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Como a Nintendo cria um jogo

Não é mentira dizer que a Nintendo é uma das empresas mais importantes na história dos videogames, muito menos que seus jogos são pedras fundamentais na produção dos mais diversos gêneros desde antes do lançamento do NES, com os portáteis Game & Watch ou Donkey Kong nos arcades, até os dias de hoje.

Sempre me perguntei o que fazia os jogos deles serem diferentes e únicos em suas fórmulas e design. Quando penso nisso sempre me vem à mente uma entrevista dada alguns anos atrás por Shigeru Miyamoto, o pai de Mario, para o site francês Game Kult em 2012.

Em um determinado momento dessa entrevista, ele é perguntado sobre porque a Nintendo nunca mais lançou nenhum título inédito da série F-Zero desde 2004, e uma enquete no Twitter havia revelado que F-Zero era o preferido das pessoas, e ele respondeu o seguinte:

Miyamoto: Estou muito feliz de ouvir a opinião do Twitter, pois desde o primeiro jogo no SNES muitos jogos foram feitos, mas a série evoluiu muito pouco. Eu pensei que as pessoas estivessem cansadas disso. […] Eu também estou curioso e gostaria de perguntar: Por que F-Zero? O que vocês gostariam que nós já não fizemos antes?

Para Miyamoto, lançar a sequência de um jogo por si só não é o suficiente, se o jogo não se mostrar a que veio, o porquê de ele existir e como ele inova nas suas ideias. E podemos ver isso traduzido nos jogos que a Nintendo lança para suas plataformas ao longo dos anos, mesmo em títulos calejados como Super Mario e Legend of Zelda, até novas franquias como Pikmin ou Splatoon. Todos os jogos feitos internamente por seus estúdios apresentam novas formas de jogar.

Ao longo dos anos, as franquias da Nintendo vêm trazendo inovações que são levadas para toda a indústria. Super Mario Bros. lançado para o Famicom no Japão em 1985, e em 1987 para o NES, foi um dos primeiros jogos de plataforma lançados, e já surpreendeu o mundo com seus controles precisos, trilha sonora, inimigos etc. Não surpreendente, é até hoje não só considerado um dos melhores jogos já feitos, como também um dos mais vendidos de todos os tempos.

Se os jogos em plataforma são variações dos “jogos de navinha” laterais, todos os jogos de aventura 2D são variações de Super Mario, só lembrar que ninguém pulava em cima de inimigos para derrota-los antes do Mario.

Pulo, o fundamento central de Super Mario Bros.

É importante voltarmos para a “nova forma de jogar”. Super Mario Bros. baseia toda a sua mecânica em um elemento principal: o pulo.

O modo como Mario pula ou quica sobre os inimigos dita todo o ritmo das fases e do level design, alguns momentos pedem mais calma, outros exigem agilidade, tudo baseado em uma mecânica principal que serve de base para garantir toda a experiencia do jogador.

Em entrevista que saiu na revista “Super Mario 64 strategy guide” junto com o lançamento do jogo no Nintendo 64, Miyamoto também falou um pouco sobre esse processo de criação, aqui especificamente para Super Mario 64:

Miyamoto : Bem, no começo … estávamos trabalhando em algo realmente simples – enganosamente simples, mesmo da perspectiva da equipe que terminaria o grande jogo final. […] Havia uma sala feita de blocos simples tipo lego, onde Mario e Luigi podiam correr por ali, subir ladeiras, pular etc.

[…] É assim que criamos jogos na Nintendo: primeiro fazemos as partes fundamentais e, depois, fazemos tanto com esse conceito básico quanto nosso tempo e ambição permitirem.

É fácil perceber isso nas dungeons Legend of Zelda, onde cada uma apresenta uma ideia, ensina os fundamentos para o jogador e depois explora os mais diversos tipos de desafios com os conceitos. Ou como Metroid vai aos poucos dando novas habilidades e ensinando para o jogador como usá-las em seus cenários.

Alguns jogos são inteiramente baseados em um elemento novo, como o aspirador de pó de Luigi’s Mansions ou a arma d’agua em Super Mario Sunshine.

Mas talvez seja um pouco mais profundo do que isso, e outra estrela da Nintendo pode explicar melhor do que eu de onde vêm a inspiração deles em criar novos jogos, ninguém menos que Gunpei Yokoi, que criou nada menos do que o Game Boy. Em uma de suas últimas entrevistas, em 1997, ele foi perguntado sobre como se sentir sobre a nova geração de vídeo games, como o Nintendo 64 e Playstation.

Yokoi: Atualmente, existe uma enorme variedade de jogos de console, mas para mim, a maioria deles não são “jogos”. A palavra “jogo” significa algo competitivo, onde você pode ganhar ou perder. Quando olho para jogos recentes, vejo que a qualidade está diminuindo e o que estou vendo cada vez mais são jogos que desejam oferecer a você a experiência de uma história curta ou de um filme.

Yokoi era um defensor dos jogos com foco em “gameplay primeiro”, onde todo o design do game era criado primeiramente a partir da ideia de como ele seria jogado, e não de seu enredo:

Yokoi: Os jogos recentes pegam os mesmos elementos básicos de jogos antigos, mas dão um tapa nos personagens, melhoram os gráficos e a velocidade de processamento … basicamente, eles fazem jogos através de um processo de ornamentação. É aqui que estamos nos jogos de console hoje, mas acredito que ainda existem variedades mais básicas de jogabilidade competitiva a serem descobertas.

E olha só como era o processo de criação de um jogo feito por Gunpei Yokoi:

Yokoi: Primeiro, pego o personagem (ou personagens) que você vai controlar e os substituo por um ponto como placeholder (marcador de posição), depois penso em que tipo de movimento seria divertido. Basicamente, estou tentando me colocar no lugar do jogador e descobrir o que ele gostaria. Além disso, quando faço personagens, tento projetá-los de uma maneira que ensine aos jogadores como jogar o jogo. Em outras palavras, se um inimigo parecer muito bonito, ele não parecerá um inimigo para o jogador. Mas se você lhes der uma aparência de inimigo, o jogador não precisará ler o manual ou qualquer coisa para saber “ah, eu tenho que evitar esse cara”.

No inicio do desenvolvimento de Splatoon, a mecânica estava pronta e os personagens eram apenas blocos quadrados

Até mesmo um dos jogos mais recentes da Nintendo, Splatoon, usa a mesma filosofia de design, primeiro os desenvolvedores imaginaram um jogo em 3D sobre atirar e nadar em tinta, e usar esse elemento para fazer basicamente tudo no jogo. Quer subir uma parede ou recarregar sua arma de tinta? Pinte a parede e nade sobre ela!

Só depois dos elementos básicos do jogo serem determinados é que veio a ideia de o personagem ser uma lula humanoide, não por algum motivo específico de história, mas porque é o que mais fazia sentido nesse contexto.

Em entrevista para o site da Nintendo UK, Hisashi Nogami, produtor de Splatoon, explica melhor isso pra gente:

Nogami: O primeiro ponto foi que precisava ser divertido de jogar, e uma vez que conseguimos isso, concebemos os personagens e a visão de mundo para combinar perfeitamente com a jogabilidade. Nós sentimos que um novo mundo com novos personagens era mais adequado para a jogabilidade, e foi assim que criamos essa franquia.

Voltando ao exemplo do F-Zero, a Nintendo só produz um jogo quando existe uma coisa nova para ser explorada, mesmo que seja simples, como a mecânica dos 3 dias de Majora’s Mask, modificar o veículo em Mario Kart 8, ou colocar 3 personagens diferentes para controlar em Pikmin 3.

Tudo isso explica como eles foram capazes de criar um ambiente em 3D que fosse tão satisfatório de explorar como Super Mario 64, em um estilo que é usado até hoje para jogos de aventura. Ou como eles resolveram mecânicas de combate e puzzles em 3D com Ocarina of Time, antes de qualquer outra empresa.

Basicamente, pensar o gameplay primeiro é a formula de sucesso da empresa, e em um mercado onde as grandes empresas arriscam cada vez menos em novas ideias, seja a razão pela qual os principais jogos da Nintendo sejam tão queridos até hoje, os personagens, as histórias, ou universos, tudo vem da criação de um jogo completo e divertido primeiro.

Sabe as teorias engenhosas de fãs sobre os enredos de Legend of Zelda ao longo dos anos? Sinto decepcioná-los, mas as narrativas são feitas apenas para beneficiar o gameplay, como confirmado pelo roteirista Mitsuhiro Takano, que trabalhou entre os jogos Ocarina of Time, até Twilight Princess em entrevista para o antigo diretor executivo da Nintendo, o grande Satoru Iwata:

Takano: Bem, as tramas dos jogos Zelda sempre foram amplamente descritas pelo diretor no início. Então, cada vez que um novo e interessante elemento de jogo é criado, algo é adicionado à história para acomodá-lo.

Iwata: Ah, então a ênfase não é colocada na história desde o começo?

Takano: De jeito nenhum. Isso nunca foi feito assim.

Iwata : Então, em poucas palavras, o enredo de Zelda é criado para trazer o melhor dos elementos divertidos e interessantes da jogabilidade, de maneira que a consistência da história seja mantida. Acho que sua maior tarefa é o ato de equilíbrio necessário para garantir que isso seja feito com sucesso.

Takano: Sim, e foi por isso que consegui fazer meu trabalho tão bem, percorrendo cada seção e absorvendo informações delas […] por causa de quão bem cada um dos líderes da seção incorporou coisas interessantes ao jogo.

E talvez isso explique também o grande sucesso dos estúdios indie nos dias de hoje, essa filosofia é fundamentalmente o que pequenos desenvolvedores usam para criar seus próprios projetos, ideias inovadoras que eles acham que seria muito divertido de jogar.

É claro que eles não são infalíveis, alguns jogos simplesmente não funcionam, nem todas as ideias são geniais ou fazem as pessoas gostarem mais do jogo, eu sempre me lembro de Star Fox Zero, o jogo que deveria popularizar o Wii U, mas passou longe disso. Ou mesmo dos jogos “mais do mesmo” lançados por estúdios second party, como os Pokémon. Mas nem por isso esses jogos perdem o brilho, ou mesmo deixam de ser sucessos de venda.

Por isso acredito que ainda veremos esse estilo de design por anos a fio, e por esse mesmo motivo eles seguirão produzindo conteúdo consumido por milhões de fãs ao redor do mundo mesmo com a forte competição de empresas muito maiores como a Sony, Microsoft e Google. Pois no fim das contas, enquanto a Nintendo lançar um aparelho prático para jogar videogame, nós iremos atrás dele pelo conteúdo único que só eles sabem produzir.