The Longing é uma mistura original de idle game com aventura e exploração. Nele, o último servo de um rei adormecido tem como única tarefa esperar por 400 dias. Como fará para se ocupar e fazer passar mais rápido o tempo e até onde terá coragem de explorar em um complexo de cavernas profundas dependerá apenas do jogador. Por trás da lentidão e aparente tranquilidade, o jogo traz reflexões profundas sobre solidão e propósito.
Desenvolvimento: Application Systems Heidelberg Software GmbH
Distribuição: ASHGAMES
Jogadores: 1 (local)
Gênero: Aventura, Puzzle
Classificação: 16 anos
Português: Sim
Plataformas: Switch, PC
Duração: 17 horas (campanha)/70 horas (100%)
O rei mandou esperar

Antes de mais nada, é importante deixar registrados aqui os possíveis gatilhos a quem, na vida real, convive com quadros de saúde mental como ansiedade e depressão.
A ideia de um rei ou um herói adormecido, recluso em locais inacessíveis e protegido até seu despertar não é incomum no imaginário humano: está presente em lendas e mitos, contos folclóricos e narrativas orais. Até mesmo em games não se trata de um conceito incomum.
Em The Longing, esse motivo aparece de forma bastante literal: o Rei adormece prometendo recuperar suas forças e despertar em 400 dias. Gigantesco e feito de pedra, senta-se em um trono e se mescla às paredes de seu reino subterrâneo. O grande diferencial desta história é que o jogador não a viverá a partir do despertar do rei, mas sob o ponto de vista de seu servo, orientado a esperar pacientemente o sono do monarca.
Uma Sombra, o personagem principal, é um humanóide pequeno e franzino, ligeiramente corcunda, de corpo totalmente preto e grandes e esbugalhados olhos amarelos. Seu aposento, uma pequena cova à direita de seu soberano, é simples como sua existência. Uma ampulheta, uma poltrona e uns poucos livros ocupam o espaço e logo no princípio é possível orientar a Sombra a gastar seu tempo lendo um livro, desenhando ou caminhando vagarosamente pelas cavernas do reino.
Assim que o jogo começa, um relógio no topo da tela inicia uma contagem regressiva de 400 dias. O tempo até o despertar do rei é contado em relação ao tempo real e continua mesmo quando o jogo está desligado. Uma Sombra, personagem sem nome, dá o tom da aventura: não é preciso ter pressa, todo o tempo do mundo está à disposição. Como ocupar esse tempo dependerá de cada jogador e das escolhas que faz: desligar o jogo e apenas ligar 400 dias depois é uma opção, como também ficar restrito à cova e ler os poucos livros disponíveis na estante (livros reais, como Moby Dick, de Herman Melville, ou Assim falou Zaratustra, de Friedrich Nietzsche, infelizmente disponíveis apenas em inglês) ou desenhar até acabarem as folhas de papel e os pedaços de giz.
Também é possível sair para explorar as cavernas, sempre com muita paciência, conseguindo novos itens para melhorar seu espaço e, se for o desejo do jogador, uma saída do mundo subterrâneo, desobedecendo o rei. Uma Sombra perceberá que cada atividade que realiza, bem como as alterações que faz em sua cova podem mudar o ritmo do tempo. O tempo passa mais rápido em lugares mais confortáveis ou realizando certas atividades. É o tempo também o responsável por causar alterações nas cavernas, ampliando a possibilidade de exploração.
Solidão

Quem decide se aventurar no papel de Uma Sombra enfrenta logo de cara os principais temas do jogo: solidão, ansiedade e espera. O jogador percebe logo de cara a abordagem original a um jogo idle, mesclando-o a uma ideia de exploração. Geralmente os jogos idle são exponencialmente incrementais, oferecendo satisfação ao jogador por alcançar sempre números mais altos. No caso de The Longing, o final está dado desde o início: 400 dias é um tempo mais que suficiente para aproveitar o jogo como bem se entender.
Há algo fascinante no ritmo morno das passadas do Uma Sombra, atravessando devagar as telas do jogo, desenhadas à mão com traços finos, envolto nos sons de passos que ecoam pelas galerias e pelas ocasionais músicas ambiente. Mas esse fascínio também tem um lado sombrio: o jogador sente a aflição e angústia da espera e do progresso lento. Curiosidade e vazio existencial, serenidade e aflição, sonho e tédio: sentimentos ambivalentes coexistem e são narrados pelo personagem principal em eventuais caixas de texto também solitárias, que surgem e desaparecem deixando ideias no ar.
Um alento aos jogadores que ficam frustrados com a lentidão de movimento e progresso se encontra no fato de que The Longing pode ser vivenciado a partir de sessões curtas de jogo. É possível lembrar de lugares já visitados e mandar Uma Sombra caminhar até lá, ou deixá-lo realizando uma tarefa demorada (abrir uma porta, ler um livro…) e fechar o jogo, voltando mais tarde com o progresso realizado mesmo durante o período que passou desligado. O tempo de abertura do jogo felizmente é curto e o salvamento é automático para cada ação, de modo que é possível fazer esse abre-e-fecha sem criar problemas.
Não há uma maneira correta de jogar – tudo vai depender das escolhas do jogador e de sua disposição e envolvimento com os aspectos da história e do ambiente retratado. Um dos exemplos é a estante de livros disponível para o jogador desde o começo: é possível encontrar outras obras ao longo da caverna e lê-las na tela do jogo, assim como é possível mandar o personagem lê-las automaticamente, aproveitando o aumento na passagem do tempo que se passa com essa atividade.
Uma vez sonhei que eu mesmo era o rei

Esse não é um jogo para qualquer um, não apenas porque a velocidade super lenta pode ser um tanto frustrante para alguns jogadores, mas também porque a temática é bastante profunda e pode intensificar sentimentos ruins em quem já convive com a ansiedade e a solidão.
Dentre os vários finais possíveis para a história, é de se imaginar que a resolução da espera e dos anseios de Uma Sombra não será necessariamente positiva. Há soluções leves e agradáveis, outras carregadas de simbolismos profundos e outras cruéis e dolorosas.
Cópia de Switch cedida pelos produtores
Revisão: Kiefer Kawakami