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Quem consome videogames no Brasil?

Uma coisa que acredito ser consenso entre todos é de que nossos amados videogames movimentam uma verdadeira indústria. Anualmente, há um faturamento que gira em torno de US$ 120 bilhões. Desses, US$ 43,4 bilhões se referem só ao mercado estadunidense. Na verdade, os maiores consumidores desses produtos se encontram lá. Em uma pesquisa de 2015, realizada pela ESA (Entertainment Software Association), foi apontado que mais de 155 milhões de norte-americanos jogam videogames. De acordo com a NPD, analisando dados mais recentes, cerca de 73% dos consumidores do país do tio Sam apreciam uma boa jogatina.

E como fica o nosso país? O Brasil é o 13º maior mercado de games do mundo e o maior da América Latina. Em 2018, foi movimentado cerca de US$ 1.5 bilhão, segundo levantamento feito pela Newzoo. Em pesquisa da Game Brasil 2019, 66,3% dos brasileiros tem o hábito de jogar videogames. Existem cerca de 75,7 milhões de jogadores. Só que desses, 83% jogam no celular. Nos consoles temos um total de 48,5% de jogadores brasileiros. Mas, a maioria ainda está presa à 7ª e até mesmo à 6ª geração. O número de pessoas que possuem um Xbox 360, PS3 e PS2, chega a incríveis 79.8%. O motivo? Os preços exorbitantes!

Videogames, no Brasil, são produtos caros

Parte de um encarte com “promoções” de 1996.
Parte de um encarte com “promoções” de 1996.

Em nosso país, videogames (me refiro a consoles) sempre foram produtos extremamente caros, o que dificulta o acesso aos mesmos. Em 1996, por exemplo, quando o poderoso Nintendo 64 já estava entre nós, um Master System (lançado há quase dez anos) era vendido pela Tec Toy por R$ 129,90. Em contrapartida, o salário mínimo do trabalhador brasileiro girava em torno de R$ 110,00. Ou seja, diante de tanta desigualdade social, materializada no baixo poder aquisitivo das famílias e fazendo uma relação com outros mercados (como o norte-americano), poucos são aqueles que conseguem acompanhar a última geração de consoles, ontem ou hoje.

Na última semana, a Nintendo reacendeu os debates acerca da acessibilidade dos jogos eletrônicos em nosso país. Depois de cinco anos de ausência do mercado nacional, a gigante japonesa decidiu voltar ao Brasil. Porém, o valor do Nintendo Switch – quase três vezes um salário mínimo – ainda dificulta o acesso e, consequentemente, a popularização dos seus jogos para os gamers brasileiros.

Em meio aos anúncios, alguns debates em torno do lançamento da coletânea em homenagem aos trinta e cinco anos do seu principal personagem, Mario, chamou a atenção. O valor elevado de uma coletânea sem poucas mudanças visuais, impulsionou uma onda de críticas nas redes sociais. O problema é que aqueles que não se importaram com isso passaram a ser alvo desses críticos. Os artifícios retóricos para justificar os discursos contrários ao preço do joguinho foram dos mais diversos. Mas, um em especial, me intrigou.

Alguns afirmavam que quem se posicionou de forma favorável a pagar US$ 60 na coletânea do herói bigodudo, sofre de falta de empatia com o “pobre”. Como assim? Vimos lá em cima que – pelo menos no que se refere à consoles de última geração (PS4, Switch e Xbox One) – videogames são produtos inacessíveis para a maioria dos brasileiros. Há uma contradição nesse discurso misturado a certo desconhecimento sobre a realidade do país e seu quadro de desigualdade social. Pois, infelizmente as classes populares não gozam de poder aquisitivo para acompanhar a geração de consoles.

As preocupações dos “pobres” são outras

Nem todos tem acesso à consoles de última geração no Brasil.
Nem todos tem acesso à consoles de última geração No Brasil.

Vejam bem! Em hipótese nenhuma estou querendo tirar dos indivíduos o seu direito de crítica. O questionamento do valor da coletânea tem lá seus pontos e argumentos válidos. E todos têm o direito de indignar-se com isso. Da mesma forma que as pessoas que não se incomodaram com a coletânea (e seu valor) tem o direito de comemorar. Isso vai de cada um. O que causa estranheza, de fato, foi a tentativa forçada de alguns em embasar a crítica através de um falso senso de solidariedade. Infelizmente, diante de um país tão desigual como o nosso, as famílias mais pobres possuem outras preocupações que não a de comprar joguinhos.

Nesse período de isolamento, por exemplo, o Governo Federal passou a oferecer – após uma pressão monstra dos partidos de oposição – um auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 para as famílias brasileiras, já que muitos estão desempregados e, por conseguinte, passam fome. Da mesma forma, os governos municipais e estadual do Rio de Janeiro – a título de curiosidade – estão destinando verbas para as escolas oferecerem ajuda, em forma de cestas básicas, para as famílias das comunidades escolares em situação de vulnerabilidade.

Usar a palavra “pobre” na mesma oração de “jogos da Nintendo” (ou de qualquer outro console dessa geração) chega a ser um escárnio. Não são as classes populares, o “pobre”, que consomem em nosso país os produtos da empresa ou de qualquer outra. É bom frisar que a Nintendo, até então, nem no país está. Comprar seu produtos não se trata de falta de empatia. Da mesma forma, deixar de comprá-los não te torna sensível aos problemas graves do nosso país. Fazer essa associação é, no mínimo, algo de mau gosto.

A Nintendo, Sony ou Microsoft – e por extensão sua base de fãs/consumidores – não são os causadores da segregação social. O sistema que é. E mais do que qualquer outro consumidor, muitos gamers não ligam para as discrepâncias do sistema e adoram as “vantagens” do neoliberalismo! A maioria daqueles que usam esse argumento, por exemplo, são incapazes de se sensibilizar com problemas que não sejam os seus. Se ofendem com debates sobre representatividade e buscam retirar o viés político de muitos jogos. Atacando, inclusive, aquele que o faz.

Debater com seriedade

Devemos debater a desigualdade social com seriedade.
Devemos debater a desigualdade social com seriedade.

Ninguém deixa de comprar um PS4 (que foi lançado no Brasil a R$ 4000,00, em 2013, é bom lembrar) porque uma família de baixa renda não consegue comprá-lo. As redes sociais nos enfiaram numa bolha. E diante desse processo voluntário de alienação, pensamentos contrários são condenados com fúria e nos cegam diante dos reais problemas do país. O ideal seria que pudéssemos abrir nossos olhos e passássemos a debater, com seriedade, o impacto da desigualdade social que causa a pobreza. Fica aqui minha esperança.

Revisão: Samuel Leão