Desde o momento que tomamos consciência, cada segundo, minuto, hora ou dia que se passa ficamos mais próximos da morte, ou, de forma eufemista, da inconsciência eterna. Nós somos, no final das contas, reféns do tempo, e as escolhas que tomamos no decorrer da vida possuem consequências, às vezes, fatais. Porém, não escolher também é uma escolha, então, a angústia sempre existirá para nos assombrar. Um pouco pesado? Talvez tenha sido. Entretanto, é uma verdade que se revelou em Unsighted durante minha jornada por Arcadia, em que muitas vidas são efêmeras e nem sempre é possível salvar todas.
Desenvolvimento: Humble Games
Distribuição: Studio Pixel Punk
Jogadores: 1 (local) e 1-2 (online)
Gênero: Ação, Plataforma, Aventura, RPG
Classificação: 14 anos
Português: Interface e legendas
Plataformas: PC, PS4, Switch, Xbox One
Duração: 9 horas (campanha)/12.5 horas (100%)
Humanos sendo humanos

Unsighted é um Metroidvania que sai do clássico side scrolling para uma câmera isométrica em Arcadia, uma cidade destruída após a guerra entre humanos e autômatos por conta do futuro de um meteoro. Então, Alma, a autômata perfeita, retoma consciência em um antigo centro de pesquisa. Sem memória e noção de quanto tempo se passou, porém, em um de seus lapsos, ela se recorda de um único nome: Raquel.
Depois de um breve tutorial, a Vila Engrenagem é apresentada como um refúgio para os autômatos que ainda possuem consciência. Vana explica tudo que ocorreu para que Alma entenda sua missão contra o tempo. Após ganhar a guerra contra os autômatos, os humanos selaram o meteoro embaixo da terra, este que, por sua vez, emanava o Anima, uma energia que dava consciência aos seres metálicos. Sem Anima, eles não podem sentir, pensar ou agir por conta própria, e acabam se tornando Unsighted, autômatos loucos em busca de mais energia.

Agora, Alma precisa partir em busca de cinco partes do meteoro para criar uma arma capaz de enfrentar criaturas monstruosas feitas pelos humanos e entrar na torre que enterrou o meteoro. Nesse meio tempo, memórias são recuperadas do passado, e assim respostas são recebidas. No entanto, Alma não tem todo o tempo do mundo, pois tanto o seu Anima quanto os dos demais autômatos estão se esgotando. E cabe a você escolher como esse tempo será gasto.
Lutando contra o tempo

O maior inimigo em Unsighted é o tempo, e não tenha dúvidas disso. Como eu tenho um coração mole, essa informação seria extremamente importante para mim. Conforme Alma se encontra com autômatos e conversa com eles, o tempo restante de vida deles é apresentado. Alguns são tão importantes que ficam marcados na lista de contatos, em que aparece o tempo, local onde estão e a afinidade deles com Alma.
Há duas formas de aumentar o tempo de consciência de Alma, sendo uma delas difícil de achar e outra difícil de aceitar. A primeira seria com pó de meteorito, uma quantidade que amplia 24 horas de vida, e que pode ser dado para outros autômatos. Caso faça isso, a afinidade é ampliada. A segunda seria um péssimo spoiler, mas aviso de antemão que é uma opção muito cruel.
Como foi dito anteriormente, em Unsighted é necessário escolher e nem sempre as consequências são boas, mas devem ser aceitas. Pó de meteorito não é algo fácil de alcançar e achar, logo, ir atrás dele pode ser uma perda de tempo, não só o de Alma, mas o de outros autômatos. Bom, eu sou molenga e realmente me afeiçoei a alguns deles, principalmente à Iris, uma fada-robô que nos acompanha.

Pode ser que você não goste deles, mas cada um possui um projeto ou habilidade que pode facilitar a missão – e muito mesmo. Por exemplo, eu ignorei Elisa, uma médica que, com 3 pós de meteorito, poderia me dar uma nova seringa, sendo esta uma cura móvel. No fim, ela se tornou Unsighted e passei o resto do game com apenas uma, e foi um desafio árduo demais.
Por fim, essa questão do tempo é muito interessante, mas também traz um problema: exploração. Aqui, novamente, há uma escolha entre explorar ou procurar as partes do meteoro. Por mais que esteja atrelada à jogabilidade, esse tempo constantemente apresentado te faz questionar se é válido sair por aí à toa. Tratando-se de um Metroidvania, você irá querer explorar e melhorar Alma, mas o tempo pode te coagir a não fazer isso. Em contrapartida, joguei na dificuldade recomendada, contudo, há uma que diminui a passagem do tempo, o que pode mudar essa perspectiva.
Criando a autômata mais que perfeita

Alma é considerada a autômata perfeita, mas isso não significa que ela não possa ser melhorada ainda mais. Nessa aventura contra o tempo, erros podem custar caro e perder o restante de Anima que sobra não é uma opção, então, é bom estar preparado contra os desafios encontrados em Arcadia. Para isso, terminais estão espalhados pela cidade como forma de checkpoint e também para trocar chips, que podem modificar a forma como as lutas são encaradas.
Poderia ser dito que Unsighted possui aspectos Souls-like, como por exemplo a perda de metade do dinheiro ao morrer, mas os combates rápidos e precisos lembram muito mais Hyper Light Drifter. Grande parte disso se dá por conta da forma como atacar e repelir são altamente recompensadores, mas ficar sem estamina é fatal, sendo necessário ter um controle de seu gasto.
Com isso, os chips fazem sua parte, permitindo a criação de builds, mudando os status de Alma e dando liberdade para o jogador criar seu estilo de luta. Porém, engano seu de acreditar que realmente exista algo perfeito aqui, pois criei uma build focada em velocidade de ataque e recuperação rápida, e foi sofrível em alguns momentos. Visto isso, é de exímia importância se adaptar aos diferentes desafios presenciados, sempre buscando mudar as armas e chips utilizados.
Além disso, um aspecto curioso, e nem um pouco esperado, é a construção de armas e chips em bigornas a partir de itens reciclados. Para ser sincero, abusei um pouco dessa mecânica, mas numa segunda jogatina ela se mostrou extremamente útil. Podemos construir o arsenal completo, que varia entre armas de fogo e armas brancas, tendo uma quantidade até que agradável. No entanto, para conseguir criar tais equipamentos, é preciso ter projetos que podem ser comprados com Olga, uma autômata da Vila Engrenagem ou encontrá-los em Arcadia, sendo necessário a exploração.
Exploração questionável

Unsighted consegue representar bem Arcadia como uma cidade pós-guerra, onde muitos trechos de destruição estão interditando o caminho. Por conta disso, há muitos atalhos e locais para serem descobertos, sendo um mapa muito bem interconectado, digno de comparação ao primeiro Dark Souls.
A pixel art é um dos pontos mais fantásticos do game. Arcadia em ruínas é uma paisagem trágica. Os personagens não ficam para trás, principalmente quando estão em conversas ou menus, e os detalhes das armaduras e equipamentos são muito legais.
A música complementa a sensação de destruição e falta de tempo com uma trilha sonora que ressalta a desolação do momento. Porém, em locais como a Vila Engrenagem tudo muda, com uma sonoridade mais relaxante, de volta ao lar. Cada área de Arcadia é bem representada sonoramente, assim como os seus respectivos guardiões, os famigerados chefes.
Como foi dito antes, por conta do tempo, explorar se torna algo arriscado. Arcadia é dividida em distritos e, alguns deles, levando em conta a câmera, podem ser um pouco confusos. Na área central, logo no começo de Unsighted, fiquei perdido por um bom tempo pois não conseguia diferenciar exatamente se uma parede estava impedindo meu acesso. Talvez eu seja cego ou burro? Sim, mas talvez aconteça, e tá tudo bem.
Obrigado, Alma!
Unsighted é uma surpresa agradável e obrigatória se você é fã de Metroidvania. Saindo do side scrolling tradicional, o game brasileiro consegue colocar o clássico subgênero de uma perspectiva bem distinta, e mesmo assim agrada com seu combate e aparência. Por outro lado, a luta contra o tempo te faz questionar a eficiência de suas ações, sendo uma conduta divergente a premissa de exploração comumente associada a Metroidvania. Com o tempo, você irá sentir remorso e angústia de algumas escolhas, mas, no final das contas, elas precisavam ser feitas. E espero que você escolha jogar Unsighted, porque o potencial no Brasil tem sido bem incrível na indústria dos jogos.
Cópia de Switch cedida pelos produtores
Revisão: Jason Ming Hong