Beyond: Two Souls é mais um dos filmes interativos criados e dirigidos por David Cage em parceria com a Sony. Originalmente lançado para PS3 em 2013, remasterizado para PS4 em 2015 e portado para PC em 2019, o game da Quantic Dream traz uma história sobrenatural com uma premissa interessante, mas prejudicada por um ritmo confuso e inconsistente, além de algumas escolhas criativas questionáveis.
Desenvolvimento: Quantic Dream
Distribuição: Quantic Dream, Sony Interactive Entertainment
Jogadores: 1-2 (local)
Gênero: Ação, Aventura
Classificação: 16 anos (violência, atos criminosos, linguagem imprópria)
Português: Interface, dublagem e legendas
Plataformas: PS3, PS4, PC
Duração: 14 horas (campanha)/27 horas (100%)
Vivendo com companhia
Estrelado por Elliot Page, Beyond: Two Souls retrata a história de Jodie, uma menina que mantém um intrigante contato paranormal com Aiden, uma entidade espiritual com o poder de manipular objetos, atravessar paredes, sentir energias passadas e até entrar no corpo de pessoas. A jovem psíquica sempre sofreu por causa disso, e, em determinado momento, seus pais adotivos decidiram entregá-la para uma clínica médica da CIA dedicada à investigação de atividades paranormais.
Jodie passa a viver confinada em um laboratório aos cuidados de um pesquisador, interpretado por Willem Dafoe, até ser obrigada a trabalhar para a agência, usando suas habilidades para coletar informações secretas para o governo. Aos poucos, a protagonista se envolve em uma confusão envolvendo um dispositivo que permite o contato com o Inframundo, o lugar oculto onde entidades como Aiden vivem. Simultaneamente, ela se torna vítima das intenções ocultas dos EUA em relação à sua própria paranormalidade e decide fugir de tudo, passando a ser procurada por todas as instituições americanas.
Assim como em vários jogos cinematográficos, cabe ao jogador ditar os rumos da trama, escolhendo como Jodie deve se comportar nas situações que surgem na campanha. Entretanto, a trama segue um roteiro fixo e tem poucas escolhas realmente impactantes, apesar de oferecer múltiplos finais. Ainda assim, a narrativa é bastante reativa às decisões, exibindo os desdobramentos de cada rumo de forma natural, sem ser perceptível como ocorre, por exemplo, nos títulos da Supermassive, como The Quarry ou a antologia Dark Pictures.
Defeitos narrativos
O autor decidiu seguir uma cronologia não linear para retratar as múltiplas épocas da vida da protagonista, alternando entre diferentes momentos ao longo dos anos em cada cena. Isso dá um ritmo dinâmico à campanha, mas, em contrapartida, faz com que a narrativa tenha um andamento confuso, embora tudo seja devidamente elucidado aos poucos. Nunca há uma conexão aparente entre as cenas de épocas distintas, como se o jogo fosse só pulando de um acontecimento importante da vida de Jodie para outro, sem um desenvolvimento satisfatório para cada evento.
Essa organização, pelo menos, equilibra a gameplay, inserindo momentos mais calmos entre cenas frenéticas, mas em detrimento da compreensão da trama. Isso pode ser resolvido por um modo secundário, que reedita toda a história em um formato cronológico, dando mais impacto a cada evento justamente por eles fazerem sentido. Porém, na versão original, há diversas seções longas e maçantes que ficam jogadas na trama, sem grandes explicações delas ocorrerem no momento em que são executadas.
Há várias partes que são irrelevantes para a trama e até para o desenvolvimento da protagonista, já que parecem ter sido inseridas somente para chocar os jogadores. David Cage aparenta ter uma insistência em traumatizar Jodie, como se fosse a única maneira de dar um tom maduro à história ou de gerar compaixão e empatia por ela, mesmo que o retrato de sua infância difícil seja suficiente para compreendê-la. Por conta disso, a personagem principal fica presa em um ciclo de miséria no decorrer de toda sua jornada, sem que nada verdadeiramente bom lhe aconteça. As seções focadas na paranormalidade são deixadas de lado para isso, também prejudicando o ritmo da história sem uma boa razão, uma vez que, como essas cenas podem ser puladas, elas não chegam a impactar a narrativa de forma significativa.
Controlando dois personagens
Beyond: Two Souls oferece uma das jogabilidades mais criativas possíveis dentro desse formato de filmes interativos, fazendo um ótimo uso das funcionalidades únicas dos controles DualShock. É necessário realizar vários movimentos físicos com o joystick para controlar Jodie e Aiden, além de combinações específicas de botões durante as cenas. O game não é restrito a apenas assistir e escolher opções até os créditos rolarem, pois há mais do que isso.
Embora Beyond: Two Souls tenha sido projetado com os joysticks da Sony em mente, a versão para computadores tem suporte ao mouse e teclado. Porém, esse não é o melhor jeito de prestigiar o título, porque todos os movimentos físicos precisam ser feitos com o mouse em vez do controle. Na maior parte do tempo, isso não chega a ser confortável.
Ao controlar Aiden, é possível andar livremente pelos cenários, ouvir conversas de outros personagens e descobrir segredos adicionais. Contudo, isso, quando feito de forma livre, não é intuitivo porque apesar do espaço ser enorme, as interações só existem em áreas oportunas ao que está ocorrendo na trama, dando para perder tempo explorando locais irrelevantes. Para resolver isso, os desenvolvedores disponibilizaram um modo que tira essa liberdade, destacando o que pode ser interagido no momento, resultando em mais agilidade ao game. Há um outro modo que permite que outra pessoa assuma o controle de Aiden, possibilitando uma jogatina em dupla.
Bons visuais
Mesmo sendo um título de 2013 que foi lançado no fim da geração do PlayStation 3, Beyond: Two Souls apresenta gráficos excelentes. Os modelos de personagens são extremamente detalhados e as animações, tanto faciais quanto corporais, são esplêndidas e realistas – essa é uma área que os jogos da Quantic Dream sempre tiveram um certo nível de excelência, acima de outros estúdios.
Em comparação com games recentes do gênero (como Detroit: Become Human, que foi o próximo jogo do estúdio), a principal diferença gráfica está na ausência de certos complementos visuais na iluminação e na ambientação, algo compreensível devido às limitações de um hardware de 2006.
Além disso, algumas cenas e efeitos visuais são exibidos a 30 quadros por segundos, criando uma pequena discrepância, já que o restante roda a 60fps. No entanto, isso não compromete a experiência, que se destaca pelas atuações espetaculares de Elliot Page e Willem Dafoe. É um jogo interessante de acompanhar, mas é uma grande pena que, apesar de ser quase tecnicamente perfeito, o game falhe em seu ponto principal: a história.
Tem problemas, mas vale a pena prestar atenção
Beyond: Two Souls apresenta boas ideias e uma gameplay envolvente, mas é prejudicado por uma narrativa estruturalmente bagunçada e por uma falta de sensibilidade em relação à sua protagonista. A tentativa de humanizar a personagem principal por meio de eventos trágicos torna parte da história cansativa, com muitas cenas chocantes que não possuem um propósito claro para o desenvolvimento do enredo – que, fora isso, conta com várias reviravoltas e surpresas, sendo, acima de tudo, uma boa história para os fãs de obras que tratam de temas sobrenaturais.
Cópia de PC adquirida pelo autor
Revisão: Ailton Bueno