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Nostalgia e videogame

Segundo Gislene Silva, no artigo The rural imaginary of the urban reader: the mythic dream of a house in the country, o “olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê” (SILVA, G, 2009, p. 4). As palavras “saudades” e “nostalgia”, podem ser associadas a um sentimento de perda. Olhar para o passado e reviver nossas lembranças (individual ou coletivamente) é algo inato ao ser humano e, às vezes, é fruto de certo “desajuste” social sobre o tempo. Isso é nutrido pelo pessimismo e falta de perspectiva frente ao presente, que faz com que essa idealização retrospectiva pareça mais bela do que de fato é.

A nostalgia, como dispositivo de memória, é causada pela fixação no passado que traz consigo a ilusão de plenitude através de uma idealização conservadora sobre o tempo. Em linhas gerais, ela é contemporânea da utopia. Mas, por mais que o termo esteja atrelado à ideia de “sofrimento”, nem sempre a nostalgia é melancólica e paralisadora. Essa lembrança promove sensações que geram certa conexão emotiva. No caso dos games, a romantização desse passado remonta a infância de muitos. Nesse sentido, não existe a possibilidade de hierarquizar valores ou julgar uma experiência que é puramente subjetiva e pessoal.

Lucrando com a nostalgia

O interessante disso tudo é que a indústria de games, percebendo o potencial comercial da nostalgia, passou a investir nesse sentimento para lucrar. Os inúmeros remakes e remasters brincam com esse sentimento, na medida em que revisitam o passado para trazer jogos que marcaram a infância de muitos. O próprio lançamento das versões miniaturas dos consoles dos anos 80 e 90 (NES, SNES, Mega Drive e PlayStation) joga com essas sensações, mas adequam a experiência aos novos tempos. Nesse sentido, nada de assoprar fitas ou se preocupar com save points e Memory Cards. Há uma simbiose sensível entre o passado e o presente.

A partir do momento que se capitaliza essas emoções, essas empresas se fortalecem frente ao público consumidor, maximizando os lucros e ainda faz com que o boomer (aquele tiozão mais velho que condena a nova geração e acha que só antigamente que era bom) bata no peito e diga erroneamente que Resident Evil 2 Remake só existe por sua causa. Essa visão comercial é quase à prova de falhas, pois aguça a curiosidade daqueles que querem reviver a sua infância (com uma nova roupagem), mas também apresenta um atrativo visual e mecânicas contemporâneas que despertam o interesse do jovem que nem era nascido quando o jogo original foi lançado anos atrás. Quem jogou Final Fantasy VII no seu lançamento, em 1997?

O anacronismo e o cárcere temporal

Jogar videogame é algo atemporal e a experiência algo pessoal.
Jogar videogame é algo atemporal e a experiência algo pessoal.

Aos críticos e aos saudosistas existem dois perigos: o anacronismo e o cárcere no tempo. O primeiro se relaciona com aquelas pessoas que, com o olhar de agora, do tempo presente, buscam medir as experiências do passado dentro de uma perspectiva contemporânea. Sendo os games algo ligado diretamente à tecnologia e tomando como fato os avanços constantes desses aparatos, a evolução é algo quase que “natural”. Seria como exigir gráficos em 4K num jogo qualquer de Nintendo 64 sendo curtido numa TV de tubo. Logo, o novo nesses casos, sempre parecerá melhor que o velho. Mas, não devemos agregar valor ou sentir falta de algo que não existia.

O segundo caso está atrelado a imobilidade causada pelo saudosismo puro e simples daqueles que revivem constantemente o passado e rejeitam as transformações do tempo presente, aprisionando-os num espaço e tempo específicos. Para essas pessoas, a memória afetiva acaba idealizando um passado irreal, arquitetado por um modelo pré-estabelecido. Há, nesse sentido, uma oposição àqueles que cometem o anacronismo: o velho sempre será – ao seus olhos – melhor do que o novo.

Valorizando o passado

O consumo de jogos e a indústria de games mudou nos últimos trinta anos. A geração dos anos 80 e 90 cresceu acompanhando essa transformação. Como “cria” dos anos 80, já até cheguei a escrever sobre minha experiência por aqui. E, realmente, é muito difícil pensar criticamente sobre esse tema.

Assoprar cartuchos que cismavam em não funcionar, os controles com fio que derrubavam consoles, os passwords, consumir revista de jogos num momento onde não havia internet (e muito menos YouTube), ir à feira trocar jogos, alugar uma fita no final de semana, juntar dinheiro da merenda para comprar um joguinho novo, se juntar com os amigos e jogar horas à fio. São experiências que, dificilmente, um jovem de quinze a dezoito anos viverá atualmente. E por estar atrelada a infância daqueles que cresceram com isso, nossa imaginação sobre esses tempos – como citado mais acima no artigo de Gislene Silva – transvê (ou transforma) nossas próprias lembranças.

Isso quer dizer que antigamente não era bom? Não! Da mesma forma, não há como dizer que antigamente era bom. Tratam-se apenas de experiências e visões diferentes sobre o passado e de caráter puramente pessoal. Se a felicidade nos faz ter vontade de compartilhar, a nostalgia nos conecta e gera empatia. Para além da nostalgia, os jogos antigos nos ajudam a perceber a evolução tecnológica. Assim sendo, olhar para esse passado é necessário para valorizarmos (e compreendermos) tudo que foi construído até agora. 

1 SILVA, G. The rural imaginary of the urban reader: the mythic dream of a house in the country. Brazilian Journalism Research, Brasília, v. 5, n. 01, p. 154-162, Jan/Jun, 2009.

Revisão: Jason Ming Hong