fugindo totalmente da premissa inicial da série, que era atacar seus inimigos nas sombras.
Origins foi muito comparado a Dark Souls, como todo e qualquer jogo que seja minimamente parecido com este, afinal toda a história da indústria dos videojogos é dividida em AD e DD – antes de Dark Souls e depois de Dark Souls (contém altas doses de ironia). E assim, mais uma vez, a fanbase se repartiu. Afinal gosto é que nem… barbeador: cada um tem o seu. Enquanto as viúvas do Ezio choravam, aqueles que gostaram desse novo rumo que a franquia tomou (incluindo este que vos fala) se tornariam os novos fãs. A partir dali, Assassin’s Creed seria sinônimo de RPG de ação num mundo aberto.
Até aí tudo bem (ou não), mas o lançamento de Odyssey (2018) fez o inimaginável: dividiu novamente a fanbase. Sim, apesar de ser muito similar a Origins, ele tinha uma história e uma jogabilidade tão singular que conseguiu desagradar até mesmo aos fãs do game anterior, ao mesmo tempo em que atraiu um grupo de jogadores que não gostavam ou até mesmo detestavam Origins (incluindo a mim). Tínhamos então uma base de “fãs de Assassin’s Creed” dividida em, no mínimo, quatro grupos diferentes.
Eis que vem o anúncio de Valhalla, que prometia agradar aos fãs de ambos os jogos anteriores, buscando também resgatar as viúvas do Ezio. Seria engraçado se ele dividisse novamente a fanbase, né!? Não, não seria. Seria um caos. E foi exatamente o que aconteceu.
Valhalla é tão gigante e tenta mesclar tantos elementos dos jogos anteriores que virou uma salada de mecânicas. Temos stealth, combates, navegações, pescaria, jogo de tabuleiro e até mesmo uma competição de repentes. Existem tantas sidequests com premissas diferentes que às vezes é fácil esquecer que estamos jogando um Assassin’s Creed. Mas será que estamos? O que é Assassin’s Creed afinal? A franquia tentou agradar a todos os públicos e acabou desagradando a sua própria fanbase. Muitos chamam ela de genérica porque simplesmente pega tudo aquilo que faz sucesso e tenta implementar, nem sempre de maneira orgânica. É óbvio que não se pode deixar uma série ficar estagnada por mais de uma década, mas de que adianta continuar usando um título que não faz mais sentido? O credo dos assassinos já deixou de ser o foco há muito tempo.
Origins, Odyssey e Valhalla são equivalentes a spin-offs que funcionariam perfeitamente bem como jogos isolados. Esta trilogia, que podemos chamar de trilogia de origem, não explica o nome do jogo. Na verdade, ela só prova que o verdadeiro foco de AC nunca foram os assassinos e templários, e sim os Isu – aqueles que vieram antes. Assassin’s Creed é o exemplo perfeito de uma história que se tornou tão grandiosa e tomou um rumo tão diferente do esperado que seu nome já não faz mais sentido. Mesmo que os primeiros AC tratassem da irmandade, a Ubisoft decidiu focar em algo que muitos pseudo-fãs ignoram: as peças do Éden. Se você pensar bem, tudo sempre girou em torno destas, mas com todo um contexto histórico para dar mais profundidade.
Resumindo, se tudo sempre girou em torno das peças do Éden criadas pelos Isu, então tudo faz sentido. A única coisa que não faz sentido é continuar chamando um jogo de piratas, vikings e gladiadores de “Assassin’s Creed”. Valhalla é um jogo fantástico que conseguiu até mesmo trazer alguns fãs antigos de volta, o problema é que as pessoas precisam enxergá-lo não como uma sequência das desventuras do Ezio, e sim como uma experiência totalmente distinta. Se você é fã dos últimos AC e alguém disser que isso “não é Assassin’s Creed”, não encare como uma crítica ou choro, pois é apenas a confirmação de um fato.
Revisão: Jason Ming Hong