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Review Fez (Switch) – A inquietante jornada pela realidade

Fez, atualmente, é um clássico jogo independente que, nove anos após seu lançamento original, recebe uma versão para o Nintendo Switch. No jogo, controlamos Gomez, uma criatura que precisa lidar com a inquietante descoberta de que seu mundo bidimensional é mais complexo do que imaginava. Ao explorar fases bem construídas e interconectadas, é preciso alterar a perspectiva para superar enigmas lógicos e plataformas desafiadoras.

Desenvolvimento: Polytron
Distribuição: Polytron
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Aventura, Plataforma, Puzzle
Classificação: Livre
Português: Sim
Plataformas: Switch, PC, Xbox 360, PS3, PS4, PSVita
Duração: 6h (campanha)

O Cubo? Isso não existe.

Gomez descobre uma nova dimensão de seu mundo.

Quando o jogo se inicia, entramos  em contato com uma realidade pixelada tranquila e confortável: uma vila vertical, pacata e arborizada, onde vivem pequenas criaturas em meio a passarinhos e moinhos de vento. Gomez, o protagonista, pode andar para os lados e pular, agarrar-se a plataformas, descer de um andar para o outro e até entrar nas portas de cada uma das casas. 

Entretanto, ele é logo atingido por um golpe existencial: uma aparição misteriosa que parece pertencer a outra dimensão faz uma revelação que altera completamente o seu entendimento da realidade. Aquele mundo bidimensional pode ser visto a partir de outras perspectivas, o que leva a um reordenamento do espaço, da disposição dos objetos e amplia as possibilidades de exploração e deslocamento do personagem principal.

No pensamento filosófico, essa experiência representa um movimento difícil e doloroso de rompimento dos dogmas, as certezas que todos temos sobre o mundo em que vivemos. Representa uma experiência negativa que nos separa da realidade que pensávamos conhecer. No jogo, esse momento é marcante não apenas para o protagonista, mas também para o próprio jogador: uma tela preta surge bruscamente e, como um terminal de computador, reinicia o jogo, levando-nos de volta à tela inicial. 

Quando se recomeça o jogo, ainda com a desconfiança de que aquilo se tratava de um erro no programa, Gomez está de volta ao seu ponto de partida mas, desta vez, acompanhado de um chapéu em forma de cubo e de um ser misterioso, Dot, que apresenta o principal comando a ser utilizado ao longo da aventura: a possibilidade de rodar o ponto de vista, de 90° em 90° utilizando os botões L e R. 

O personagem passa a explorar esse mundo que se mostra maior do que pensava e recebe a missão de coletar cubos e partes de cubo espalhadas pelas telas do jogo. A partir daí, Fez se torna uma aventura relativamente simples em que deve-se explorar os mapas para coletar cada um dos itens e, em posse deles, liberar portas misteriosas que dão acesso a ainda mais espaços. Essa é, entretanto, apenas a primeira camada de interação com um mundo extremamente complexo e críptico.

Cubos, anti-cubos e hipercubos

Os cubos foram estilhaçados e espalhados pelo mundo inteiro

Um jogador casual pode ter uma ótima experiência com Fez. Os desafios pelas plataformas são inventivos mas raramente difíceis, e é possível coletar cubos suficientes para progredir com a história. Até mesmo o mapa do jogo, um modelo tridimensional de cubos interligados representando cada uma das telas e suas conexões, pode ser usado sem muita preocupação com as legendas que indicam segredos e portais de transporte. 

Para esse jogador, os grafismos geométricos, sequências de tetriminos (as peças de Tetris), glitches visuais e momentos estranhos em relação à trilha sonora ou à vibração do controle apenas ajudam a construir um ambiente de estranheza, compatível com o que vive o protagonista. Mas cedo ou tarde o jogador casual se dá conta que nada no mundo de Fez é à toa e o jogo demanda um tipo de engajamento dedicado e profundo.

Além dos cubos regulares, o jogador pode coletar anti-cubos, disponíveis na mesma quantidade. Eles são acessados por enigmas lógicos, quebras-cabeças visuais usando a variação da perspectiva ou até mesmo com a inserção de uma sequência de comandos em pontos específicos do mapa. Todas as informações necessárias estão expressas dentro do jogo, mas muitas de maneira extremamente enigmática, que demandam um esforço de compreender que cada figura geométrica carrega um significado e toda uma linguagem e sistema de numeração podem ser decifrados pelo jogador mais dedicado.

Na Alegoria da Caverna, Platão descreve a violência e desconforto que vive aquele que, livre das amarras, caminha em direção à luz do sol pela primeira vez, e apenas depois de se acostumar com a claridade poderá perceber que valeu a pena passar por um processo tão doloroso. Fez traz uma sensação parecida, o desejo por compreender os significados ocultos que escondem o jogo muitas vezes convive com um cansaço mental e um sentimento de que estamos lidando com algo que nos ofusca e nos afoga. 

Se Gomez sai de um mundo 2D e percebe sua realidade em 3D, vivemos esse processo com ele da nossa própria forma. E a tela de carregamento entre as fases ainda traz a representação gráfica de um hipercubo, apenas a sugestão de um 4D para manter o jogador em um estado constante de curiosidade e inquietude.

O tecido do real

O mundo de Gomez sofre uma desfragmentação.

Que viagem! Fez pode ser exaustivo, mas não deixa de oferecer uma experiência em grande parte tranquila. A trilha sonora é especialmente interessante por trazer melodias leves e atmosféricas sem deixar de lado as dissonâncias e estranhezas que a música eletrônica, feita em sintetizadores, pode oferecer. 

No final, é um daqueles jogos que, mesmo tantos anos depois do lançamento, podem ser jogados e vividos sem que o tempo afete a experiência. Na verdade, alguns mistérios de Fez seguem em aberto e a possibilidade de procurar um guia online para resolver certos enigmas dá uma opção a mais para os jogadores que não queiram se engajar tanto a ponto de decodificar os símbolos geométricos.

Em Fez, o tecido da realidade é rasgado e recosturá-lo é tarefa não apenas do protagonista, mas do jogador. Essa experiência difícil é também transformadora e amplia nossa capacidade – mesmo fora do jogo –  de questionar tudo o que é certo e confortável, com a confiança de que o esforço vale a pena.

Cópia de Switch cedida pelos produtores

Revisão: Kiefer Kawakami

Fez

9

Nota Final

9.0/10

Prós

  • Ótimo design das fases
  • Mecânica de jogo simples que permite desafios complexos
  • Pode ser jogado de forma mais casual ou engajada

Contras

  • Muitos enigmas são exageradamente complexos
  • Parte do jogo exige um grande esforço intelectual de decodificação