Um rato louco, e morto, ganha uma nova chance de voltar à vida e realizar seus sonhos (ou vinganças) em Mad Rat Dead. Esse é um jogo original que articula uma história surpreendentemente complexa, com jogabilidade que combina plataforma e aventura rítmica. O personagem principal divide seu protagonismo com a própria música, formada por obras originais e modernas de compositores e instrumentistas japoneses.
Desenvolvimento: Nippon Ichi Software
Distribuição: NIS America
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Música, Plataforma, Ação
Classificação: 13 anos
Português: Não
Plataformas: Switch, PS4
Duração: 6 horas (campanha)
Rato morto
Quando o jogador encontra Mad Rat, o rato de laboratório está desacordado, preso pelas patas enquanto as mãos gigantes de um humano de jaleco lhe cortam o ventre. Em uma cena lenta e gráfica, é possível ver o bisturi se movendo e lentamente abrindo o corpo do rato, cujos órgãos internos expelem-se para fora. Estranhamente, o jogador é de imediato consultado para saber sua posição em questões éticas e morais: “você tem suas próprias convicções?”, “Se for possível salvar muitos, você deve tentar?”, “Este rato merece morrer?”. Essas posições não alteram o destino trágico do personagem principal, mas apontam para a ambivalência de uma história que parece simples, mas que se desdobra em idas e vindas, repetições temporais e julgamentos morais.
O tom sério da história é bruscamente rompido pela aparição de uma nova personagem: Rat God — a Deusa Rata — é uma roedora antropomorfa e alada que se apresenta como uma divindade capaz de conferir uma nova chance a Mad Rat. Sua figura traz cores chamativas — uma mistura de rosa, verde e amarelo — e parece uma mistura de fada com o Chapeleiro Maluco, personagem de Alice no País das Maravilhas. Embora mantenha o aspecto cartunesco, ela definitivamente traz um aspecto mais leve ao jogo, e por isso mesmo gera estranheza.
Ainda entramos em contato com o Coração, um companheiro do personagem principal que ocupa a cavidade aberta no meio do cadáver de Mad Rat. Embora ele consiga sair do corpo e interagir entre cada fase, sua principal função ao longo da narrativa é garantir a sobrevida de um corpo estropiado. Com o poder da Deusa, Mad Rat volta no tempo para reviver o dia de sua morte, jurando se vingar do humano que realizou a operação em seu corpo. É o coração, em seu peito, que bate ao longo das fases e seguindo o ritmo das músicas que guiarão Mad Rat por sua aventura de ressentimento e loucura.
O andamento do coração
Mad Rat Dead consiste em fases distribuídas em capítulos, que seguem a progressão cada vez mais surpreendente da história de Mad Rat. Cada uma delas se passa em ambientes diversos, com obstáculos, plataformas e uma pequena variedade de inimigos de cores gritantes e que parecem ter surgido de outra realidade, como alucinações visuais. Apesar disso, cada fase tem como elemento mais marcante a música de fundo. Trata-se afinal de um jogo rítmico, em que deve-se atravessar as fases seguindo o andamento de cada música, que também corresponde à batida do coração do personagem.
São quatro movimentos básicos, associados aos quatro botões: A para impulso, a principal forma de movimento do jogo; B para salto; X para concentrar energia (e tornar o impulso ligeiramente maior); e Y para um movimento vertical para baixo. Cada um desses movimentos pode ser combinado para atravessar as fases ou escapar de inimigos: o salto pode ocorrer após o impulso e se combinar a outro salto menor; um impulso pode ser sucedido por até mais um, antes de tocar o solo; tanto o salto quanto o movimento para baixo podem servir para atacar certos inimigos em um movimento automaticamente teleguiado; pode-se saltar consecutivamente entre paredes; e a concentração de energia pode dar aumentar o tempo no ar, antes da queda.
Tudo isso deve ser feito seguindo o andamento da música, e é aí que se encontra o ponto chave do jogo: ações realizadas antes ou depois de uma pulsação geram um movimento menos eficaz e ações que não respeitam o andamento podem ser completamente ignoradas. Mad Rat Dead mostra constantemente a situação de cada ação, além de oferecer guias visuais e táteis (por meio da vibração do controle) que ajudam a reconhecer o andamento de cada música.
Da capo al fine
Cada fase se inicia com um prelúdio da música, para que o jogador se adapte a sua batida. Na parte inferior da tela, ondas representam o andamento e, quando atingem o coração no centro, o jogador deve realizar a ação. Tudo se torna bastante frenético, principalmente nas fases em que o andamento é mais acelerado ou em músicas que apresentam variações rítmicas. Quando o jogador realiza boas ações consecutivas, um marcador de combo sobe e o personagem Coração vibra no canto da tela como se estivesse em uma apresentação de música ao vivo. Quando sofre dano, entra em cena uma das principais mecânicas: um coração-relógio surge na tela e faz com que Mad Rat volte algumas batidas no tempo para tentar uma nova combinação de ações que o faça superar algum obstáculo.
Apesar de voltar no tempo, a contagem regressiva de cada fase não volta a crescer. Uma grande sequência de erros pode reduzir o contador tornando difícil que a fase seja completada sem que se comece tudo do início. Embora exista um prejuízo ele não é tão preocupante, a menos que o jogador busque boas classificações em cada fase: o maior combo de ações, a quantidade de movimentos no tempo da música e a rapidez em que se completa cada fase geram um conceito no final.
O principal prejuízo da mecânica de rewind (rebobinar) é certamente a interrupção da música. Com Mad Rat Dead, tive a mesma sensação de quando toco música em grupo ou individualmente. Há um tipo de prazer muito próprio em produzir música e realizar movimentos corporais precisos: para quem não toca um instrumento, uma sensação parecida é a de bater palmas em um show musical, integrando movimento e som. A interrupção da música lembra os momentos de estudo de uma passagem musical particularmente difícil, em que é preciso repetir algumas vezes até conseguir executar uma determinada melodia. Assim, ainda que a interrupção seja frustrante, alcançar sequências perfeitas gera um sentimento de recompensa muito positivo.
As fases podem ser jogadas novamente fora do modo história, quando é possível aumentar a pontuação em cada fase e, com isso, cumprir os critérios para vários achievements disponíveis aqui. Ainda se tem acesso ao modo difícil de cada fase, em que são adicionadas batidas duplas obrigatórias ao andamento de cada música. Sempre aprecio quando os jogos oferecem a opção de uma maior dificuldade, mas nesse caso, as versões difíceis são mais frustrantes que empolgantes. A ilusão de fazer música nesse caso se perde um pouco quando batidas tão frequentes e precisas são feitas nos botões do controle.
Loucura e alucinação
Mad Rat Dead consegue unir plataforma e aventura rítmica. É um jogo predominantemente musical que traz faixas originais muito interessantes, com tudo que um produto como esse demanda: músicas com batidas claras, melodias cativantes e uma adequação entre a estranha loucura e as alucinações do personagem principal e a progressão de dificuldade em andamentos mais acelerados e ritmos mais complexos. O electro swing das faixas permite a combinação de instrumentos e batidas eletrônicas com progressões harmônicas e brilhantes sequências melódicas com instrumentos acústicos.
A experiência do jogador é completamente conectada à experiência musical, tanto como ouvinte como quem executa a música e é o responsável por sua sequência sem pausas. Mas, além disso, Mad Rat Dead consegue surpreender com uma narrativa surpreendentemente complexa e cheia de nuances morais e reviravoltas. O personagem principal, um rato cheio de raiva e sedento por vingança, vive uma verdadeira jornada de herói, entendendo seu papel e suas possibilidades em um mundo de enganos e sutilezas.
Cópia de Switch cedida pelos produtores
Revisão: Jason Ming Hong