Os jogos de plataforma foram reinventados na segunda metade dos anos 90. Os consoles da quinta geração transportaram a antiga experiência bidimensional para um mundo novo em três dimensões. Em meio a títulos pomposos como Mario 64, Crash Bandicoot, Spyro e Banjo-Kazooie, um jogo – apesar de ter sido sucesso de crítica – não recebeu a devida atenção do público quando lançado, em 2005, para o primeiro Xbox. Trata-se de Psychonauts! No título controlamos um jovem com habilidades psíquicas, de família circense, chamado Razputin Aquato, que sonha integrar uma equipe de heróis-telepatas-espiões que dá nome ao jogo.
No game original, Raz foge do circo e de sua família para se infiltrar no acampamento de verão de seus heróis Psychonauts, e acaba se descobrindo como o único capaz de solucionar alguns acontecimentos estranhos que rondam o local. Depois de anos no hiato, uma continuação da série foi anunciada durante o Game Awards 2015 e voltou a dar as caras em Pyschonauts In the Rhombus of Ruin, para VR, em 2017. O título em questão dá continuidade à história do primeiro jogo, em que Raz, Lili, Sasha, Milla e o Treinador devem resgatar Truman Zannoto, o chefão do grupo de heróis psíquicos. Em junho de 2019, a Microsoft anunciou a compra da Double Fine, estúdio responsável pelo desenvolvimento de Psychonauts, e passou a trabalhar ativamente na sua continuação. Finalmente, em agosto deste ano, Pyschonauts 2 chegou para PC, PS4, Xbox One e Xbox Series X/S.
Desenvolvimento: Double Fine
Distribuição: Xbox Games Studios
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Ação, Aventura
Classificação: 12 anos
Português: Legendas e interface
Plataformas: PC, PS4, Xbox One e Xbox Series X/S
Duração: 14 horas (campanha)/26 horas (100%)
A caçada pelo infiltrado

Para quem não teve contato com os títulos anteriores, logo quando iniciamos Psychonauts 2 nos é apresentado um resumo, contendo todos acontecimentos do primeiro jogo e da versão VR, de 2017. Caso você queira se inteirar de forma mais imersiva e aprofundada na história, o primeiro Psychonauts passou a integrar o catálogo do Game Pass um pouco antes do lançamento desse segundo game. Na história da nova aventura, Raz deve descobrir um infiltrado no quartel general dos Psychonauts e impedir que uma antiga e poderosa vilã, chamada Malígula, seja ressuscitada. A investigação que o agora estagiário Razputin passa a fazer o leva ao encontro dos fundadores originais dos Psychonauts e do passado de sua família. A apresentação do jogo é incrível! Nela, a equipe busca informações na mente do dentista do mal Caligosto Loboto – vilão do primeiro Psychonauts – sobre o infiltrado da equipe, que teria pago o doutor protético para sequestrar Truman Zannoto.
Essa introdução apresenta algumas mecânicas, como os pulos, golpes e alguns poderes de Raz. Os diálogos são afiados e a dublagem – que resgatou todos os atores do primeiro jogo – é incrível. Além das mecânicas, os novatos na série são apresentados à lore e ambientação distorcida dos cenários dentro da psique humana.

O fato de boa parte de nossas missões se passarem dentro da mente das pessoas abre um leque de possibilidades criativas representadas na física e na estética das fases, que se materializam num excelente trabalho de level design. Assim, seja explorando um show de uma banda famosa, um programa ao estilo Masterchef ou um cassino-hospital, cada fase é única e representa traumas, fobias e distúrbios daquele que estamos investigando. É um tema pesado, mas trabalhado de forma respeitosa e competente pela equipe da Double fine, apesar de todo o humor.
Personagens carismáticos e mecânicas impecáveis

A forma como tudo é apresentado nas primeiras horas serve para criar um elo afetivo que poucos jogos do gênero são capazes, e me fez sentir culpado por pouco saber sobre o título anterior até aquele momento. Todos os personagens são extremamente carismáticos, memoráveis e fáceis de destacar, seja no design único que lembram animações em stop motion ou na personalidade marcante de cada um deles. Até mesmo os que que possuem pouco tempo em tela, como a família de Raz e a turminha de estagiários, são muito bem construídos e caracterizados. As missões secundárias opcionais servem para aprofundar nossa ligação com os mesmos e se encaixam bem dentro da própria história principal.
Conforme as mecânicas iam sendo apresentadas, fiquei receoso quanto à aplicação das habilidades de Raz no gameplay. Digo isso porque a quantidade de movimentos, golpes e habilidades (telecinese, levitação, conexão mental, projeção etc) que o nosso herói possui é imensa. Geralmente, quando isso acontece, certa habilidade acaba não sendo bem aproveitada, ficando de lado depois de certo tempo. Mas, felizmente, não é isso que acontece e tudo é muito bem aproveitado em Psychonauts 2, seja nos momentos de plataforma ou nas batalhas contra inimigos e chefões, que requerem estratégias e usos diferentes dos poderes de Raz. Os inimigos – assim como todas as fases em si – são representações de traumas. Para combater o Mau Humor, por exemplo, devemos usar nossa habilidade de clarividência e descobrir a raiz daquele problema, para então golpeá-lo e vencer o inimigo. Cada batalha, nesse sentido, é uma luta pela saúde mental daquele que está sendo investigado.
Narrativa forte e um ótimo gameplay

Jogos de plataforma, não importa se 2D ou 3D, são conhecidos pela superficialidade de seus roteiros – salve a princesa que foi capturada… de novo. O foco nesses games, geralmente, gira em torno quase que unicamente da jogabilidade em si. Mas, não é o caso aqui: o roteiro tem seus altos e baixos, é claro, mas, principalmente, da metade para o final, ele te instiga a continuar avançando para saber mais da trama. Dito isso, uma das coisas mais impressionantes de Psychonauts 2 é a originalidade e relevância de sua história. Ela é extremamente envolvente e casa perfeitamente com a gameplay fluida e divertida.
O jogo possui quatro grandes áreas que funcionam como uma espécie de HUB que dá acesso às fases, tendo como área principal o Córtex Central, na sede da equipe. A narrativa é preenchida com uma série de desafios, missões secundárias e, principalmente, por vários e criativos colecionáveis (bagagem emocional, Vaults de memória e Figments) escondidos em diversos lugares, seja no mundo real ou na mente de seus personagens. Apesar da quantidade assustar num primeiro momento, a missão não é cansativa, como em jogos como Donkey Kong 64 e Banjo-Tooie, por exemplo.

Além dos colecionáveis, todas as habilidades de Raz podem (e devem) ser aprimoradas, melhorando sua eficácia ou eficiência em nossa jornada. Partir na busca desses itens prolonga ainda mais a agradável experiência com o título, nos ajuda a melhor compreender a história e é um prato cheio para os fãs de jogos de plataforma e caçadores de Conquistas e Troféus.
Primor técnico

Psychonauts 2 tem, de fato, cara de jogo de nova geração. Antes de continuar, no entanto, aqui cabe um adendo: a atualização gráfica nos consoles de nova geração só existe no Xbox. Isso faz parte de uma espécie de acordo de exclusividade firmado quando a empresa adquiriu a Double Fine, em 2019. Nesse sentido, donos de PS5 jogam a mesma versão do jogo do PS4.
Essa atualização está disponibilizada de forma gratuita via Entrega Inteligente, nos novos consoles da Microsoft, e o resultado apresentado na tela é incrível! O visual do jogo é belíssimo. A impressão que temos é de estar jogando uma animação interativa. Os cenários são criativos, coloridos, com belos efeitos de iluminação e muito diferentes uns dos outros. A movimentação é fluida, os controles responsivos e tudo roda em estáveis 60 fps. As melodias não são memoráveis, mas cumprem bem o seu papel de fazer com que a gente se sinta imerso nesse mundo. Em síntese, tecnicamente, Psychonauts 2 está impecável.
Reparando uma injustiça
Avançar e ajudar na recuperação psicológica das mentes fragmentadas dos personagens é recompensador. É como se cada cenário, mente e detalhe representasse parte de um grandioso parque de diversão, o qual precisamos explorar e consertar em nosso processo de investigação. O jogo amplia e aprofunda a história do primeiro título, contém algumas reviravoltas interessantes e torna a narrativa mais pessoal para Raz. Psychonauts 2 repara a injustiça do ostracismo em que o primeiro Psychonauts foi colocado e o alça definitivamente como um dos melhores games de plataforma já feitos. Ele é divertido, bonito, apresenta boas mecânicas, uma história envolvente e aborda problemas psicológicos complexos de forma leve, madura e respeitosa. O jogo está desde o dia de seu lançamento no excelente catálogo do Xbox Game Pass e é obrigatório para todos os amantes de videogame.
Cópia de Xbox Series S adquirida através do Xbox Game Pass
Revisão: Jason Ming Hong