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O que mudou nos videogames nos últimos anos?

Tendo surgido de um programa de computador, os videogames sofreram enormes mudanças e ressignificações ao longo do tempo. Paralelo a isso, a forma como lidamos e experienciamos os jogos também mudaram. O que quero dizer é que o consumo de jogos e a indústria de games como um todo mudou muito nos últimos quarenta anos. E isso sempre gerou calorosos debates que tentam medir qual momento da história dessa indústria do entretenimento é melhor. Na verdade, é um debate infrutífero, pois tratam-se de experiências e visões diferentes sobre o passado e presente, que possuem caráter puramente pessoal. 

Eu posso ver qualidades e defeitos nos jogos de ontem e hoje, mas jamais diminuir a importância deles para a própria história da indústria. Por que estudamos História? Para compreender os fenômenos sociais, culturais, políticos, enfim, as ações de homens e mulheres ao longo do tempo que possibilitaram – para o bem ou para mal – estarmos onde estamos hoje. A mesma coisa acontece com os videogames. Assim, salvo essa relevância, acho divertido – olhando em retrospecto – perceber como que a forma que consumimos e os próprios jogos mudaram. Por que não passear por essa história e ver o que mudou nos videogames nos últimos anos?

Onde tudo começou

Os arcades nos anos 70.

Para alguns, o início dos anos 70 e começo dos anos 80 representou a Era de Ouro dos Arcades. Nessa época, jogos como Space Invaders, Donkey Kong e Pac-Man eram figuras cativas em qualquer estabelecimento que se prestava a se aventurar no ramo. Muitos desses jogos eram produzidos pela Atari, empresa fundada por Nolan Bushnell e Ted Dabney, em 1972. Mais ou menos nesse período, era lançado o primeiro console. Porém, o Atari Video Computer System (VCS) era muito caro. E isso acabou motivando a empresa a continuar trabalhando na produção de um novo aparelho que estivesse mais de acordo com o “bolso” dos consumidores. É assim que nasceu o famoso Atari 2600, o primeiro videogame de muitos. 

Até aqui os consoles eram vistos como uma espécie de computadores fabricados exclusivamente para jogar. Como era mesmo o nome do console da Atari? Atari Video Computer System. E o nome do primeiro console Nintendo? Family Computer. Era uma forma de apresentar uma tecnologia nova sem a necessidade de criar toda uma campanha publicitária explicando a serventia daquele produto. A associação com brinquedo, de toda forma, começava a engatinhar. E algumas campanhas publicitárias já faziam, inclusive, essa associação, mirando as crianças. 

A evolução dos controles.

Os controles eram simples – uma espécie de miniaturização das manetes dos arcades – e contava com um ou dois botões de ação. Numa época onde tecnologia wireless e bluetooth eram inexistentes, todos os controles contavam com fio, o que gerava alguns acidentes. O mais comum era ou alguém tropeçar e levar o console junto (meu pai tropeçou no fio e derrubou o PlayStation no dia que havia comprado o aparelho), ou a fiação se partir fazendo com que o controle parasse de funcionar, nos obrigando a comprar outro para substituí-lo. Digamos que era o “drift” dos anos 80 e 90. 

Os jogos, em geral, assim como os controles, não tinham nada de complexo. A maioria ou eram aqueles shooters espaciais (os famosos Shoot ’em up) ou platformers. A narrativa era quase que totalmente subjetiva (pra não dizer inexistente), e o foco centrava-se sempre na ideia de alcançar a maior pontuação. E como eram jogos demasiadamente curtos, a dificuldade era bastante elevada para prolongar nossa experiência com esses games. Uma outra explicação para isso é que os jogos, por serem muitas vezes conversões dos arcades, mantinham a dificuldade elevada dessas máquinas. Uma tática sorrateira para que os jogadores da época gastassem bastante fichas nos fliperamas. O engraçado é que hoje em dia há um debate gigantesco sobre a dificuldade excessiva nos jogos, tendo os títulos da From Software sempre no meio dessa confusão.

Queda e renascimento

A crise dos videogames.

Com o sucesso dos videogames, títulos de qualidade duvidosa começaram a ser lançados. Dentro da lógica liberal de oferta e procura, é seguro dizer que a “oferta” extrapolou em muito a “procura” e, com isso, veio a crise. Grande expoente disso – e já uma história super batida – foi o jogo do E.T., para o Atari. Coube a Nintendo e a SEGA darem uma ressignificação aos jogos eletrônicos, apresentando um hardware mais avançado, mas ao mesmo tempo compacto e com jogos mais atrativos. O volume de títulos disponibilizados no mercado, ou seja, a janela de lançamentos, se tornou mais cadenciada. Os jogos começaram a ganhar uma narrativa mais forte, apesar de ainda um pouco singela. A ideia de brinquedo é abraçada com mais intensidade: a Nintendo mirando um público mais jovem e a SEGA os adolescentes.

No Brasil, a entrada – digamos – “oficial” desses aparelhos ganhou muito mais força no início dos anos 90, com a Playtronic (junção da Estrela e Gradiente) trazendo os consoles da Nintendo para o país. Foi sob a batuta da Playtronic que o Nintendinho, o Super Nintendo, o Game Boy, Virtual Boy e o Nintendo 64, chegaram ao país. Um pouco antes, a Tec Toy havia começado a fazer o mesmo com os aparelhos da SEGA. Para contextualizar, na década de 80, o que prevalecia era a política de reserva de mercado, uma política governamental que impedia o acesso a importação de certos produtos (incluindo aí os videogames) com o intuito de promover um incentivo à produção nacional. Por conta disso, o que tínhamos – utilizando tecnologia reversa – eram clones de Atari e Nintendinho produzidos por empresas diversas como Dynacom, CCE e Gradiente. O meu primeiro console, por exemplo, foi um desses clones: o Turbo Game, da CCE.

Com o controle quase exclusivo da Nintendo e SEGA, o mercado de jogos se consolidou e, gradativamente, foi se transformando numa indústria. Novos consoles chegariam trazendo títulos com jogabilidades e narrativas mais complexas. Novos gêneros foram se estabelecendo – como beat ‘n’ up, luta, RPG – e os platformers foram se reinventando (vide Super Mario Bros e Metroid). Os controles passaram a ganhar mais botões. Foi espantoso, por exemplo, ver os seis botões – sendo dois de ombro – do joystick do Super Nintendo, em 1990. 

Novo saltos técnicos

Como a duração dos jogos foram ficando maiores, a dificuldade foi diminuindo e elementos de preservação do progresso surgiram. Algumas fitas vinham com uma bateria interna que nos possibilitou salvar o progresso. The Legend of Zelda foi o primeiro jogo da história a possuir essa bateria dentro do cartucho. Mas, o mais comum era o uso dos chamados Password. Ou seja, a cada passagem de fase, um código nos era dado. Se a tela de Game Over aparecesse, era só utilizar o código que poderíamos iniciar o jogo daquele ponto específico. Hoje em dia a galera gosta de sofrer (ou se divertir, vai de cada um) com Roguelites da vida.

Usando os passwords.

Ainda no início dos anos 90, alguns jogos de arcade começaram a se aventurar no mundo 3D. Virtua Fighter e Daytona USA, por exemplo, são de 1993 e 1994, respectivamente. O ano de 1994 representou também a entrada desse mundo tridimensional nos lares dos jogadores. Foi o ano de lançamento, no Japão, do primeiro PlayStation e do SEGA Saturn. A partir daí, os desenvolvedores foram lentamente deixando um pouco de lado os visuais em pixel art e passaram a tentar entregar uma experiência mais fotorrealística. Apesar dos estúdios indies felizmente terem resgatado esse belíssimo estilo artístico, parece haver uma tendência das empresas, a cada nova geração, em buscar aprimorar ainda mais os aspectos visuais de seus títulos, com gráficos em 4k (ou próximo a isso) e taxa de quadro a 60 fps, dentro de uma narrativa cinematográfica.

A forma que o nosso progresso era salvo também sofreu modificações. Com o primeiro PlayStation, por exemplo, fomos apresentados aos chamados Memory Cards. Eles eram pequenos cartões com 1MB de espaço, que deveriam ser colocados numa entrada logo acima da que o controle era encaixado no console e serviam para armazenar nossa jornada. Cada jogo consumia uma quantidade específica de blocos de salvamento. Assim, se o cartão estivesse cheio, ou a gente deletava blocos de outros jogos salvos ou deveríamos comprar um novo cartão. Ah! Era muito comum também esses cartões “queimarem”. Aí, meus amigos, era “adeus progresso”. Com o tempo, os consoles passaram a contar com uma memória interna capaz de salvar nossa aventura. Hoje em dia, com o advento da internet, os jogos ficam todos salvos na nuvem. 

Outra coisa que mudou bastante, pensando em retrospecto, é a questão das mídias utilizadas. Os disquetes foram substituídos por cartuchos, depois CDs, DVDs, Blu Ray e cartões proprietários, como o que a Nintendo utiliza no Switch, por exemplo. Mas, nessa geração em especial, a gente tem visto cada vez mais a popularização das mídias digitais. Tanto a Sony quanto a Microsoft colocaram no mercado versões de seus consoles sem a entrada de disco. Algo que é bom por um lado (pensando em consumo consciente) e ruim por outro, na medida em que o acesso aos catálogos dos consoles atuais nas gerações futuras fica preso à presença da retrocompatibilidade, além de esvaziar algo tão legal que era o senso de colecionismo tão comum nos anos 90 e início dos anos 2000.

Mudanças com a internet

Quando a internet ainda não era uma realidade, consumir tudo que diz respeito aos videogames era muito diferente de hoje. Todos sabemos, por exemplo, que são produtos caros. Antes, eram ainda mais inacessíveis por conta da ausência de uma política de crédito mais contundente e da inflação galopante, que diminuía ainda mais o poder aquisitivo dos brasileiros. Para muitos jovens, quando as revistas que pautavam os jogos começaram a surgir, elas passaram a suprir um pouco essa lacuna. Seria algo parecido com o que muitos fazem hoje em dia, quando assistem um streamer ou youtuber jogando um título do início ao fim.

Outra consequência da falta de acesso era a proliferação das locadoras de games. Tanto as que a gente podia jogar por hora, quanto aquelas que a gente podia alugar a fita para jogar em casa – geralmente no final de semana. Se as fitas são caras, é mais fácil alugar do que comprar. Se não posso ter o console da geração, vou à locadora e jogo o que quero por lá. Essa foi a realidade de muita gente. A pirataria, de certa forma, colocou uma “pá de cal” nessa prática. Isso somado a melhoria de nossa economia, no início dos anos 2000, com a facilitação do crédito e inflação controlada, que ampliaram levemente o acesso. O mais comum, na verdade, era consumir consoles de gerações antigas, devido à queda do preço. Saiu o Xbox Series X? Agora que eu pego o Xbox One.

Jogando com a galera.

A forma que socializamos também mudou. Nos anos 90 era de praxe irmos pra casa de algum amigo ou parente jogar horas à fio um Sonic, Super Mario World ou Street Fighter 2. Jogar cooperativamente ou competitivamente só era possível de forma presencial. Até no Nintendo 64 as partidas eram sempre em dupla. A partir do poderoso console 64-bits da Nintendo, quatro pessoas poderiam jogar ao mesmo tempo. Com os jogos online essa prática foi perdendo força, apesar de muitos títulos virem com a opção para multiplayer local. É bom frisar, também, que o público alvo ficou um pouco mais amplo. Muitos adultos – de todas as idades – jogam. Fatalmente, não há muito tempo, dentro da rotina diária, para jogar de forma presencial com os amigos. Apesar de boa parte dos consoles possuírem chat de voz integrado aos seus sistemas (menos a Nintendo), a experiência atual acaba sendo um pouco solitária. Mas, essa transposição não se refere apenas aos jogos, mas sim a toda vida social. 

A popularização da internet permitiu também a perda do monopólio da mídia especializada em videogames. Os fãs, nesse sentido, passaram a cobrir o hiato deixado por certa falta de representatividade nesse tipo de segmento. Além de sites e blogs dedicados ao assunto, como o próprio Jogando Casualmente, a gente passou a ver uma série de jogadores querendo fazer do seu entretenimento um esporte ou uma profissão. Coisas boas surgiram daí, é verdade. Vejo em canais dedicados no YouTube, como já dito, uma evolução das antigas revistas de videogame. Mas, coisas ruins e pouco agregadoras surgiram também. Prova disso é a presença de nomes tão controversos como o de Monark e da galera do Xbox Mil Grau, que utilizam o seu engajamento na rede de forma a normalizar atitudes preconceituosas (para dizer o mínimo).

Tudo tem seu valor e seu tempo

Assoprar cartuchos que não funcionavam, os controles com fio, os passwords, consumir revistas, ir à feira trocar jogos, alugar uma fita no final de semana, juntar dinheiro da merenda para comprar um joguinho novo, se juntar com os amigos e jogar sem parar. Enfim, tudo que foi dito até aqui, são experiências que, dificilmente, um jovem viverá atualmente. Isso tudo faz parte de uma cadeia evolutiva sedimentada pelo avanço tecnológico e capitalista. Porém, a falta de acesso e o desconhecimento sobre as histórias que envolvem esses produtos fazem com que muitos jovens não dêem o devido valor a tudo isso. De toda forma, novas memórias afetivas estão sendo construídas nesse exato momento. Tudo tem seu valor e seu tempo. As experiências mudam e novos significados surgem. Só precisamos apreciar e respeitar o caminho percorrido até aqui.

Revisão: Jason Ming Hong